O apagão que afetou a Península Ibérica no passado dia 28 de abril foi um alerta claro de que a rede elétrica é, de facto, a espinha dorsal da nossa sociedade moderna. Desde hospitais a lares, dos transportes públicos à infraestrutura digital, tudo depende de um fornecimento de eletricidade seguro, estável e contínuo.

Sem especular sobre as causas do incidente, é essencial confiar nas entidades responsáveis pela operação e supervisão das redes. Ainda assim, é importante tirar ilações. À medida que a Europa avança na transição para um sistema energético descarbonizado, este incidente reforça a necessidade urgente de investir — com base em análises sérias de custo-benefício — numa rede que seja não só mais robusta, mas também preparada para gerir uma crescente integração de fontes renováveis intermitentes.

Com tecnologias como a solar e a eólica a assumirem um papel central no nosso mix energético, torna-se imperativo dispor de uma rede mais flexível e inteligente. Tal exige reforçar o investimento na digitalização, na capacidade de interligação, no armazenamento de energia, na resposta ativa, do lado da procura e do consumo, e ainda na geração flexível. A criação de mercados de serviços bem estruturados será igualmente essencial. Só com uma abordagem integrada e coordenada poderemos garantir a fiabilidade do sistema — mesmo quando o sol não brilha, o vento não sopra ou a água não corre.

Os ativos flexíveis — como a bombagem hidroelétrica, as baterias e a geração térmica flexível — são cruciais para assegurar a estabilidade do sistema. Estes recursos permitem responder rapidamente a desequilíbrios e garantir apoio em momentos críticos. No entanto, a construção de novos ativos ou até mesmo a manutenção dos existentes, dependerá da existência de sinais de mercado adequados e de incentivos claros. Os investimentos no sector elétrico são investimentos avultados e de longo prazo. Como tal, os investidores precisam de previsibilidade a longo prazo e de um quadro regulatório estável para poderem comprometer capital em projetos estruturantes.

Ao mesmo tempo, os decisores políticos devem garantir que comportamentos especulativos de curto prazo não colocam em causa a segurança do sistema nem a confiança dos investidores. Para tal, devem proporcionar previsibilidade, transparência e estabilidade, permitindo decisões de investimento racionais e garantindo a viabilidade a longo prazo das infraestruturas energéticas. Isto implica a criação de mecanismos que reflitam os custos reais do sistema, assegurem retornos justos sobre os investimentos e incentivem a inovação e a eficiência.

Na atividade de produção, o caso não é menos preocupante. Recentemente, a DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia) alertou para a desistência de vários projetos solares em Portugal — um sintoma claro da insuficiente remuneração proporcionada pelo mercado. Os resultados dos tão aclamados leilões solares de 2019, 2020 e 2021 demonstram agora as suas limitações não só através da desistência de vários promotores como através das constantes extensões de prazo à sua finalização. A aposta excessiva no critério de preço revelou-se problemática, com muitos promotores a enfrentarem sérias dificuldades em tornar os projetos bancáveis e financeiramente viáveis.

É fundamental que a política energética evite dinâmicas especulativas que distorçam os sinais de preço e comprometam a fiabilidade do sistema.

No contexto da transição energética e da descarbonização da economia, o cumprimento das metas do Plano Nacional Energia e Clima (PNEC) 2030 é uma prioridade estratégica para Portugal. Contudo, o sucesso deste plano depende, em larga medida, da capacidade de garantir condições estáveis e atrativas para os produtores de energia renovável. E num contexto de concorrência europeia e global pela captação de investimento verde, Portugal não pode dar-se ao luxo de desvalorizar os sinais que envia ao sector. Garantir modelos de remuneração sustentáveis e um quadro claro de apoio às energias verdes não é um favor aos produtores — é um investimento no futuro energético do país.

Mas nem tudo são más notícias. Recentemente, a Comissão Europeia aprovou um conjunto de medidas para apoiar a implementação do Net-Zero Industry Act, cujo objetivo é reforçar a capacidade industrial europeia e reduzir riscos estratégicos nas cadeias de abastecimento.

O resultado da investigação ao apagão poderá confirmar aquilo que já é percetível: a infraestrutura atual está sob pressão e não está preparada para suportar os desafios de uma transição energética plena. Adiar decisões estruturais apenas aumentará a frequência e a gravidade destes episódios. É tempo de reformular os mercados, modernizar a rede elétrica europeia e reforçar a sua capacidade para gerir o sistema energético do futuro.

Esta não é apenas uma questão técnica ou energética — é uma prioridade económica, social e de segurança. A competitividade da Europa, o cumprimento das metas climáticas e a qualidade de vida dos cidadãos dependem de um sistema elétrico fiável. Que o dia 28 de abril seja um verdadeiro ponto de viragem — e não apenas mais um aviso ignorado.