A fadista portuguesa, Mísia, faleceu este sábado aos 69 anos. A notícia foi avançada pelo escritor Richard Zimler e confirmada pelo Expresso através de fonte próxima da artista. A causa da morte ainda não foi divulgada.

"Estou desolado, pois a minha velha amiga, a cantora Mísia, acabou de nos deixar. Partiu em paz, docemente, sem dores. Gostei tanto dela. Aqui está ela a cantar usando o xaile que lhe fiz", publicou Richard Zimler na rede social Facebook. O amigo da cantora foi o responsável pela apresentação do seu livro autobiográfico, “Mísia. Animal Sentimental”, lançado em junho de 2022. À agência Lusa, o escritor confirmou que a artista faleceu numa unidade hospitalar em Lisboa e remeteu outros esclarecimentos para “mais tarde” através da agência “Mistérios do Fado”.

Com 30 anos de carreira assinalados há dois anos, Mísia (nome artístico de Susana Maria Alfonso de Aguiar) era um dos nomes mais conhecidos do fado a nível internacional. A cantora portuguesa pisou palcos prestigiados por todo o mundo — incluindo Japão ou Istambul — e o seu talento fez caminho até às páginas de órgãos de comunicação social internacionais como o “The Times”, o “Libération”, “Die Zeit”, “The Washington Post” ou o “The Independent”. Nas mais de três décadas dedicadas à música, Mísia foi conquistando prémios: em Portugal, recebeu a Medalha de Mérito e conquistou o Prémio Amália Rodrigues. Em Itália, ganhou o Prémio Carossone e o Prémio de Cinema Gilda. Em França, foi galardoada pela Academia Charles Cros com o Prémio In Honorem (carreira) e recebeu a Medaille de Vermeil. Foi também nomeada Chevalier e, posteriormente, Officier de l’Ordre des Arts et des Lettres da República Francesa, de acordo com a sua autobiografia.

Nascida no Porto, a 1955, a fadista passou o início da vida adulta entre Barcelona e Madrid e regressou a Portugal aos 36 anos. Com pai português e mãe catalã, Mísia incorporou a cultura catalã no fado português criando uma nova musicalidade e chegou a cantar em português, catalão, espanhol e francês.

O disco de estreia, “Mísia", chegou em 1991 com canções escritas por nomes como José Niza, José Carlos Ary dos Santos ou Carlos Paião. Dois anos depois, é editado “Fado” e, em 1995, chega “Tanto Menos, Tanto Mais” com músicas que nascem de poemas de António Lobo Antunes ou Fernando Pessoa. O gosto pela interpretação de poemas (alguns escritos especificamente para a sua voz) mantém-se e repete-se em discos como “Garras dos Sentidos” (1998), “Ritual” (2001) ou “Drama Box” (2005).

Em 2015, Mísia deu uma nova roupagem a algum do mais conhecido repertório de Amália Rodrigues no álbum duplo “Para Amália”. Nos anos seguintes, são editados ainda a coletânea “Do Primeiro Fado ao Último Tango” (2016) e “Pura Vida” (2019).

O último disco, “Animal Sentimental”, chegou aos ouvidos do público em 2022 a par do livro autobiográfico. Produzido pela própria cantora e pelo produtor Wolf-Dieter Karwatky, “Animal Sentimental” junta tanto clássicos da artista como algumas novidades como ‘Fico a Cismar’, um original de Rodrigo Leão. “Os sentimentos, essa inefável matéria que inspira poetas e artistas de tantas outras áreas, são tesouros que não pesam senão na alma. Mísia sabe bem disso. Esta artista mulher, fadista sonhadora, cantora, atriz, contadora de histórias suas e alheias, é a primeira a admitir que é um animal sentimental”, lê-se na descrição do último álbum editado em vida pela artista. “Sou mesmo um animal sentimental. Isso salvou-me sempre. Fez-me sentir que estava viva. Mesmo na dor existi com muita força”, disse Mísia sobre o mesmo trabalho no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, do Expresso.

A nível pessoal, Mísia enfrentou um cancro que reapareceu duas vezes em diferentes fases da sua vida. Além disso, teve outros capítulos duros da sua vida, que partilhou também em conversa com o Expresso, como a violência doméstica que sofreu durante o casamento ou as tentativas de colocar fim à sua vida.