Esta semana no Coffee Break, Teresa Ferreira, Diretora de Espaço da GMV, ofereceu-nos mais do que uma perspetiva técnica — lançou um diagnóstico claro sobre o papel (e o potencial desperdiçado) de Portugal no ecossistema espacial europeu.

O espaço, como frisou Teresa Ferreira, deixou de ser uma arena exclusivamente científica. Com a guerra na Ucrânia, o aumento das tensões globais e a digitalização da defesa, tornou-se um pilar de soberania e segurança. “Tecnologia de duplo uso” é o novo mantra — e o espaço encaixa-se perfeitamente nessa lógica.

A GMV está no centro desta nova realidade. Desde o sistema europeu de navegação Galileu, que substitui o GPS com maior precisão e independência, até à monitorização de fronteiras na Polónia ou o apoio a estratégias de recuperação de incêndios em Portugal. Esta não é uma empresa a brincar aos satélites. É um player real, com impacto operacional e estratégico.

Se há algo que Teresa Ferreira repetiu com todas as letras, foi que: “sem investimento público sério, Portugal ficará para trás.” Temos talento — as universidades formam engenheiros de topo que depois vão brilhar lá fora. Temos estratégia — uma agência espacial, uma lei própria, uma política nacional. O que falta? “Investimento. Como fazem os nossos vizinhos espanhóis ou fizeram os alemães que juntaram ao Ministério da Inovação o Espaço”

A GMV já contribui com tecnologia crítica para a segunda geração wdo Galileu. Desde Portugal, desenvolve simuladores de radiofrequência que testam satélites que ainda nem voam. Isto é infraestrutura de soberania europeia, feita cá. E, no entanto, o ecossistema continua a ser periférico, sobrevivendo em ciclos curtos e sem estabilidade de financiamento.

A reunião ministerial: oportunidade ou rotina?

A reunião da ESA em novembro será, nas palavras de Teresas Ferreira, um “ponto de charneira”. Ali decidir-se-ão os envelopes financeiros até 2030 — e quem tiver mão firme agora, colherá contratos e relevância mais tarde. Portugal tem de aparecer com uma mensagem clara e compromisso orçamental à altura. Qualquer hesitação será lida como falta de ambição.

Se não houver uma aposta firme, os contratos vão para onde já há massa crítica. Como sempre. E a retórica sobre o “talento português” continuará a ser apenas isso: retórica.

A GMV tem cerca de 300 vagas abertas na Europa, colabora com universidades nacionais e internacionais, e promove cursos estratégicos como o de Engenharia de Comunicações e Informação na FCT Nova. Trabalha em sistemas autónomos para navegação de sondas, gestão de tráfego espacial, mitigação de detritos orbitais. Ou seja: tudo o que define o novo espaço.

Projetos como a missão ERA, da ESA e da NASA, são exemplos concretos. Não é ficção científica: é a engenharia portuguesa a guiar sondas para asteroides a milhões de quilómetros. Missões como estas posicionam a empresa (e o país) como fornecedor de soluções em setores onde a política, a ciência e a segurança se cruzam.

Portugal já tem o palco, os atores e o guião. Falta a decisão política de avançar com o espetáculo. O setor espacial não é mais uma extravagância tecnológica: é infraestrutura crítica, emprego qualificado, soberania digital, cadeia de valor. Não faltam planos — falta a coragem de os executar.

Se novembro chegar e Portugal continuar a assinar por baixo, sem puxar por si, a resposta à pergunta “Portugal quer mesmo ser uma nação espacial?” será clara. E será negativa.