Os cancros gastrointestinais tornaram-se um dos tipos de cancro a aumentar de forma mais expressiva entre adultos com menos de 50 anos, revela um estudo publicado na revista científica JAMA. O trabalho, considerado uma das análises mais abrangentes sobre a evolução dos cancros gastrointestinais, junta bases de dados internacionais, bem como 115 artigos científicos publicados entre janeiro de 2014 e março de 2025.

O estudo do "American Cancer Society" mostra que o cancro colorretal é o mais comum entre os cancros gastrointestinais de início precoce, com quase 185 mil casos reportados a nível mundial em 2022, cerca de 21 mil apenas nos Estados Unidos. Desde 2011, os diagnósticos neste país aumentam 2% ao ano entre pessoas com menos de 50 anos.

Casos de cancro pancreático, gástrico e esofágico também estão a aumentar nesta faixa etária. O cancro do pâncreas é um dos mais fatais, sendo que apenas 13% dos pacientes sobrevive cinco anos após o diagnóstico.

Segundo os autores, há fortes indícios de que fatores ligados ao estilo de vida, obesidade, sedentarismo, dietas pouco saudáveis, consumo de álcool, tabaco e bebidas açucaradas desempenhem um papel relevante. A investigação aponta que mulheres que consumiram mais refrigerantes na sua adolescência têm um maior risco de desenvolver cancro gastrointestinal precoce.

“O que as pessoas fazem ou a que estão expostas na infância e adolescência pode influenciar o risco de desenvolver cancro em adultos jovens”, explica a coautora do estudo, a médica Kimmie Ng, diretora do Centro de Cancro Colorretal de Início Precoce no Instituto de Cancro Dana-Farber, citada pela NBC News..

O estudo também destaca a importância do microbioma intestinal, as bactérias que habitam no sistema digestivo, cuja composição pode ser influenciada por dieta, antibióticos, microplásticos ou produtos químicos ambientais. No entanto, os cientistas ainda não compreendem totalmente como um microbioma saudável se relaciona com a prevenção do cancro.

A NBC News acrescenta que, além dos fatores ambientais, entre 15% e 30% dos jovens diagnosticados com cancros gastrointestinais apresentam mutações genéticas hereditárias. Por isso, os investigadores recomendam testes genéticos a todos os doentes diagnosticados antes dos 50 anos.

Apesar dos avanços nos tratamentos e rastreios, os jovens adultos diagnosticados tendem a ter piores prognósticos do que os mais velhos, mesmo quando os cancros são detetados no mesmo estádio. Apontam para possíveis diferenças biológicas nos tumores em pessoas mais jovens, que poderão ser mais agressivos ou menos responsivos aos tratamentos atuais.

Kimmie Ng sublinha a urgência de melhorar os métodos de deteção precoce: “Isto mostra como é crucial reforçar os rastreios e o diagnóstico precoce, especialmente à medida que estas tendências se agravam.”

Cancros gastrointestinais em Portugal:

O cancro colorretal é o segundo mais frequente em Portugal, com cerca de 10.500 novos casos por ano e aproximadamente 4.800 mortes, o que equivale a 12 mortes por dia, segundo o Global Cancer Observatory (GLOBOCAN).

(Gráfico do lado esquerdo) - Cancro no sexo masculino: O mais frequente é o da Próstata (verde) e o segundo Colorretal (amarelo); (Gráfico do lado direito)- Cancro no sexo feminino: O mais frequente é o da Mama (cor-de-rosa) e o segundo Colorretal (amarelo)
(Gráfico do lado esquerdo) - Cancro no sexo masculino: O mais frequente é o da Próstata (verde) e o segundo Colorretal (amarelo); (Gráfico do lado direito)- Cancro no sexo feminino: O mais frequente é o da Mama (cor-de-rosa) e o segundo Colorretal (amarelo) Expresso

Nos últimos dez anos, a proporção de casos em pessoas com menos de 50 anos duplicou, passando de 5% para 10% do total de diagnósticos. Desde os anos 90, a incidência nesta faixa etária aumentou cerca de 80%, conforme indicado no Registo Oncológico Nacional.

Contudo, a cobertura de rastreio é muito baixa, estima-se que apenas 14% da população realizou exames de deteção precoce (colonoscopia ou pesquisa de sangue oculto nas fezes). Em Portugal, o rastreio organizado para o cancro colorretal está recomendado apenas dos 50 aos 74 anos, deixando de fora muitos dos casos iniciais, de acordo com o Programa Nacional de Rastreio do Cancro Colorretal da Direção-Geral da Saúde.

As projeções do GLOBOCAN indicam que, até 2040, o número de novos casos de cancro poderá aumentar 20% em Portugal, tendência que exige uma resposta urgente das autoridades de saúde.

Texto escrito por Nadja Pereira e editado por Mafalda Ganhão