Em causa está um diferendo entre o gerente da Ginjinha Sem Rival, Nuno Gonçalves, e o atual proprietário do edifício, Axel Gassnann, um empresário alemão que instalou no mesmo prédio um hotel e que denunciou o contrato de arrendamento da loja centenária, situada na Rua das Portas de Santo Antão, a poucos metros da Praça do Rossio. A mediar o conflito está a Câmara Municipal de Lisboa, através do vereador responsável pelo programa "Lojas com História", Diogo Moura, que admitiu à agência Lusa que o desfecho mais previsível é este diferendo acabar a ser esgrimido nos tribunais.

Alheios a este problema, centenas de turistas continuam a entrar diariamente na Ginjinha Sem Rival para provar o tradicional licor de ginja, deixando Abílio Coelho, há mais de 50 anos atrás do balcão deste estabelecimento, sem mãos a medir.

Com um rosto mais fechado, o gerente do espaço centenário, Nuno Coelho, bisneto do fundador, lamentou a intransigência do atual senhorio em anuir a permanência deste negócio com a mesma gerência. "A posição do senhorio é totalmente irreversível. Há mais de um mês que não mostra qualquer vontade, nem de dialogar connosco, nem com a Câmara Municipal de Lisboa, porque acha que tem o direito de ficar com a loja. Nós não concordamos e, portanto, serão os tribunais a decidir", afirmou.

Nuno Gonçalves referiu ainda ter recebido uma proposta "irrisória" de Axel Gassman para a aquisição da Ginjinha: "A minha família até a considerou, além de inaceitável, ofensiva, porque o senhor ofereceu 250 mil euros por este negócio de 135 anos", frisou.

Ainda que a ordem para encerrar a loja apontasse como data o dia 30 de junho, o gerente da Ginjinha Sem Rival mantém as portas abertas até que um tribunal determine que as feche.

"Vamos manter o nosso ritmo de trabalho normal e, muito provavelmente, o senhor irá pôr uma ação de despejo, à qual nós iremos contestar em tribunal porque achamos que estamos protegidos como Loja com História até ao final do ano de 2027", argumentou.

Protegida pelo programa Lojas com História

Ginja sem Rival
Ginja sem Rival Expresso


A Ginjinha Sem Rival, criada em 1890, é uma das 162 lojas distinguidas pela Câmara e Lisboa no âmbito do programa Lojas com História, criado com o objetivo de proteger estabelecimentos emblemáticos da cidade. A legislação em vigor garante proteção dos contratos até ao final de 2027, sendo esse o entendimento tanto da gerência da Ginjinha Sem Rival, como da Câmara de Lisboa, segundo disse à Lusa o vereador com o pelouro das Lojas Com Historia, Diogo Moura.

"A Câmara está a acompanhar este processo e tem um entendimento sobre aquilo que é o reconhecimento destas lojas e esta distinção que é aplicada nos seus estabelecimentos. A lei define que há uma proteção legal destes contratos até dezembro de 2027 e esse é também o entendimento do inquilino", observou. Reconhecendo os limites da sua intervenção numa disputa entre privados, o autarca assegurou estar a fazer tudo o que a lei permite para evitar o fecho da Ginjinha Sem Rival e disponibilizou-se para ter uma intervenção jurídica, caso o diferendo avance para os tribunais.

Paralelamente, Diogo Moura referiu que a Câmara de Lisboa está a ultimar uma proposta de revisão do regulamento das Lojas com História, para permitir o alargamento do número deste tipo de estabelecimentos e explicou que esse trabalho está a ser realizado com a colaboração de 14 municípios.

O vereador defendeu também uma alteração da lei por parte do Governo que permita "clarificar os direitos dos novos contratos de arrendamento e reforçar a proteção de negócios que, para além do valor histórico, demonstre viabilidade económica e relevância cultural".

Ação de solidariedade a 5 de julho

Ginja sem Rival
Ginja sem Rival Expresso

Por sua vez, numa resposta enviada à agência Lusa, fonte oficial da Europe Hotels International (EHI), detentora do prédio da Ginjinha Sem Rival, disse esperar que o espaço esteja desocupado na segunda-feira, mas manifestou a sua disponibilidade para um entendimento.

"A EHI afirma continuar aberta a um entendimento, reiterando que existe uma proposta financeira, "muito vantajosa", apresentada aos responsáveis pela Ginjinha Sem Rival, que permitiria a mudança da loja para outro local, mantendo a produção e alargando até a distribuição da bebida no próprio hotel. A empresa considera que a solução está nas mãos dos arrendatários, apelando ao "bom senso" para evitar que o caso avance para tribunal.

A mesma fonte assegurou ainda que o objetivo passa por manter a loja com a sua traça original e a venda de ginjinha ao público, como atualmente, mas com a realização de obras de reabilitação, tanto no interior como no exterior. "Sobretudo, pretendemos renovar o espaço e melhorar a sua imagem mantendo totalmente a tradição. Temos uma visão no sentido de manter as tradições de Lisboa e da sua cultura. Não queremos adulterar as tradições de Lisboa, por isso, a decisão de manter a loja, o seu conceito e a inserção de uma imagem de qualidade da loja na baixa pombalina", sublinha a EHI.

Para o atual proprietário do prédio da Ginjinha Sem Rival, o contrato do estabelecimento já não está abrangido pelas regras das Lojas com História, uma vez que a gerência celebrou em 2014 um novo acordo com a empresa russa que detinha anteriormente o edifício.

Este diferendo está a mobilizar cidadãos e associações da capital, como o Fórum Cidadania LX, uma das entidades que fomentou a criação do programa Lojas com História e que agora lamenta o possível encerramento de mais um estabelecimento comercial centenário.

"Realmente é uma tristeza que estejamos aqui agora, numa loja que foi classificada no Lojas com História, com os mesmos problemas que tínhamos há 15 anos, quando a loja também esteve ameaçada, mas ainda não havia Lojas com História", refere Paulo Ferrero, do Fórum Cidadania Lx.

Paulo Ferrero lembrou que a criação do Lojas Com Historia se deveu, em parte, a uma mobilização popular para proteger a Ginjinha Sem Rival. Para o ativista, o risco de encerramento de esta e de outras lojas centenárias de Lisboa deve-se à ausência de uma política de urbanismo comercial estruturada e criticou o facto de as decisões camarárias nem sempre protegerem o património da capital.

Apesar do fim do prazo do contrato, a Ginjinha Sem Rival promete continuar de portas abertas, servindo o tradicional licor a lisboetas e turistas.

Entretanto, no dia 5 de julho, pelas 20h00, está prevista uma ação de solidariedade junto à entrada do estabelecimento, aberta a toda a comunidade.