Entrevista a Rita Matias, candidata do Chega. Desde 2022 que ocupa o cargo de Deputada na Assembleia da República e este ano volta a candidatar-se por Setúbal. Diz que o maior contributo do Chega para o Distrito foram a recomendações ao governo sobre saúde e educação.

Nasceu e cresceu no Distrito de Setúbal. Que memórias guarda da sua infância e juventude no concelho do Seixal?

Cresci no Seixal, na Arrentela, mais especificamente na zona das Cavaquinhas, perto da Escola José Afonso e vivi cá até ter sido eleita a primeira vez na Assembleia da República. Como da primeira vez fui eleita por Lisboa, acabei por ficar onde vivo agora, na Alta de Lisboa.

Como foi crescer no Seixal?

Tendo estado muito envolvida na paróquia do Seixal com os meus avós e com os meus pais, desde muito nova, tive uma experiência de voluntariado que nas grandes cidades não é muito frequente, mas ao mesmo tempo foi também constatar o que é estar literalmente à margem de Lisboa.

Pode falar um pouco do seu percurso profissional antes de ser eleita deputada?

Eu estudei na Escola Secundária José Afonso e na altura quando saí ainda pensei em ir estudar psicologia, mas acabou por não acontecer, nem cheguei a candidatar-me. Mas fui estudar ciência política e como muitos jovens, tive de ir estudar e trabalhar, o meu primeiro trabalho foi o típico call-center e depois na faculdade onde estudo comecei a trabalhar no centro de investigação na contabilidade do mesmo.

E qual foi o seu primeiro contacto com a política antes do CDS e do CHEGA?

Os meus primeiros contactos com a política foram no Seixal, ao nível autárquico, ainda sem idade para votar. Mas a primeira vez que assumi responsabilidades políticas foi só mesmo no CDS em Lisboa. A minha ruptura com o CDS deu-se no choque de realidades e de percursos, que me fez perceber que não era naquele partido que encontrava a resposta que eu procurava, acho que a direita deixou-se elitizar e não se percebe bem o que é esta elite. Neste sentido acabei por aderir ao CHEGA pelas bandeiras conservadoras com que cresci e ao ouvir André Ventura percebi que havia um partido para alguém como eu.

Mas é deputada eleita por Setúbal, já foi por Lisboa e agora é candidata ao município de Sintra. Em que medida acha que o CHEGA vai fazer e ser diferente desses partidos e dessa elite política?

Rapidamente nos podemos deixar contagiar, por isso, todas as manhãs acordo e tento realinhar-me com aquilo que me trouxe até à política. Esperava uma candidatura autárquica na região, mas sabemos que Sintra é um dos concelhos mais mediáticos do país e muito idêntico aos concelhos de Setúbal.

Qual é a sua motivação para se candidatar à CM de Sintra?

O que o partido me pediu era que, nestas autárquicas, os jovens tivessem um destaque muito grande e pediram-me que eu fosse um dos espelhos dessa presença de jovens, mesmo não sendo o meu desejo inicial, há muitas coisas que se pode mimetizar da experiência de Setúbal, sem excessivos paralelismos. Por norma os partidos apostam em nomes fortes e quando me fazem o convite percebi a responsabilidade que tinha dentro do partido e de ter crescido tão rápido no espaço mediático do partido e que era da minha responsabilidade corresponder àquilo que o partido me pedia.

O Distrito de Setúbal tem a maior taxa de desemprego do país. Tem-se registado um aumento significativo dos empregos sem contratos de trabalho e uma maior frequência de estágios temporários, que são muitas vezes falsos recibos verdes.

A menção a contratos de trabalho encontra-se apenas uma vez no vosso programa eleitoral num capítulo sobre isenções fiscais a grandes empresas. Qual é a perspetiva do Chega sobre a situação dos trabalhadores aqui do Distrito de Setúbal?

O Chega ao imprimir-se como mais liberal na economia, cada vez que propõe medidas de flexibilização da carga fiscal ou incentivos, quando fazemos isto é uma forma de mostrar a nossa preocupação com a precariedade. Outras questões que queremos fazer, que até podem parecer super laterais mas sabemos que vai dinamizar ainda mais a economia é o incremento de uma ferrovia.

Hoje estamos neste dia atípico, de um apagão, e eu estava literalmente na ponte quando aconteceu e a primeira coisa que aconteceu foi a ponte ficar entupida, por isso a importância de uma terceira via. Outra medida que temos é acabarmos com as portagens, de forma progressiva, pensando nos moradores e nas empresas que estão sediadas em Setúbal.

Mas tem propostas com alterações específicas à legislação laboral que apoiem ou beneficiem diretamente os trabalhadores portugueses?

