Isso é que tem sido debater por estes dias. Nem as ilhas escapam. Ele é impostos, SNS, transportes, agricultores, governos regionais, público e privado, polícias, habitação, uma suave política internacional, corrupção, economia verde, inteligência artificial (a natural está doente), um vislumbre de educação, a Disneyland Portugal liberal (jovens, jovens, jovens), defesa do bem estar animal, igualdade de género. Tem cabido tudo nas parcas meias horas de ringue. Só não cabe a cultura (honra seja feita a Paulo Raimundo, que tentou). E nota-se!

Temos dezassete áreas neste governo: Presidência; Negócios Estrangeiros; Defesa Nacional; Administração Interna; Justiça; Finanças; Assuntos Parlamentares; Economia e Mar; Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; Educação; Trabalho, Solidariedade e Segurança; Saúde; Ambiente e Ação Climática; Habitação; Coesão Territorial; Agricultura e Alimentação; e Cultura. No site, todos têm direito a fotografia. Nos programas, mais ou menos organizados, todos terão direito a políticas. Nas televisões, todos têm direito a ganhar votos. Eu compreendo, percebo que o tempo anda a desfavor, que o jornalismo tem atrapalhado mais do que servido, mas quando o discurso é maioritariamente rente, formatado, pouco inspirado, às vezes pouco educado, pergunto-me que país queremos erguer se insistimos em tirar a cultura do caminho?

Não ceder ao que é fácil dá trabalho e pressupõe ter princípios seguros. Exige não ter respostas, passar por desconfortos, exige assumir uma ignorância saudável (porque existe a outra, que desprotege), para depois aprender. Este impulso é fundamental e antecede a defesa dos pressupostos em que se acredita, coloca-nos num lugar honesto, por isso forte. Não partimos para a política porque sabemos tudo e porque descobrimos a verdade, antes porque descobrimos alguma coisa que, neste período da História, pode ser que funcione melhor do que outra. Assim como não desejo que a arte se transforme em entretenimento, porque há espaço para os dois nos seus devidos espaços, também não desejo que a política que nos chega através dos meios de comunicação social se torne um espetáculo.

Ouvir a Iniciativa Liberal com um slogan que confrange e a falar para jovens ou que são ricos ou desprovidos de informação tem-me irritado para lá do normal e, agora que paro para refletir (permitam-me usar o verbo enquanto existe), percebo que me remete para as associações de estudantes, em que aparecia alguém perdido e interessado em atrapalhar perto da viagem de finalistas (ensino secundário) ou perto da Queima das Fitas (ensino superior). Sabe a poucochinho. Caro Rui Rocha, vou sendo jovem, não vou comprar casa, faço parte de um grupo de pessoas que pensa, não emigrei e não prevejo fazê-lo, não ganho 1.800€ brutos por mês, não tenho família descendente. Mesmo que não tenha falado para mim, deixo uma sugestão amiga: se quer ganhar o voto jovem para que isso assegure a vida do partido a que pertence, fale como quando fala para gente grande. Não basta falar de jovens para enaltecer ou proteger o grupo.

Do Chega, os comentadores e as comentadoras e os jornalistas e as jornalistas e os a favor e os contra já falam que Chegue. Dos restantes, porque lhes deposito uma esperança democrática e real, mais do que liberal, aguardo pacientemente que algum ou alguma tenha a audácia de falar a sério da Cultura. Já que Portugal é um dos países europeus que menos investe no setor, mesmo que o peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) — resultado final da atividade produtiva no decurso de um determinado período - das atividades culturais (2,9%) tenha sido idêntico, em 2018, ano de referência da Conta Satélite da Cultura 2018-2020 do INE, ao do ramo da agricultura, silvicultura e pesca (2,4%), ou ligeiramente abaixo do setor da construção (4,2%) e das atividades financeiras e de seguros (4,9%). Isto equivaleu a 4,2 mil milhões de euros e abrangeu cerca de 133,6 mil empregos, representando 2,8% do emprego total. Se é assim com a precariedade reinando, como seria a Cultura — e as nossas cabeças — se fosse mais atendida? Talvez os dados sejam suficientes para se falar nesta área, mas os 133,6 mil empregos-pessoas-votos não.

Vai-se usando a poesia em discursos e a música em celebrações oficiais. Bem bom. Assim como há dinossauros que morrem com holocaustos, pode ser que a política volte a ser aquilo que nasceu para ser.

Rita Dias é cantora, escritora e atriz. Lançou dois discos, participou no Festival da Canção e editou um livro de poesia em Portugal e no Brasil. Prepara-se para lançar novo disco e novo livro.