"Podem-nos tirar a liberdade, mas o pensar, o sonhar, isso ninguém nos tira, então acho que a peça se baseia nisso", afirmou Artur Monteiro, 37 anos, que está há três anos no Estabelecimento Prisional de Vila Real.

Em 'Sem destino' os atores reclusos carregam malas enquanto aguardam por um comboio e viajam em busca da liberdade.

Artur disse que leva consigo "saudades, arrependimento, culpa" e que, quando está nos ensaios, consegue esquecer por momentos que está dentro de uma cadeia, onde chegou por causa de um problema de toxicodependência.

"Este é um desafio para nós. Todas as dinâmicas que nos põem aqui acabam por amenizar um bocado a pressão de estarmos privados de liberdade", sublinhou.

A sua pena termina daqui a um mês e meio. "Tem sido uma aprendizagem. A cadeia tem um propósito, com o passar do tempo acabamos por pensar de outra maneira, também pensamos mais na família. Muda-nos como pessoas", referiu.

Entre o humor e a melancolia, "Sem destino" fala de um grupo de homens que aguarda "um comboio que parece nunca chegar" e que vai desenhando, entre diálogos fragmentados e reflexões íntimas, uma viagem que não é feita de quilómetros, mas de descobertas interiores.

Na sua mala Bruno Santos esconde "sonhos e silêncios".

"Isto retrata mesmo o que nós vivemos dentro do meio prisional, o nosso dia a dia. Isto é nós sonharmos todos juntos. Procuramos o sonho numa viagem que não sabemos qual é o destino. A nossa vida é mesmo assim, não sabemos o destino ou quando o dia da liberdade vai chegar", afirmou.

Bruno Santos nunca subiu a um palco, está há dois anos na cadeia, cumpre uma pena de oito anos por crimes como furto e o que mais quer "neste mundo" é sair para estar com a mulher e os filhos.

"Se não tivéssemos isto era todo o dia metidos numa cela, no pátio ou a jogar cartas e torna-se aborrecido, sempre a fazer o mesmo. Isto é uma oportunidade que nos dão de poder pensar noutras coisas, viver outras coisas", salientou.

Promovido pela Associação Música Esperança Portugal, o projeto envolve nove reclusos e o encenador é Fábio Timor, da companhia Urze Teatro, de Vila Real.

"Vou levar daqui muita coisa a título pessoal, não é nada fácil a privação de liberdade e foi interessante, porque o desafio era falar sobre o 25 de Abril, sobre a liberdade", afirmou Fábio Timor, que acrescentou que optou por "falar da liberdade deles".

O espetáculo surgiu no âmbito do projeto 'O meu 25 de Abril: encanto pela liberdade' e tem estreia marcada para sexta-feira, no pátio exterior do Estabelecimento Prisional.

Ao longo de mais de dois meses, encenador e reclusos foram construindo o texto e a peça juntos.

"Às vezes, quando chegava, ficava a espreitá-los pela janela e via-os a passear dentro de quatro paredes de seis metros de altura e eu a tentar imaginar estar no lugar deles, é impossível. E é isso que o texto traz, é um jogo teatral, eles não são atores, nunca me propus a desafiá-los para serem atores, queriam que experienciassem o prazer de estarem em cima do palco", referiu o encenador.

Fábio Timor disse esperar que, em palco, os reclusos tenham, "por um momento, liberdade", sobretudo a "liberdade interior".

Fernando Teixeira está preso por tráfico de droga, já cumpriu seis anos de uma pena de sete anos e 11 meses e trabalha no exterior, nas vinhas de uma quinta.

"Estamos no fim da linha e no princípio de uma nova vida. Estas dinâmicas são boas para nós, esquecemos o sistema prisional, esquecemos que estamos presos e participamos", referiu, salientando que o que quer mais que tudo "é liberdade".

Este é já o quinto trabalho que a Associação Música Esperança Portugal desenvolve nesta cadeia.

"A taxa de reinserção aqui em Portugal é extremamente baixa e este tipo de trabalho é fundamental para que possa haver uma melhoria nestes indicadores", afirmou Caroline Dominguez, responsável por esta associação.

Na sua opinião, a "arte e a cultura são instrumentos de inclusão, de liberdade e de criação".

"E sobretudo de manifestação do que mais humano temos dentro de nós e aqui é muito patente na forma como eles se expressam, no compromisso que assumem quando vêm para estas sessões e na dinâmica de grupo que se cria", acrescentou.

E com esta experiência, segundo Caroline Dominguez, os reclusos ganham "competências e uma força interior muito grande".

O projeto conta com a participação da Orquestra Sinfónica Amasing, com direção e composição musical de Eliseu Silva, e com os apoios do Estabelecimento Prisional, do Teatro Municipal e do município de Vila Real.