Quando cheguei ao Japão em 1998, para lá viver uns tempos, percebi imediatamente vários comportamentos que diferenciavam a cultura japonesa da portuguesa. A forma de se cumprimentarem era através de uma vénia e não com um aperto-de-mão e a inclinação das vénias, num encontro entre pessoas de uma mesma empresa, por exemplo, indicava-me imediatamente o grau hierárquico de cada uma delas. A distância ao poder, aliás, era elevada e o respeito pelos mais velhos notório. Mas as vénias são apenas uma camada superficial de uma cultura com diferenças e características muito mais profundas e interessantes.

Na gestão intercultural, aprendemos que a cultura japonesa é de alto contexto, ou seja, as mensagens são ditas e lidas nas entrelinhas e, quando fortes, estão muitas vezes implícitas, ao contrário do que se passa em culturas de baixo contexto, nas quais, para garantir que a mensagem é transmitida de forma clara, o processo de comunicação é preciso, simples e claro (o que, por vezes, é visto como rude). Além disso, os japoneses não apreciam o confronto. Como sociedade coletivista (que também são), valorizam a harmonia e consideram que o confronto aberto e direto é inapropriado.

Os adeptos do FC Porto (declaração de interesse: sou adepto do Vitória de Guimarães) certamente lembrar-se-ão de um final de um jogo, no qual o Sérgio Conceição puxa o Nakajima, fala com ele irritado e o Nakajima acena e até parece sorrir. Folha, ex-jogador do FC Porto que o treinou no Portimonense, afirmou numa entrevista que, quando falava mais alto para os jogadores nos treinos, o Nakajima ria. É certo que haverá traços de personalidade do Nakajima que devem ser considerados, mas é normal os japoneses sentirem-se desconfortáveis em situações de confronto ou agressividade e, não sabendo como reagir, simplesmente acenam e sorriem.

A cultura japonesa é também considerada monocrónica, o que significa que valoriza a realização de uma tarefa de cada vez, com foco na organização, no planeamento e no cumprimento rigoroso de horários. Numa cultura monocrónica como a do Japão, o tempo é percebido como linear e segmentado, sendo altamente valorizado. Além disso, planificam (ao contrário do que acontece numa cultura que eu conheço, mas da qual não refiro o nome), são muito processuais e não apreciam surpresas de última hora nem estrangeiros a baralharem os procedimentos.

Conto, a propósito, uma experiência curiosa que vivi na altura. Três semanas após ter chegado a Tóquio, entrei num McDonald’s e pedi um Big Mac (para matar saudades da comida de plástico). Mas pedi o Big Mac sem pepino, algo que já tinha feito noutros países sem qualquer problema. O empregado olhou para mim com alguma perplexidade e respondeu que não havia Big Mac sem pepino. Insisti, explicando que era apenas uma questão de retirar um ingrediente, mas o funcionário manteve-se firme. Chamou um colega, que repetiu, calmamente: na cozinha colocam pepino no Big Mac.

A situação ficou desconfortável até que o responsável máximo do restaurante veio também falar comigo. Os três, muito educados, estavam determinados em explicar-me como era um Big Mac. Decidi, por isso, pedir o Big Mac normal e, ao recebê-lo, abri o pão, retirei o pepino à frente deles e disse, com ar de Sérgio Conceição: “Agora tenho um Big Mac sem pepino.” Eles sorriram e acenaram, como o Nakajima, um pouco embaraçados, mas ainda assim com a dignidade de quem seguiu o procedimento até ao fim.

Vindo de uma cultura onde a flexibilidade, a improvisação e até o “desenrasque” são frequentemente vistos como virtudes, o tempo que vivi no Japão fez-me reconhecer o mérito de uma lógica onde a consistência e o respeito pelas regras contribuem para a confiança e a previsibilidade nas interações, tanto no quotidiano como no mundo dos negócios. E passei a aceitar e a valorizar formas diferentes de estar, aprendendo a trabalhar com outros ritmos, prioridades e códigos culturais.

Codiretor do Executive Master em International Business da Porto Business School