
Na Praça do Martim Moniz, em pleno coração de Lisboa, assiste-se a uma inversão de valores tão simbólica quanto preocupante. Um documento recentemente emitido pela Presidência da Câmara Municipal de Lisboa denuncia esta realidade de forma quase involuntária. Nele, a autarquia considera que a exibição pública da cruz cristã associada ao consumo de carne de porco — num evento ocorrido naquele espaço — configura, e cito, “uma demonstração de ódio ou rejeição de uma comunidade em função das suas crenças e práticas religiosas”.
Importa perguntar: desde quando a manifestação livre de uma identidade maioritária e constitucionalmente protegida se tornou ofensiva por princípio? E mais: desde quando é aceitável que o poder político local advirta contra símbolos cristãos no espaço público, quando o mesmo espaço se encontra amplamente ocupado por expressões religiosas não-cristãs, muitas vezes sem qualquer enquadramento legal ou institucional?
A Constituição é clara — mas está a ser ignorada
A Constituição da República Portuguesa é inequívoca no que toca à liberdade religiosa e à igualdade entre cidadãos. Não confere privilégios culturais a minorias nem permite que símbolos maioritários sejam silenciados por “incomodarem” outros grupos. O que o parecer da Câmara faz, ainda que com linguagem tecnocrática, é colocar a cultura dominante sob vigilância, enquanto legitima a apropriação do espaço público por práticas culturais externas.
Este tipo de posicionamento político, disfarçado de prudência institucional, representa uma violação grave da laicidade do Estado e uma cedência perigosa ao medo identitário.
Martim Moniz: um território culturalmente capturado?
A praça do Martim Moniz foi nomeada em homenagem ao cavaleiro cristão que ali morreu a defender Lisboa. Ironia das ironias, o local transformou-se hoje numa espécie de enclave informal, dominado por práticas e referências que pouco ou nada dialogam com a matriz histórica da cidade. O espaço é frequentemente usado para celebrações religiosas hindus, mercados étnicos sem fiscalização coerente e formas de ocupação pública que não garantem o direito à cidade para todos — nomeadamente para os lisboetas não alinhados com esse novo eixo cultural dominante.
Não se trata de xenofobia, mas de exigir reciprocidade no respeito: Lisboa não pode ser uma cidade onde o cristianismo é olhado com desconfiança, enquanto se toleram ou promovem, por via da omissão, expressões exclusivistas de outras religiões.
A responsabilidade política do presidente da Câmara
É neste contexto que a atuação do Presidente da Câmara se revela profundamente preocupante. O papel de um autarca é o de garantir coexistência equilibrada, igualdade de tratamento e defesa da identidade cultural da cidade que representa. Lisboa é, e deve continuar a ser, uma cidade multicultural — mas não à custa de silenciar a maioria.
Há uma diferença clara entre inclusão e submissão. A primeira enriquece, a segunda corrói.
Quando a Câmara Municipal assume como ofensiva a simples exibição de símbolos cristãos, sob o argumento de que esses símbolos “podem ser mal interpretados”, o que está a fazer é abrir a porta à censura preventiva, à autocensura institucional e à descaracterização simbólica do espaço público.
Lisboa não pode ser governada com base no receio de ferir sensibilidades de quem chega, esquecendo os direitos e as raízes de quem cá está. A liberdade religiosa, a liberdade de expressão e a neutralidade do espaço público são princípios estruturantes da nossa democracia. Não podem ser reescritos por pareceres técnicos com carga ideológica.
É tempo de o Presidente da Câmara de Lisboa esclarecer de que lado da Constituição se encontra.
