
Foto: António Ribeiro Telles nas cortesias (João Silva/PróToiro)
Pedro Balé faz a crónica da corrida de Salvaterra de Magos, que comemorou os 40 anos de alternativa de António Ribeiro Telles com casa quase cheia.
Passados vão já quarenta anos que numa noite de quinta-feira 21 de junho de 1983 com o Campo Pequeno repleto e em festa, este vosso Avô, num dia único num dia especial, em festa de família, com o Bisavô David e o Tio João fizemos juntos as cortesias.
Depois ali estivemos de novo os três, no centro da arena, o Bisavô David a entregar-me o ferro comprido testemunhado pelo Tio João, que já o havia recebido também das mesmas mãos dois anos antes em Santarém. Palavras curtas e os beijos e abraços que troquei com o Bisavô e com o Tio. A Praça entregue, também ela comovida fazendo seu o momento no aplauso unânime e caloroso com que nos brindou. Fui brindar à minha Mãe e vossa Bisavó Belhota – só podia ser, foi ela quem nos trouxe, quem nos criou, amou, por nós rezou e nos levou até aqui… –, “que estava lá numa fila alta da bancada, metida entre a multidão que enchia a praça, que ajudara a fazer o dia assim grande”* e fiquei só (nós, toureiros, mesmo com uma praça repleta de gente, sentimo-nos muitas vezes sós, achando-nos como se unicamente ali estivéssemos, num arenal deserto, o toiro e nós, mais ninguém).
Saiu o “Limão”, toiro castanho lá da casa que eu escolhi por ser o mais bonito e imponente do lote desse dia, e que não me facilitou a vida. Tive que tragar para o lidar e conquistar o público. Sobressaí nos curtos e dei volta e fui aos médios em aplauso redondo, com os saudosos Ludovino Bacatum e António Sacramento e o forcado do Grupo de Santarém (que pegara à quarta e não queria dar volta, mas que o obriguei a vir, que a festa era de todos e com todos!…). Mas o triunfo maior foi nesse dia para o Bisavô David, ninguém esquece aquele “último comprido, chamando de largo, deixando vir, partindo para o encontro no momento justo para reunir e cravar no sítio, e sair limpo do ferro clássico e soberbo”*. Também ele festejava nesse dia quarenta anos de toureio. Também o mano João triunfou e meteu a praça no bolso com “aquela maneira que ele tinha de enfeitar os cites e os remates, quando lhe chegava a inspiração punha no lidar um toque de graça que era diferente dos outros cavaleiros”*. O filho João é também assim…

Hoje, sexta-feira 21 de julho, com três quartos de casa, toureei na Praça de Toiros de Salvaterra de Magos, precisamente na corrida comemorativa do quadragésimo aniversário da minha alternativa. Com três quartos de casa e toiros nossos, Vale do Sorraia, muito exigentes, que eu sou e sempre fui assim, nunca facilitei e expus-me sempre aos desafios, sem demasiada escolha nos oponentes. Preparei-me para tourear todos os toiros, de todos os encastes e lidando-os com o mesmo rigor e entrega da minha parte.
O meu primeiro, manso, que exigiu de mim muito para o lidar; de destaque, no “Lorde”, o meu segundo curto, em terrenos comprometidos e em que rematei por dentro e ligado e o último, por dentro e junto aos curros, obrigando a uma investida, que não existia. O meu segundo, também manso, mas mais manejável e onde pude ornar mais o meu toureio, principalmente com o “Alcochete”, com destaque para os segundo e terceiro compridos, dando a iniciativa ao toiro e indo ao pitón contrário, pude ferrar ao estribo, que chegaram ao público que aplaudiu em uníssono.
Ao meu companheiro de lide Luís Rouxinol, que com sentimento me brindou a sua primeira lide, coube-lhe um primeiro toiro manso e difícil, que lidou com maestria mas sem êxito, que o oponente lho não permitia. Houve um primeiro comprido conseguido nos médios e um primeiro curto também de boa nota, ao estribo e em terrenos de muito compromisso. Com pundonor, recusou a volta concedida. No seu segundo, manso mas manejável, esteve em bom plano, principalmente nos curtos, em que imperou mais o valor que a harmonia, e que o público aplaudiu, ficando na retina o remate da faena, com um par e um palmo com muita expressão em terrenos de compromisso.

