O destino é uma espécie de relacionamento, um jogo entre a graça divina e a perseverança pessoal. Metade escapa ao nosso controlo, a outra metade está inteiramente nas nossas mãos. Talvez baseadas nesta convicção, milhões de pessoas em todo o mundo devotam-se ao trabalho voluntário, arregaçam as mangas para mudar a realidade à sua volta.

Poder-se-á falar de uma revolução silenciosa em todo o globo, que continua em marcha apesar da pandemia. Não faz alarde nem aparece estampada nas manchetes dos jornais. Mesmo assim, quase imperceptível, contagia cada vez mais pessoas que acreditam que é possível transformar o mundo.

Grande parte dos voluntários com quem me cruzei na vida não trazem só solidariedade para o campo de batalha. Trazem também paixão, profissionalismo e a consciência soberana dos sentimentos incondicionais.

Acredito que uma sociedade só será verdadeiramente cidadã se as pessoas actuarem na área social de forma mais proactiva do que simplesmente como contribuintes. Pagar impostos e deixar todos os problemas sociais para o Estado é um modo cómodo de não-envolvimento. Quando o indivíduo faz algum tipo de trabalho voluntário, seja ele qual for, descobre que a filantropia é um prazer e não somente uma obrigação. Porque, quando

damos, também recebemos em troca: contacto humano, convivência com pessoas diferentes, oportunidade de aprender coisas novas, satisfação de nos sentirmos úteis.

De facto, a sensação de prazer que resulta do trabalho voluntário é algo tão notável que a ciência tratou de mergulhar no assunto. Um dos estudos mais curiosos nesse campo foi produzido pela Universidade de Michigan há quase uma década, mas os seus resultados continuam válidos. Os pesquisadores analisaram centenas de casos durante vários anos e concluíram que há uma relação directa entre o sentir-se socialmente útil e a longevidade. Outro dado realmente inspirador: o espírito solidário é independente da idade, credo ou classe social.

Apesar de tudo isto, Portugal tem das mais baixas taxas de participação cívica da Europa e as explicações poderão passar por aqui: democracia tardia, fraca cultura cívica ou baixos níveis de escolaridade. A vontade de ajudar o próximo é antiga, talvez até inata ao ser humano, mas é urgente lembrar que nem tudo é voluntariado. Há uma diferença entre um acto generoso, mas avulso, e um acto de compromisso para com o outro, o que implica respeito por quem dele beneficia. Sou voluntária desde os 18 anos e as acções de voluntariado são colocadas na minha agenda com a mesma prioridade que uma reunião ou uma entrevista. É assim que encaro este trabalho.

No terreno, em múltiplos projectos de voluntariado em que me envolvi, aprendi muita coisa. Uma delas é importante frisar, uma e outra vez, enquanto tivermos voz: não devo tornar-me voluntária porque estou triste, deprimida ou para me sentir melhor. Tenho de fazer voluntariado em prol dos outros, tirando satisfação para mim; e não o contrário: pensando em mim, fazendo bem aos outros. Na verdade, tem de ser uma relação altruísta win-win – e isso faz toda a diferença.

Há uma pergunta que paira muitas vezes na cabeça de quem quer começar: quais são as principais características do voluntariado? Pode haver muitas respostas a esta questão, mas para mim são a gratuitidade, o sentido do outro, a organização e a exigência da solidariedade. Sou voluntária, sou solidária. Não sou caridosa.

Porém, não chegam a boa vontade nem o espírito solidário para se ser voluntário. É necessário altruísmo, compromisso, dedicação, mas tão importante como estes valores é o domínio de competências éticas, relacionais, emocionais ou técnicas. Tal como no mundo laboral, também neste universo se exige rigor, qualidade e profissionalismo. Infelizmente ainda não é uma característica de alguns sectores e organizações, mas é uma tendência crescente, e creio que é irreversível, que permitirá maior convergência entre o trabalho dos voluntários e o dos profissionais remunerados. E, assim, reduz-se o carácter voluntarista, predominante no passado, em que o voluntário agia de forma livre e sem compromissos de horários e regras de trabalho.

Sem o trabalho voluntário o mundo desabaria. Sem o exército de gente que trabalha em prol dos outros, suprindo as mais diversas necessidades que, de outra forma, ficariam por preencher, o mundo seria ainda mais injusto e desigual. Tropecei no outro dia num estudo da Universidade Católica que referia que, a cada euro aplicado numa acção de voluntariado, há cinco euros de retorno. O estudo estima que só o valor do esforço voluntário, contabilizado em 675 milhões de euros, contribui com 0,5% para o PIB da nação. Claro que é também por esta dimensão económica que é importante clarificar as funções e competências dos voluntários, assegurando que não há aproveitamento inapropriado da boa vontade. Tenho visto muitos abusos por aí, que contaminam os projectos verdadeiramente diferenciadores. Há dois riscos principais que é preciso denunciar: o de se utilizar o trabalho voluntário como forma de trabalho gratuito em substituição do trabalho pago, e o de apelar à militância dos voluntários pedindo-lhes mais tempo de envolvimento, como nova forma de exploração de mão-de-obra.

Na minha vivência, o voluntariado é uma experiência de amor supremo. E, de tão transformadora, tem extraordinários efeitos terapêuticos. Um deles é uma aprendizagem que levo para a vida, e que a aprendi com o trabalho no terreno: apesar das distâncias, das dificuldades e do fosso que parece existir, as pessoas são parecidas em toda a parte. As semelhanças que nos unem são muito mais do que as diferenças que nos separam.