A fotografia circulou livremente nas redes sociais no início de agosto. Mostrava uma folha A4, colocada entre pacotes de batatas fritas da marca própria do Intermarché com uma mensagem direta para o consumidor: “Não temos à venda produtos do fornecedor Matudis, o que lamentamos e que se deve exclusivamente ao aumento do preço de tabela deste produto em mais de 26% nos últimos dois anos”.

Entre imagens impressas a preto e branco das marcas de batatas fritas e snacks em causa, havia mais duas declarações: “Na defesa dos interesses dos nossos consumidores não aceitamos” e “lamentamos o transtorno causado”.

As partes chutaram para canto. Ao Expresso, dizem apenas que o diferendo já está sanado - e assunto encerrado. Esta parece ter sido das primeiras expressões públicas de um conflito que, em Portugal, tende a manter-se circunscrito aos gabinetes dos fornecedores e da distribuição, mas que, com o “esmagar” das margens dos supermercados, pode muito bem vir à tona de novo.

Supermercados empurram para a marca própria

“A tensão entre a distribuição e os fornecedores nunca chegou às prateleiras dos supermercados a este nível”, assume ao Expresso Pedro Pimentel, diretor-geral da CentroMarca - Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca, certo de que “em tudo isto há uma movimentação dos donos das cadeias de supermercados a empurrarem os consumidores para consumirem as suas marcas próprias”.

E o consumidor pode ganhar com isto? “A cadeia de distribuição passa essa mensagem, mas fala de uma subida de 26% nos preços em dois anos, precisamente num período em que o preço dos alimentos subiu muito. A percentagem referida estará longe de ser a única ou a mais alta nos bens alimentares. Aliás, o que dizem sobre a subida da marca própria?”, responde com uma pergunta Pedro Pimentel, a seguir atentamente a tensão crescente entre distribuição e marcas, “por negociação pura ou por adoção de medidas extremadas de pressão de um lado sobre o outro”.

“Este tipo de situações revela um padrão negocial em que a cadeia de distribuição quer a marca, mas não consegue impor o preço que pretende e tenta criar um ónus de culpa sobre o fornecedor”, conclui alertando para a importância de “continuar a ser disponibilizado um sortido variado ao consumidor, com garantia da sua liberdade de escolha no momento de comprar”.

Nota, ainda, “o facto de tal como em França, há sete meses atrás, termos como protagonistas deste conflito uma cadeia de distribuição francesa e a mesma multinacional norte-americana".

Na verdade, “a Matudis, provavelmente desconhecida da maioria dos portugueses, é a Matutano e está no universo da PepsiCo”, precisa.

De França para Portugal

No início do ano, a cadeia de supermercados Carrefour resolveu tirar das suas prateleiras todas as marcas do conglomerado alimentar PepsiCo, fabricante das bebidas Pepsi e 7Up e das batatas fritas Lays, justificando a decisão, num papel colado junto às prateleiras vazias, com “as subidas inaceitáveis de preços” exigidas por esta fornecedora. O modelo francês, que obriga a negociações anuais entre a distribuição e os fornecedores para a fixação dos aumentos, “arrumou” o assunto (para já) dentro da data limite definida para a conclusão dos acordos deste ano: 31 de janeiro.

Recentemente, o Observatório de Negociações Comerciais, instituição francesa responsável pelo balanço das negociações entre a indústria alimentar e o retalho, declarou que quem ganhou o braço de ferro foi, desta vez, o retalho. Segundo este levantamento, citado pelo jornal Les Échos, os fornecedores exigiam, em média, aumentos dos preços anuais de 4,5%. Mas, numa análise aos preços acordados pelos seus associados, só terão conseguido que a distribuição lhes pagasse, em média, aumentos abaixo de 1%.

Em Espanha, o grupo Dia teve uma posição idêntica à do Carrefour relativamente à marca mexicana Bimbo em fevereiro passado, quando a grande distribuição portuguesa e as marcas ainda garantiam ao Expresso um “ambiente pacífico” entre os dois lados no país, afastando a possibilidade de ruturas comerciais.

Agosto quente nas prateleiras

A verdade é que em agosto, o consumidor português teve os primeiros sinais de que algo estava a mudar. Terão sido sinais discretos, com a maioria dos supermercados da cadeia Intermarché a optar simplesmente por encher as suas prateleiras com marca própria, mas foram percetíveis.

Às questões do Expresso sobre o tema, a administração do Intermarché respondeu por escrito que a informação apresentada nas lojas “resulta da negociação que estava em curso com um fornecedor, como acontece com tantos outros”.

“Isto demonstra claramente que o Intermarché está ao lado dos portugueses em todos os momentos, pela defesa do seu poder de compra. No Intermarché procuraremos sempre os melhores preços ao invés de favorecer os grandes grupos industriais. Procuraremos sempre apoiar os produtores locais e a produção nacional possibilitando desse modo o acesso aos melhores produtos. Sempre com o foco de ter os preços mais justos para o consumidor”, declarou a administração sobre esta rutura negocial, sem adiantar qualquer dado relativo a preços ou problemas com outras marcas.

De regresso nos próximos dias

Do lado da Matudis, a resposta que acaba de ser enviada é também breve, sem pormenores negociais, mas a indicar que o problema foi ultrapassado. “Neste momento encontra-se fechado um acordo positivo para ambas as partes. Todos os produtos Matudis estarão disponíveis para os consumidores nos próximos dias. O foco da Matudis é construir relacionamentos sustentáveis e de longo prazo com os retalhistas”, diz a nota da empresa.

Na Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), o diretor-geral Gonçalo Lobo Xavier é cauteloso nas declarações: “Não temos até ao momento qualquer indicação de situações parecidas”. “Terá a ver apenas com a política comercial de uma empresa até porque dos contactos que temos estabelecido não há qualquer indicação de tensões com a distribuição. A concorrência pode significar uma maior pressão sobre toda a cadeia, sim, mas não há qualquer registo de perturbações e o quadro geral continua estável”, assegura.

“O facto de termos o retalho alimentar numa grande competição, no final do dia é positivo para o consumidor”, acrescenta o dirigente associativo sublinhando que “o peso das marcas próprias tem vindo a acentuar-se” e isso “diz muito sobre a forma como o consumidor está a reagir e a gerir o seu orçamento”.