Ao Miguel Moura, filho do João António, com quem ombreei uma vida, e também me brindou a sua lide inicial, coube-lhe um primeiro também manso e insosso, de que não pôde retirar grande coisa, quase nada… Ficou um primeiro comprido consentido e um primeiro curto, em que teve de resolver com classe o adiantar-se do toiro, cravando ao estribo. No seu sexto, no único toiro bravo da corrida, bordou o toureio, começando desde logo com uma brega fina e cingida na preparação do primeiro comprido, ferrado ao estribo e com muita emoção. Com o castanho de ferro “Rouxinol”, os curtos foram de expressão máxima, o segundo com uma preparação exímia a ladear e cravado com um valor e uma subtileza de destaque. A música soou necessária. O terceiro curto é bom, o quarto sublime, ladeando e entrando por dentro em tábuas, em terrenos muito apertados e ferrando com elegância ao estribo. Rematou da mesma forma e com a mesma brega com dois palmos com o público em apoteose. Uma atuação muito importante e que, cremos, pode marcar uma viragem na sua trajetória. O Miguel é um cavaleiro com classe, valor e arte sublimes, que ainda não despontou em toda a sua expressão e que pode vir a ser um caso sério!
Pegaram os Grupos de Forcados Amadores de Santarém e do Ribatejo, com atuações conseguidas de ambos, a ajudar com prontidão e eficácia, e com destaque para as duas primeiras pegas, ambas ao primeiro intento, a dos escalabitanos, tecnicamente muito perfeita nos tempos de chamada, recuo e reunião, levada a efeito pelo João Faro, própria de uma veterania que não tem, pondo temple onde havia violência, e a dos do Ribatejo, protagonizada por André Laranjinha, controlando uma investida difícil do toiro, a ensarilhar, fechando-se num ápice e, com valor sério, aguentando três derrotes duros. Pegaram ainda, pelo Grupo de Santarém, Vasco Salazar, que se estreava, à primeira tentativa, numa pega em que recuou pouco e não obstante algum desequilíbrio na reunião, recuperou bem na viagem, fechando-se com segurança, e Pedro Valério, à segunda, não consentindo o toiro e, por isso, não reunindo, à primeira, e resolvendo eficazmente à segunda. Por seu turno, o quinto toiro foi pegado por Ricardo Regaleira, com o toiro a tomar a iniciativa, carregando pouco e recuando cedo e com uma reunião alta mas conseguindo fechar-se eficazmente e sem derrotes na viagem. O último toiro não foi pegado por anteriormente se ter lesionado na sua colocação.


No intervalo da corrida, descerraram uma lápide comemorativa com muito público e amigos que me acompanharam a aplaudir. Agradeci comovido.
Síntese da Corrida
Praça de Toiros de Salvaterra de Magos: 21 de julho de 2023 – Corrida de Comemoração de 40 anos de Alternativa de António Ribeiro Telles. Três quartos de casa.
Toiros: Todos de Vale Sorraia; pesos, pelagens e configuração: 1.º- 485 Kg, negro bragado cornilargo; 2.º- 440 Kg, cardeño; 3.º- 480 Kg, negro bragado; 4.º- 500 Kg, cardeño; 5.º- 520 Kg, cardeño; 6.º 525 Kg, cardeño. Mansos os primeiro, segundo e terceiro; nobres e manejáveis o quarto e quinto; bravo e com maior prontidão na investida.
Cavaleiros: António Ribeiro Telles, de verde escuro e ouro, (volta e volta), Luís Rouxinol, de castanho e ouro (ovação e volta) e Miguel Moura, de verde seco e ouro (volta e volta).
Forcados: Amadores de Santarém: de caras, João Faro (volta); Vasco Salazar (volta); Pedro Valério (volta); Amadores do Ribatejo: André Laranjinha (volta); Ricardo Regaleira (volta).
Em jeito de despedida, louva-se a bonita homenagem de Salvaterra de Magos a esse artista maior da nossa Festa e toureiro de época. Foram… são quarenta anos de toureio… e de glória!
*vide Solilóquio, in “Pela Porta Grande, Crónicas taurinas da Temporada de 1983” pp. 84-88.