
De cada padrão são guardadas 23 peças e como Tiago Cortiço explica: "são 20 azulejos para poder fazer um painel de meio metro, três são suplentes".
O número total de padrões está por apurar porque há "paletes por abrir" no armazém em Alenquer e às quais "não se consegue chegar", mas numa contagem já foram identificados mais de 900 padrões, adianta outro dos netos, Ricardo Cortiço.
O avô construiu o espólio de azulejos e louças sanitárias entre 1979 e 2013, altura em que morreu. O armazém e loja iniciais estavam localizados em Benfica, mas foram demolidos devido à construção da CRIL (Circular Regional Interior de Lisboa).
Da herança, Ricardo e Tiago mostram à agência Lusa fotos de louças sanitárias espalhadas pelo telhado do prédio demolido, assim como uma carta enviada por uma senhora do Estoril, em 1998, com uma curiosa interpretação da morada do avô: "Estrada Militar, Traseiras do Cemitério de Benfica".
"Peço-lhe os impossíveis" e "muito grata lhe ficaria" são expressões da carta, que é acompanhada por uma fotografia do padrão de azulejos pretendido.
Outra foto guardada mostra uma menina mascarada em frente a uma parede revestida de azulejos brancos e azuis, o padrão desejado.
"As pessoas mostram pedaços das suas vidas", nota Ricardo, contando que depois da demolição, a família abriu uma nova loja em Benfica, entretanto transferida para a zona da Mouraria a fim de ser encontrada nos circuitos dos turistas.
O fundador do negócio já não chegou a conhecer o local, "mas viu o documentário", assegura Ricardo, que realizou um filme de 21 minutos chamado "Avô Cortiço" para a sua tese de mestrado em cinema.
Os azulejos do espólio integraram outros projetos artísticos da família, com o neto mais velho como autor, por exemplo, de painéis para o Museu Nacional do Azulejo.
À loja chegam "pedidos muito específicos", que ficam por responder, criando frustração. "Porque queríamos ter todos e vamos tentando, porque há esse trabalho de garimpa" nomeadamente pelo material que antigos revendedores ainda têm, acrescenta Ricardo.
A infância dos irmãos foi passada a brincar no armazém de azulejos e sanitários, mas nada que os "afetasse culturalmente", diz Tiago.
Só mais tarde perceberam como as pessoas "vibram" com os azulejos e como apontam, no expositor da loja, que aquele padrão de azulejo estava nas suas casas de banho ou cozinhas.
Tiago lembra que a procura do avô pelos azulejos descontinuados, "nunca linhas novas", começou depois do encerramento de mais de duas dezenas de fábricas devido à concorrência do produto espanhol "mais barato" e "não tão 'piroso'".
Agora, o espólio é contabilizado em "milhões, em termos de quantidade" e "mais de mil, se calhar 1.500" em termos de padrões, à disposição de novos clientes que querem "fazer um revivalismo" ou da "pessoa que o cano da casa de banho se estraga, tem de abrir a parede e precisa de três azulejos".
Mesmo ganhando a vida com material que deixou de se fabricar, os jovens preveem um futuro longo para o negócio de família: "Acho que os nossos netos ainda vão vender azulejos. Se estes acabarem, é muito bom sinal para nós, porque ficamos milionários, mas não é uma preocupação para já", remata Ricardo Cortiço.
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