Uma nova geração de campanhas eleitorais poderia nascer nas próximas campanhas autárquicas e mudar a forma como fazemos democracia — sempre a mesma — desde meados do século passado.

Enquanto as campanhas eleitorais tradicionais enchem as ruas de cartazes que já ninguém lê — especialmente quando repetem frases vazias e sem significado — e multiplicam os outdoors que todos ignoram, uma nova abordagem pode emergir: Uma nova forma de fazer campanha eleitoral que não precisa de poluir o espaço público para comunicar, que não precisa de eventos fechados e em sala ou em palco (para as TV) para mobilizar, e que pode provar que é possível fazer política de proximidade sem gastar fortunas.

Este tipo de "Campanha Autárquica 3.0" representaria uma mudança de paradigma fundamental: em vez de falar para os cidadãos, falaria com eles. Em vez de ocupar o espaço público com propaganda, ocupá-lo-ia com ação e presença na rua. Em vez de eventos fechados em salas para "convencidos", para "VIP" cujo voto já está cativo, ou "arruadas" de onde as pessoas e eleitores fogem à aproximação. Em vez de "apresentações públicas" apenas para a bolha de apoiantes. Em vez de promessas vazias e tantas vezes incumpridas, este novo modelo de campanha eleitoral ofereceria ferramentas práticas e simples de escuta ativa e um conjunto de soluções concretas para os problemas das pessoas e das comunidades.

O que distingue esta nova abordagem da forma convencional de fazer campanhas eleitorais seria o reconhecimento de uma verdade simples: a verdade de que os cidadãos sabem melhor do que ninguém quais são os problemas das suas ruas, dos seus bairros, das suas vidas. Mais do que os "académicos", "peritos" e, sobretudo, do que os "técnicos de marketing político". Por isso acredito que a criação de "brigadas da escuta" capazes de percorrerem as ruas — lado a lado com os candidatos — seria mais eficiente para a construção de um programa eleitoral aberto, participado e participativo do que as soluções pré-fabricadas do costume: boas para o século XIX, medíocres no século XX e totalmente inadequadas para o XXI.

Esta metodologia inverteria a lógica tradicional da campanha. Em vez de candidatos que descem do Olimpo para iluminar as massas, teríamos equipas que percorreriam as ruas para construir propostas com base na realidade vivida pelos moradores. É democracia participativa em ação, não apenas no discurso e nas declarações vazias dos candidatos.

Numa altura em que a crise climática exige mudanças urgentes, uma campanha que usasse também nas suas ações de rua papel reciclado, que calculasse a pegada de carbono dos seus materiais e que a compensasse, que substituísse outdoors por intervenções temporárias e criativas, daria o exemplo do novo tipo de liderança de todos precisamos. A opção por materiais sustentáveis seria — a este respeito — não somente apenas uma questão ambiental; seria uma questão de coerência política. Como podem candidatos que poluem o espaço público durante a campanha defender cidades mais limpas depois das eleições?

A aposta numa campanha verdadeiramente local: com mini-sites por freguesia, compromissos específicos para cada bairro, equipas que falam as línguas das comunidades imigrantes – reconhece que Lisboa não é uma abstração, mas um conjunto de comunidades diversas com necessidades específicas. Esta abordagem hiperlocal não é apenas mais eficaz eleitoralmente: é, sobretudo, mais democrática. Quando cada freguesia tem a sua própria carta de compromissos, quando existem orçamentos participativos simulados, quando há assembleias de bairro regulares, os cidadãos deixam de ser espectadores passivos e tornam-se verdadeiros protagonistas da vida política.

Estas novas campanhas eleitorais não seriam apenas mais uma "campanha eleitoral" mas um laboratório prático de democracia participativa. Seriam testes a novas formas de fazer política que podem inspirar movimentos de base local e comunitária. Seria a prova de que é possível mobilizar cidadãos sem os manipular, que é possível comunicar sem poluir, que é possível vencer sem perder a alma.

Numa altura em que muitos cidadãos se sentem desligados da política, em que a desconfiança nas instituições cresce, em que as redes sociais fragmentam o debate público, precisamos urgentemente de novas formas de fazer democracia. Esta nova forma de campanha mostraria que fazer diferente é possível.

O desafio agora é saber se os partidos têm a coragem suficiente para abraçarem esta mudança mas também se os cidadãos estão dispostos a participar mais ativamente, se os políticos estão dispostos a escutar mais humildemente, se os media estão dispostos a valorizar substância sobre espetáculo.

A "Campanha Autárquica 3.0" não é apenas sobre ganhar eleições: é muito mais do que isso: é sobre construir uma democracia mais participativa, mais inclusiva, mais sustentável. É sobre provar que outro tipo de política é possível. E isso, independentemente dos resultados eleitorais, já é uma vitória para todos nós.

Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democracia Participativa