É em memória de Florence Nightingale, fundadora da enfermagem moderna e um importante símbolo da emancipação das mulheres, que o dia 12 de maio é dedicado à celebração dos enfermeiros por todo o mundo – um momento em que a reflexão sobre a liderança feminina na Enfermagem se revela particularmente oportuna e necessária. Embora a profissão seja maioritariamente exercida por mulheres – 70.823 mulheres para apenas 14.712 homens, segundo dados do Anuário dos Enfermeiros 2024 –, esta representatividade numérica não se traduz, necessariamente, em valorização social ou em equidade no acesso a cargos de decisão.
Na verdade, o predomínio feminino na Enfermagem tem sido, historicamente, um fator que contribui para a sua desvalorização estrutural. A associação da profissão ao cuidado, muitas vezes romantizado como uma extensão "natural" do papel feminino, contribui para a persistência de estereótipos de género que desvalorizam as competências técnicas, científicas e de liderança das enfermeiras. Esta visão reducionista reflete-se nas barreiras invisíveis que muitas mulheres continuam a enfrentar quando aspiram a funções de gestão e liderança, tanto nos serviços de saúde como em instâncias políticas e institucionais.
Ainda de acordo com o Anuário dos Enfermeiros 2024, há três vezes mais enfermeiras com competências avançadas de gestão do que enfermeiros. Este dado, à primeira vista encorajador, levanta uma questão crucial: como podemos ter tantos exemplos de capacitação técnica feminina e, ainda assim, falar da liderança feminina como uma utopia? A resposta pode residir na distância entre a formação e o reconhecimento. Ou seja, apesar da elevada qualificação e preparação das enfermeiras para o exercício da liderança, os espaços onde verdadeiramente se decide – seja em conselhos de administração, na política de saúde ou na definição de estratégias nacionais – continuam a ser ocupados, maioritariamente, por homens.
Apesar de ocuparem cargos de chefia – em muitos casos, por força da própria demografia da profissão –, as mulheres continuam assim a ser sub-representadas nos lugares de maior poder decisório. Barreiras relacionadas com a comunicação e a assertividade são frequentemente apontadas como entraves ao exercício pleno da liderança: mulheres líderes são por vezes percecionadas como menos confiantes ou excessivamente emocionais, em comparação com os seus colegas homens, o que pode impactar a sua credibilidade e reputação profissional.
Acresce a estas dificuldades a pressão da conciliação entre a vida profissional e as responsabilidades familiares, que permanece uma realidade vivida de forma assimétrica pelas mulheres. A chamada "dupla carga" impõe limites à disponibilidade para assumir funções de maior responsabilidade e visibilidade, perpetuando um ciclo de exclusão silenciosa e persistente.
Perante este cenário, torna-se imperativo analisar criticamente os fatores que moldam a liderança em Enfermagem, promovendo uma cultura organizacional que reconheça e valorize o mérito, independentemente do género. A liderança feminina não é apenas uma questão de justiça social; é uma condição necessária à inovação, à inclusão e ao fortalecimento da profissão enquanto pilar essencial dos sistemas de saúde.
Criar espaços dedicados à reflexão, à partilha de experiências e à mobilização de saberes – aproveitando, inclusivamente, efemérides como esta – é essencial para capacitar as novas gerações de enfermeiras e enfermeiros, para que possam exercer uma liderança informada, equitativa e transformadora.
Temos, hoje, uma oportunidade para homenagear estes profissionais, mas também para reivindicar um futuro mais justo, equitativo e inspirador para todos os que fazem da Enfermagem a sua missão – porque, e aludindo ao mote do Conselho Internacional de Enfermeiros para este ano, Cuidar dos Enfermeiros Fortalece as Economias.
Professora Adjunta da ESSATLA – Escola Superior de Saúde Atlântica