
As alterações climáticas são um fenómeno global que assume contornos cada vez mais graves. Eventos climáticos extremos, como os trágicos acontecimentos na região de Valência em outubro passado, serão cada vez mais frequentes. A Organização Meteorológica Mundial já anunciou que a temperatura média do planeta deverá ter atingido um novo máximo em 2024. E o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, voltou a alertar recentemente para as consequências de uma resposta insuficiente e tardia: “no country is spared (…) every economy will face far greater fury”.
A crise climática afeta-nos a todos. A banca, e o sistema financeiro no seu conjunto, não são exceção. Aliás, podemos mesmo falar do que habitualmente se designa por dupla materialidade: se as instituições financeiras são afetadas pelas alterações climáticas, em particular por via do impacto dos riscos climáticos na sua atividade; também a sua ação de intermediação é crucial no desbloqueio às significativas necessidades de investimento para fazer face, eficaz e tempestivamente, às alterações climáticas.
Começo, então, pelos riscos climáticos. Um sistema financeiro sólido, capaz de executar plenamente a sua função de intermediação, tem de ser capaz de medir, gerir e mitigar os riscos climáticos associados à sua atividade.
Esses riscos podem ser físicos e de transição. Os primeiros estão associados, quer à ocorrência de eventos climáticos extremos – enxurradas, furacões, vagas de calor ou incêndios florestais – com severidade ou frequência além do padrão que era habitual (riscos físicos agudos), quer à persistência ou à intensificação dos eventos de caráter mais prolongado, como as secas ou a subida do nível dos oceanos (riscos físicos crónicos).
Os riscos físicos materializam-se especialmente por duas vias. Por um lado, podem afetar, de forma potencialmente significativa, o valor dos ativos financiados, cobertos por seguros ou utilizados como colateral pelas instituições financeiras. Por outro lado, podem levar à deterioração do perfil de crédito das empresas, com implicações para o capital e a liquidez dos bancos, e condicionando assim a sua capacidade para financiar a economia.
Já os riscos de transição estão associados ao próprio processo de evolução para a neutralidade climática. Podem materializar-se em consequência de diferentes tipos de dinâmicas, desde o impacto provocado por medidas de política pública orientadas para a transição, até mudanças nas preferências dos consumidores, passando ainda pela verificação de que determinadas tecnologias se vão tornando obsoletas, ou pela intensificação da litigância jurídica.
Tratando-se de riscos, a questão exige, também, a atenção dos supervisores financeiros, incluindo, naturalmente, dos bancos centrais com responsabilidades pela supervisão do sistema bancário, como é o caso do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu (BCE). De facto, desde 2019 que o Mecanismo Único de Supervisão (MUS) coloca os riscos climáticos no mapa das principais fontes de risco financeiro para a banca europeia.
O Banco de Portugal tem vindo a analisar a exposição do setor bancário português aos riscos climáticos, procurando conhecer melhor os seus contornos e acautelar as suas potenciais consequências, tanto a nível macro como microprudencial. Esse esforço de análise está refletido, em particular, num relatório publicado anualmente pelo Banco, onde se procura avaliar o potencial impacto dos riscos climáticos para a banca nacional e onde são referidas as principais iniciativas de supervisão prudencial no sentido de robustecer a resiliência das instituições bancárias ao longo da transição climática.
Na segunda edição, publicada em 2024, a avaliação da exposição aos riscos físicos permite concluir que há uma maior exposição do setor a empresas localizadas em áreas relativamente vulneráveis a stress hídrico (secas), stress térmico (vagas de calor) e incêndios – em contraste com os riscos associados a inundações, subida do nível dos oceanos e furacões. Este perfil não se altera de forma significativa quando são focadas as novas operações de empréstimo, ou quando é considerada a interação com o risco de crédito.
Relativamente aos riscos de transição, constata-se que a exposição do setor bancário é relativamente limitada, em termos agregados, e tendeu genericamente a diminuir na última década. É possível, todavia, apontar focos de vulnerabilidade, com diferentes contornos, no tocante aos setores da agricultura, das utilities e dos transportes.
Uma outra abordagem habitual na avaliação do impacto económico e financeiro das alterações climáticas é o recurso a cenários de médio e longo prazos, dadas as insuficiências dos modelos assentes em dados históricos face a um fenómeno evolutivo e não-linear. Estes cenários não são previsões da evolução das variáveis, mas sim projeções plausíveis, com base em pressupostos climáticos, económicos e financeiros. Diferentes cenários permitem comparar os efeitos de diferentes ritmos de resposta às alterações climáticas, com base na ação dos Governos, que são quem define e concretiza as políticas climáticas.
A análise feita indica que, para o setor bancário nacional, será claramente preferível uma atuação rápida na redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), face a um cenário de adiamento ou de inexistência de novas políticas climáticas. Esta preferência decorre sobretudo do impacto cumulativo associado à intensificação dos riscos físicos, caso a mitigação das emissões se revelasse mais lenta. Os custos de curto prazo são mais do que compensados pelos benefícios de médio e longo prazos.