No nosso ponto sobre o trabalho, uma das questões que temos é a de promover uma cultura de trabalho e combater uma cultura de ociosidade que infelizmente, pelo assistencialismo, com o qual nós concordamos naturalmente, mas que muitas vezes perpetua a pobreza, não é possível. Sem querermos terminar o assistencialismo, queremos transformá-lo para ser um impulso e não um convite à ociosidade. Também queremos ligar o mercado do trabalho com a dimensão da natalidade, temos uma proposta para que, por cada filho que uma mulher tenha, que ganhe dois anos de antecipação da sua reforma, como incentivo e como apoio.

Mas tendo trabalhado num call center, como disse, não lhe preocupa a flexibilidade no despedimento, a falta de empregos com contratos de trabalho, os salários?

Daí as várias propostas de isenções fiscais que fazemos às empresas são sempre no sentido de, quanto mais as empresas forem boas para o trabalhador, ou seja, a flexibilidade do horário e incentivo ao teletrabalho, tudo o que forem passos dados neste sentido é positivo, nós queremos que as empresas sintam um alívio do peso do Estado.

Tendo a sua lista conquistado quatro deputados por Setúbal nestas últimas eleições, consegue falar das principais iniciativas que levaram à discussão no parlamento, direcionadas especificamente aos problemas do Distrito de Setúbal?

Recordo-me de nos termos batido na questão da saúde, pelo Hospital Garcia da Horta, em que várias vezes interpelamos a ministra neste sentido, dando conta de que a situação é incomportável. Ao nível do ensino, ajudamos a passar no Orçamento de Estado o reforço da verba para a requalificação da Escola Básica de Azeitão. Naturalmente um ano é insuficiente para tanto que queríamos propor.

Que mudanças positivas consegue elencar para a vida dos habitantes do Distrito de Setúbal com a eleição destes quatro deputados do Chega?

O Distrito ficou pelo menos mais diverso, é impressionante perceber como uma força de direita consegue ter uma base de apoio tão expressiva. Há uns anos parecia que só havia uma representação de figuras de peso na esquerda. Mesmo o PSD, tendo uma candidata que foi Vice-Presidente da Assembleia da República, não consegue ter uma visibilidade como eu consegui ter.

Por isso acho que o Chega conseguiu trazer mais representatividade e sobretudo conseguiu fazer uma coisa que me parece positiva, termos uma presença muito grande nas redes sociais e comunicamos muito para os eleitores. Recordo-me que, há uns anos, éramos satirizados como o partido TikTok ou os deputados do TikTok, mas a verdade é que hoje poucas são as figuras que não têm uma rede social, isto é um acréscimo de qualidade à democracia de que estamos a representar alguém.

Ainda ontem estava na feira de Corroios e estava a acompanhar os autarcas do Chega e cruzamo-nos com os autarcas do Partido Socialista e vi que estavam a criar um conteúdo digital, se fosse preciso diziam há dois anos que não o faziam, mas agora acordaram para esta necessidade. E acredito eu, sem querer ser demasiado arrogante, que foi muito do contributo que o Chega trouxe de dar visibilidade a temas locais nas suas redes

Acha que isso pode ter repercussões no futuro?

Tudo na vida tem um lado bom e um lado mau, apesar desta presença nas redes sociais, os cidadãos estão afastados do que é chamado o quarto poder, a mídia convencional, também porque os media tradicionais têm o poder de colocar quem quiserem. Se reparar não há um único comentador da área política do Chega na televisão.

Não é também comentadora num canal?

Num projeto que dá voz a todos por igual sim. Logicamente que tem os seus lados maus, a necessidade de comunicar rápido e a necessidade de que o utilizador fique preso ao nosso conteúdo político em cerca 20 segundos. Se por um lado é importante ter mais pessoas informadas, por outro lado também conduz a uma informação mais superficial. Acho que nós podemos aproveitar a visibilidade que ganhamos nas redes para caminhar para um caminho melhor.

Sobre saúde, o governo cessante anunciou que vai avançar com a transferência de competências em vários Centros de Saúde do Distrito de Setúbal e no Hospital Garcia da Horta e passar a uma gestão em regime de parceria público-privada. Qual é a posição do Chega sobre esta questão e que propostas têm para a área da saúde no Distrito de Setúbal?

O Chega é tendencialmente favorável a uma gestão entre público, privado e social, costumamos estar ao lado da tentativa de casar estas respostas. Ainda não temos posição em relação a estas parcerias em específico e teremos de analisar e perceber realmente, mas por princípio, achamos que o privado e o social devem entrar quando o público não consegue dar resposta. As PPPs podem ser positivas, mas não será a solução final, defendemos também os centros de saúde de modelo 3 em que os próprios médicos e enfermeiros são reconhecidos pelo trabalho que conseguem prestar.

Relativamente à habitação, vive-se no Distrito de Setúbal um cenário em que os valores médios das rendas estão cada vez mais próximos dos preços praticados em Lisboa. O Chega não se costuma posicionar sobre especulação ou sobre o valor elevado das rendas e procura falar mais sobre as ocupações ilegais. Quais são as propostas do Chega para enfrentar esta situação de crise?

