O Poder Local, em todas as suas múltiplas instâncias, desde um executivo de Câmara Municipal, a uma Junta de Freguesia e pelos órgãos deliberativos, Assembleia Municipal e de Freguesia, deve incorporar no seu seio, nos seus regimentos e quadros legais normativos o conceito de "Pré-Causas" ou de "Participação Pro-activa dos Cidadãos".

Isto significa complementar os mecanismos de participação reactiva que já existem (intervenções no período do "público" em Assembleia de Freguesia ou Municipal com mecanismos que permitam integrar, conter ou resolver conflitos com moradores, cidadãos ou activistas mesmo antes deles acontecerem.

Isto significa também entregar aos cidadãos uma visibilidade e formas de controlo e supervisão que estão hoje apenas ao alcance dos eleitos autárquicos. Isto significa, também, "destecnificar" os processos de concepção e desenho de projectos sejam eles o projecto para uma nova praça, a renovação de um qualquer jardim urbano ou uma grande obra ou iniciativa que se sabe que terá um grande impacto na comunidade local ou na cidade.

Com efeito, não vivemos numa Tecnocracia ou numa "Democracia de Peritos" em que apenas os urbanistas, os arquitectos e os funcionários da autarquia têm direito a ter opinião e a decidirem sobre os projectos que têm impacto sobre todos nós e sobre a cidade. Não vivemos também numa democracia que se suspende de quatro em quatro anos e que se reactiva apenas nas duas semanas que precedem as eleições. Vivemos numa Democracia Permanente em que os cidadãos têm o direito (e o dever) de se pronunciarem a todo o momento sobre tudo o que lhes diz, directa ou indirectamente, respeito.

As autarquias, em vez de incorporarem apenas medidas de participação reactiva, que tendem a inflaccionar o nível do protesto porque este ocorre em reacção a um dado projecto ou iniciativa autárquica, devem criar ferramentas de participação pro-activa desde os estágios iniciais de qualquer projecto quando este está apenas, tradicionalmente, apenas nas secretárias dos técnicos e sob supervisão técnica ou política das estruturas hierárquicas internas ou políticas. Para além das formas conhecidas e já amplamente testadas de participação reactiva é preciso abrir a fase inicial dos projectos aos cidadãos:

  1. Publicar todos os projectos online, de forma simplificada e explicativa;
  2. Abrir canais de comunicação permanentes, directos e abertos entre técnicos e cidadãos;
  3. Em qualquer grande projecto criar sempre Fóruns aleatórios de Cidadãos em que estes, com a informação cedida por peritos e orientados por facilitadores que produzam uma série de orientações que depois podem ser seguidas pelos técnicos e eleitos;
  4. Implementar, aumentar o financiamento e âmbito dos Orçamentos Participativos;
  5. Refundar o programa "LisboaIdeia" e desmultiplicá-lo pelas freguesias permitindo que os cidadãos publicassem e submetessem a votação ideias de melhoramentos para a cidade e
  6. Dinamizar e tornar mais eficiente e rastreável o processo de Consultas Públicas por forma a que seja mais nítido o nível e grau de alterações introduzidos e integrados e que tiveram origem na participação dos cidadãos.

Desta forma, as Juntas de Freguesia teriam ganhos a vários níveis:

  1. Prevenção de conflitos: Ao adotar mecanismos de resolução preventiva de conflitos, as Juntas de Freguesia podem identificar e abordar problemas potenciais antes que eles se transformem em conflitos mais graves. Isso permite a antecipação de problemas e a adoção de medidas preventivas para os resolver, evitando assim impactos negativos na comunidade.
  2. Melhor comunicação: Ao disponibilizar mecanismos de participação e diálogo com os moradores, cidadãos e ativistas, as Juntas de Freguesia podem promover uma comunicação mais eficaz e aberta. Isso permite que as preocupações e opiniões sejam expressas precocemente, proporcionando um espaço para o debate construtivo e a busca de soluções antes que os conflitos surjam.
  3. Fortalecimento da confiança e legitimidade: Ao estabelecer mecanismos que promovam a participação ativa e inclusiva dos cidadãos, as Juntas de Freguesia demonstram um compromisso com a transparência, a justiça e a tomada de decisões compartilhada. Isso contribui para o fortalecimento da confiança dos moradores na instituição e aumenta a legitimidade das suas opções políticas na qualidade de representantes dos interesses da comunidade.
  4. Resolução de problemas de forma mais eficiente: Ao abordar os conflitos de forma proactiva, as Juntas de Freguesia podem evitar que eles se arrastem e se tornem mais complexos, exigindo recursos adicionais para a resolução. A antecipação e a gestão adequada dos conflitos podem levar a soluções mais rápidas e eficientes, minimizando os impactos negativos nas relações entre os diversos actores envolvidos.
  5. Promoção da participação: Ao oferecer mecanismos de resolução de conflitos antes que eles aconteçam, as Juntas de Freguesia incentivam a participação ativa dos cidadãos na tomada de decisões e na gestão dos assuntos públicos. Isso fortalece a democracia local, empodera os cidadãos e cria um sentimento de responsabilidade partilhada na construção de uma comunidade mais justa e harmoniosa.

Em suma, complementar os mecanismos de participação reativa com mecanismos de resolução preventiva de conflitos permite que as Juntas de Freguesia identifiquem problemas precocemente, melhorem a comunicação com os moradores, fortaleçam a confiança e legitimidade institucionais, resolvam problemas de forma mais eficiente e promovam uma participação cidadã mais ampla e inclusiva: ou seja que tenhamos uma democracia local mais participada e participativa.

Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.