O corte de eletricidade que recentemente atingiu Portugal e Espanha serviu como um alerta claro sobre o desafio na gestão de sistemas elétricos, a sua complexidade e a preparação que temos para enfrentar estes desafios – e tudo o que depende de eletricidade. Se falarmos de duas grandezas muito relevantes no mundo elétrico, e que foram escutadas e lidas vezes sem conta, foi dito que os operadores de rede (e gestor do sistema) têm de controlar a frequência e a tensão da rede. Ambas as grandezas se querem estáveis. Como exemplo, quando falamos em monitorizar a frequência, num ano contamos mais de 1,57 mil milhões de ciclos (50 variações por segundo)! Um número que ao que é medido e controlado e se torna como o indicador de quão equilibrada é a procura e a oferta. Lembremos que este equilíbrio é feito a cada segundo e que, por isso, 5 segundos é um tempo enorme para um desequilíbrio.
Durante cerca de 12 horas, milhões de pessoas, empresas e serviços ficaram privados de eletricidade. Com esta eletricidade, o arrasto aos demais serviços que dela dependem: água, abastecimento de combustíveis, telecomunicações, terminais de multibanco, etc.. Embora as causas raiz ainda estejam por apurar, é evidente que este tipo de eventos exige uma resposta estruturada: a construção de mais redes elétricas, redefinição de planos de mitigação, mais capacidade de desligar consumos não críticos, armazenamento, redes preparadas para o futuro e consumidores interativos com essas necessidades. Nesse futuro, incontornavelmente, as energias renováveis terão o papel principal.
Muitos conheço que, no dia 28, mantiveram os seus acessos à internet e as suas luzes ligadas, graças a baterias e autoconsumo solar que funcionam com independência da rede neste tipo de situações. Apesar do apagão, 28 de abril foi um dia de imenso sol! E há que lembrar que muitos também tinham eletricidade armazenada nos seus carros e que tarda a digitalização do ecossistema, por forma a que essa eletricidade armazenada possa ajudar nestes momentos críticos.
Nos últimos anos, Portugal tem-se afirmado como um exemplo na transição para fontes de energia limpa. Só em 2024, a produção renovável alcançou os 36,7 TWh, representando cerca de 71% do consumo elétrico nacional. Apesar destes números encorajadores, a proporção de energia verde no mix energético não é, por si só, sinónimo de segurança de abastecimento. A infraestrutura que sustenta esta produção tem de acompanhar o ritmo da transformação energética. O relatório integrado de 2024 da REN mostra de forma simples os indicadores gerais de continuidade de serviço que estão estabelecidos no Regulamento da Qualidade de Serviço da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e pode dizer-se que os valores são globalmente positivos e em linha com o registado nos últimos anos, até com o incremento de renováveis.
Não há que ter dúvidas: a descentralização é uma vantagem significativa das fontes renováveis. Poder ter energia produzida localmente, seja através de painéis solares instalados em habitações, ou parques solares e eólicos de dimensão ajustada ou até pequenas centrais hidroelétricas. Esta distribuição geográfica favorece a estabilidade do sistema, já que reduz a dependência de grandes centros de produção e aumenta a capacidade de resposta a falhas. E a capacidade de “black start” está presente em muitos dos sistemas de baterias modernos.
Para que esta descentralização se traduza em verdadeira resiliência também é indispensável investir numa rede elétrica mais inteligente. Redes capazes de ajustar automaticamente a distribuição de energia, que consigam integrar fontes de produção variável como a eólica e a solar, e que disponham de sistemas eficazes de armazenamento. Ferramentas como baterias de grande capacidade e algoritmos avançados de previsão já estão disponíveis e prontos a ser implementados a uma escala mais ampla.
O armazenamento é particularmente decisivo. Com a redução progressiva dos custos das baterias de iões de lítio e o surgimento de novas tecnologias com menor impacto ambiental, torna-se possível armazenar eletricidade nas horas de maior produção (como os períodos solares de pico) e libertá-la quando a procura aumenta, evitando assim picos de tensão e colapsos no fornecimento.
Outro ponto crítico é a necessidade de reforçar as ligações transfronteiriças além península. Portugal e Espanha continuam relativamente isoladas da malha energética europeia. O apagão evidenciou que, apesar de alguma integração, Portugal apenas interliga com o seu vizinho, e Espanha tem três redes distintas às quais consegue ligar-se.
A formação e informação dos consumidores também é fundamental. Entender como agir e o que pode ser feito num apagão é fundamental. E informar torna-se mais difícil num momento em não existe eletricidade para ligar a TV… Os consumidores têm um papel fundamental a desempenhar. A digitalização do setor energético abre espaço a um novo modelo em que cada cidadão pode tornar-se produtor, armazenador e gestor da sua própria energia. Com contadores inteligentes, incentivos à produção local e tarifas ajustáveis em tempo real, é possível criar um ecossistema mais equilibrado e participativo.
O episódio do apagão deve ser visto como um alerta sério e marcar um ponto de viragem na forma como encaramos a segurança energética da região. A transição para fontes de energia renováveis já não é apenas uma questão ambiental - é uma necessidade estratégica. Portugal dispõe de recursos naturais abundantes, talento tecnológico e vontade coletiva para liderar esta transformação. O que falta agora é acelerar a implementação, uma vez que as energias renováveis são hoje o alicerce sobre o qual assenta o sistema energético do futuro.
Chief Technology Officer e Country Manager de Portugal