Ao nível do alojamento local, não consideramos que seja o único problema, vendo que há zonas onde tem mais impacto. Sabemos que todos os preços tenderão a baixar quanto mais casas estiverem disponíveis e para isso temos uma proposta para os jovens que pedem acesso à garantia pública bancária, possam ter apoio à requalificação de casas em centros históricos ou utilizar novos modelos de construção, como a construção modular. Propomos também um conjunto de medidas para pessoas em condição de sem-abrigo de passar a ter acesso a uma primeira habitação, consideramos que pode ser um mecanismo de empreendedorismo para os próprios.

Relativamente à imigração, é sabido que a imigração legal, ilegal e tráfico de seres humanos tem consequências na economia e no tecido social do país. É também o tópico da política nacional com mais desinformação a circular online.

O Chega votou contra a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2021 e da sua integração nas forças de segurança. Em 2023 foram transferidas parte das competências do antigo SEF ao serviço administrativo da AIMA. Como olham para a situação atual da imigração em Portugal depois desta transferência de competências?

Este é um debate dificil porque não nos deixam ter acesso a dados, o que permite o alimentar de certos medos e receios que são naturais, é normal que haja uma percepção de insegurança. Claro que não podemos fazer generalizações e dizer que o todo deve ser julgado pela parte, mas não podemos ocultar que há uma parte que mancha o todo e basta perceber que em certas zonas, como a Costa da Caparica, já atuam redes como o Primeiro Comando da Capital, narcotráfico brasileiro.

Ao longo dos últimos cinco anos cada pessoa que se apresentava como a favor da regulação da imigração, automaticamente era considerado xenófobo e racista e portanto o debate ficou cada vez mais pobre. De facto, temos uma série de propostas e temos pena de não as debater mais vezes.

Que propostas gostaria de destacar do seu programa?

Ao final de 5 anos uma pessoa pode solicitar a nacionalidade e com isto vem o direito ao voto. Pode parecer absurdo, mas se pensarmos numa obra que se chama “Submissão”, que faz uma caricatura do que seria uma França em que os imigrantes se organizavam num país Islamico e chegava ao poder. Não é assim tão dificil de fazer ligações.

Por exemplo, o Chega nas últimas eleições conseguiu 1.2 Milhões de votos e neste momento temos mais imigrantes do que isto, o que quer dizer que por absurdo, se todos se todos se organizassem numa força política teriam muito peso eleitoral.

Não tem medo que isso aconteça com o Chega e com as ligações públicas a cultos evangélicos do Brasil?

Em 50 deputados a presença de evangélicos é residual. Para começar, Portugal sempre foi um país de tradição católica, mas com várias franjas cristãs. Sinceramente não conheço dentro do Chega nenhuma ligação a essas IURDS ou Reino de Deus, mas acredito que tenhamos a capacidade de as atrair. Conseguimos aproximar alas mais conservadoras como a Opus Dei.

Falava da lei da nacionalidade. Que outras propostas têm especificamente para a imigração?

O mercado laboral deve fazer um levantamento de necessidade e através das quotas adequar a chegada das pessoas e desde logo os requisitos de admissão das pessoas em Portugal, que tenham trabalho e que apresentem registo criminal. Parece-nos que investindo nisto e com a retoma do SEF, não bastava, mas seria um passo importante.

A Itália só baixou significativamente a entrada de imigrantes através de acordos com países africanos. Esses acordos consistem em que a Itália e a UE invistam dinheiro público para melhorar as condições de vida e de segurança dos tunisinos e dos egípcios. Não é uma solução parecida às reparações históricas propostas por Marcelo Rebelo de Sousa?.

Não queremos alinhar nessas reparações históricas, queremos sobretudo garantir que as pessoas podem regressar aos seus países em condições. Nós concordamos que se deve investir dinheiro para apoiar a criação de postos de trabalho nos países de origem, para que as pessoas possam encontrar uma resposta laboral e com um salário superior, naturalmente que isto teria de ser negociado com a União Europeia e teria de passar por toda uma série de questões.

O Chega tem um plano chamado bom regresso que é semelhante. Considera que Portugal tem capacidade financeira para celebrar acordos milionários com países que são muito mais ricos, como o Brasil ou o Paquistão, não existem outras prioridades?

Nós temos o plano bom regresso, uma medida que passa por apoiar a aquisição da sua viagem e em certa medida promover também os acordos bilaterais com outros países. Mas propomos, por exemplo, a reversão da extinção do SEF, assim como toda uma série de questões que não se esgotam nos acordos bilaterais. Estes acordos são um compromisso que temos com o humanismo, somos um partido personalista, por isso queremos demarcar-nos de movimentos que vão surgindo que olham para pessoas de primeira e para pessoas de segunda.