Além destas abordagens macrofinanceiras – que olham para a estabilidade do sistema bancário como um todo – é também fundamental assegurar a robustez de cada instituição em face dos riscos associados às alterações climáticas. A perspetiva microfinanceira, refletida na supervisão prudencial do sistema bancário pelo Banco de Portugal e pelo BCE, também se encontra vertida no relatório anual já mencionado.
No quadro da repartição de competências entre os dois supervisores, respetivamente responsáveis pelas instituições bancárias nacionais de menor e de maior dimensão, ambos definiram expetativas de supervisão para o tratamento dos riscos climáticos e ambientais por parte dos bancos.
Estas expetativas referem-se a 13 parâmetros, agrupados em quatro áreas – Modelo e estratégia de negócio; Governo interno e definição do nível de risco; Gestão do risco; e Divulgação de informação. Foram igualmente definidas datas-limite para a concretização das políticas e dos procedimentos nelas previstas por parte da banca: para as instituições ditas significativas (SI, na sigla inglesa), o BCE determinou o alinhamento integral com as expetativas até final de 2024, tendo o Banco de Portugal estipulado o final de 2025 no tocante às 23 instituições nacionais ditas menos significativas (LSI, na sigla inglesa).
Ambos os supervisores têm acompanhado o processo de incorporação das expetativas por parte dos bancos. No caso das LSI, por exemplo, a análise reportada ao final de 2023 revelou progressos na identificação e na mitigação das exposições aos riscos climáticos e ambientais, embora persistissem ainda desconformidades significativas, que demandam uma atuação célere e determinada por parte destas instituições financeiras.
O desafio climático assume certamente uma dimensão crítica para a gestão e mitigação de risco do sistema bancário nacional – e também para os supervisores, no exercício do seu mandato. Um motivo de algum conforto, a este nível, poderá ser uma recente avaliação externa à qualidade da supervisão dos riscos climáticos, ambientais e sociais, feita por uma instituição de referência (SUSREG 2024, do WWF). Entre 52 jurisdições, consideradas as mais avançadas nesta matéria à escala mundial, Portugal foi o país classificado em primeiro lugar relativamente às iniciativas de supervisão bancária dos riscos climáticos.
É inquestionável que apenas um sistema financeiro sólido poderá contribuir para a concretização das oportunidades de investimento que a crise climática também traz. Retomo, por isso, a ideia do contributo das instituições financeiras para a resposta à crise climática, pela sua atividade de intermediação e alocação de capital.
É hoje largamente consensual que as alterações climáticas são provocadas pelo aumento da temperatura média global, como consequência da acumulação de GEE na atmosfera. Daí decorre que a resposta à crise climática tenha de atuar em duas frentes. Por um lado, os esforços de mitigação, focados na redução das emissões de GEE, que nos permitirão transitar para uma economia climaticamente neutra; por outro lado, as iniciativas de adaptação, para criar as condições que nos permitam lidar melhor com os efeitos do fenómeno.
Esta dinâmica de descarbonização e de adaptação é urgente e está em curso, mas tem de ser intensificada. A escala da transformação é imensa e têm sido avançadas diversas estimativas que procuram quantificar o esforço financeiro necessário. A Agência Internacional de Energia, por exemplo, calculou que o investimento anual global em energia – uma componente essencial dos esforços de descarbonização – terá de passar dos atuais 2,5% do PIB mundial para cerca de 4,5% em 2030, se quisermos atingir a neutralidade climática em 2050.
Valores desta ordem não poderão ser assegurados apenas pelos orçamentos do setor público, já sobrecarregados. A única via possível para concretizar o investimento indispensável à transição climática será mobilizar o capital privado. As estimativas do Mecanismo Europeu de Estabilidade indicam que pelo menos metade do investimento anual necessário na Europa até 2030 para esse efeito terá de ser realizado pelo setor privado.
É, por isso, essencial que o setor privado, alicerçado num quadro regulatório estável e previsível e em políticas públicas indutoras de inovação, saiba responder a este desafio societal, criando novas oportunidade de investimento. Um setor financeiro robusto, no seu papel insubstituível de intermediário especializado na alocação de capital, permitirá canalizar o financiamento necessário para a sua materialização.
Na resposta às alterações climáticas, se a oportunidade maior depende da ação, o risco maior resulta da inação. É, assim, urgente assegurar a plena incorporação da gestão e mitigação dos riscos climáticos na atividade e modelo de negócio do sistema financeiro, para que este possa dar o seu contributo essencial à concretização das oportunidades já existentes e daquelas que a sociedade, à escala global, terá ainda de criar.
Artigo escrito por Rui Pinto e publicado originalmente na Revista InforBanca.
É licenciado em Administração e Gestão de Empresas pela Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica e detentor da certificação CFA (Chartered Financial Analyst). Frequentou o Global Senior Management Program, lecionado pela IE Business School e Chicago Booth School of Business.