
Cláudia Teixeira de Almeida é diretora de Sustentabilidade do BPI desde fevereiro de 2025. Tem nas suas mãos a execução do Plano de Banca Sustentável 2025-27, que prevê a mobilização de 4,4 mil milhões de euros para financiar uma economia neutra em carbono e promover a inclusão social. O banco pretende alavancar esse financiamento em vetores de crescimento, como a eficiência energética do imobiliário, em projetos de energias renováveis, na mobilidade verde e na descarbonização industrial.
Em entrevista ao Jornal PT50, Cláudia Teixeira de Almeida garante que a sustentabilidade é um dos pilares estratégicos do banco, estando integrada em todas as áreas de negócio. Destaca a necessidade de haver regulação para promover a transição energética, mas aponta que existem desafios na recolha de dados ESG (sigla para ambiental social e governação) de fontes internas e externas, esperando que o programa europeu Omnibus traga alguma flexibilização às necessidades de reporte das instituições.
Quais são as principais prioridades e iniciativas na execução do Plano de Banca Sustentável 2025-27, tendo em conta que o banco tem quatro áreas estratégicas neste domínio?
Este ano iniciámos um novo ciclo estratégico no BPI e no nosso acionista, o Grupo CaixaBank, em que novamente a sustentabilidade é um dos nossos pilares estratégicos. Como tal, para o período 2025-27, definimos objetivos ambiciosos de financiamento da transição, modelo de gestão e práticas de negócio.
Entre os principais objetivos, o nosso Plano de Banca Sustentável 25-27 prevê a mobilização de 4,4 mil milhões de euros para financiar uma economia neutra em carbono e promover a inclusão social, continuando a melhorar o bem-estar das pessoas e da sociedade. Estamos muito empenhados no financiamento da descarbonização da economia, impulsionando ao mesmo tempo a competitividade e o crescimento do tecido empresarial português.
Numa outra vertente, o plano prevê múltiplas medidas de melhoria do bem-estar dos colaboradores e do seu contributo para a sociedade. Além disso, continuamos a trabalhar lado a lado com a Fundação “la Caixa”, num modelo de responsabilidade social que considero verdadeiramente diferenciador, e que é constituído por três eixos sociais estratégicos: emprego, combate à pobreza e inclusão social, e longevidade.
Estamos comprometidos em atuar na sustentabilidade de forma consistente, com metas claras e com um impacto mensurável. Já no anterior Plano Estratégico 2022-24 mobilizamos mais de 6 mil milhões em negócio sustentável, dos quais 3,7 mil milhões de financiamento sustentável, e em colaboração com a Fundação “la Caixa” foram destinados mais de 120 milhões de euros para ação social em Portugal. Além disso, vamos prosseguir os nossos esforços de descarbonização, designadamente no âmbito do compromisso global do Grupo na Net-Zero Banking Alliance (NZBA).
No primeiro trimestre, segundo os resultados apresentado pelo BPI, foram concedidos 200 milhões de euros em financiamento sustentável. Como pretendem alcançar essa meta dos 4.4 mil milhões de euros e que tipo de projetos estão a privilegiar?
O objetivo é alavancar esse financiamento em vetores estratégicos de crescimento, nomeadamente na eficiência energética do imobiliário, nos projetos de energias renováveis, na mobilidade verde e na descarbonização industrial. A nossa oferta inclui produtos financeiros desenhados para apoiar a transição energética e ambiental das empresas, bem como o acompanhamento próximo por equipas especializadas, que apoiam os clientes na estruturação e negociação de financiamentos sustentáveis. Além disso, temos vindo a estabelecer parcerias estratégicas com entidades de referência nos setores do turismo, agricultura, sustentabilidade e inovação. Estas parcerias permitem-nos promover iniciativas como prémios de apoio à economia e programas de capacitação que visam apoiar as empresas, em particular as PME para os novos desafios da sustentabilidade, seja nos eixos ambiental, social ou de governação.
Como estão a integrar os riscos climáticos na avaliação de risco e na tomada de decisões de crédito?
Temos uma metodologia de avaliação de riscos climáticos, tanto riscos físicos como de transição, que nos permite avaliar o valor de uma perda potencial estimada em capital económico do banco, através da cobertura dos principais riscos físicos considerados para Portugal e da adoção de cenários climáticos e macroeconómicos. Além disso, dispomos de uma variedade de indicadores que monitorizamos numa base periódica, que permitem fazer uma gestão dos riscos tradicionais, nomeadamente do risco de crédito, risco de liquidez e risco operacional. Paralelamente, o BPI assumiu compromissos de descarbonização da sua carteira de crédito, com definição de objetivos intermédios a 2030, no âmbito da assinatura, por parte do CaixaBank, da Net Zero Banking Alliance, para os setores considerados mais intensivos em carbono. Estes riscos estão progressivamente a ser considerados na concessão de crédito, podendo desempenhar um papel decisivo, à luz da aplicabilidade da Política de Gestão de Riscos ESG, que define uma série de restrições gerais bem como especificas para alguns setores, como petróleo e gás, geração de energia, transportes, entre outros.
Têm algum produto financeiro inovador especificamente criado para promover a sustentabilidade?
Temos desenvolvido soluções específicas que são transversais aos três eixos da sustentabilidade. Mas se tivesse que eleger um produto inovador, referiria, nas empresas, a Linha BPI ESG Empresas, destinada especificamente às PME e que, para além de apoiar os investimentos específicos na sustentabilidade e empresas com características sustentáveis, também permite apoiar as empresas que pretendem iniciar-se no caminho da transição energética.
Relativamente aos clientes particulares, o banco oferece a possibilidade de reduzir a taxa de juro dos empréstimos de crédito habitação de imóveis com classificação energética A+, A e B. Mas temos muitas outras soluções.
Estão a medir e a reduzir a pegada de carbono das vossas operações e da carteira de investimentos?
O BPI calcula anualmente a sua pegada de carbono e estabelecemos planos de ação que visam a redução e o acompanhamento da evolução das emissões de gases com efeito de estufa associadas à sua atividade, quer a nível operativo, quer a nível das emissões associadas à sua carteira financiada, uma vez que entendemos que o grau de exigência do banco para com os seus clientes tem que estar alinhado com o nosso próprio grau de exigência interno.
Relativamente à pegada operativa do banco, calcula e monitoriza as emissões associadas ao consumo de energia nas instalações físicas (âmbitos 1 e 2), bem como as emissões associadas à cadeia de fornecimento, produção de resíduos, deslocações de serviço e pendulares (âmbito 3) que representam cerca de 1% do total da pegada de carbono do banco, sendo que os outros 99% das emissões estão associadas à carteira de financiamento (cat. 15, âmbito 3).
Em 2024, houve uma redução da pegada operativa de 5% face a 2023. O banco tem vindo a implementar ações de redução das emissões promovendo uma mobilidade sustentável com a colocação de carregadores elétricos nos edifícios para a frota híbrida do BPI, eliminando equipamento com gás natural nos edifícios, consumindo energia elétrica 100% renovável, etc. O banco compensa ainda as emissões remanescentes que não consegue evitar através de projetos de reflorestação.
Relativamente à pegada da carteira financiada, o BPI desenvolveu uma ferramenta de cálculo que nos permite calcular, desde dezembro de 2022, o nível de emissões de carbono financiadas pelo banco para todos os nossos clientes ativos.
Como garantem que a sustentabilidade está integrada em todas as áreas de negócio? Estão a tomar medidas neste sentido?
Dispomos de um modelo de governo específico para a sustentabilidade que garante que os temas ESG são decididos e acompanhados nos órgãos de decisão ao mais alto nível, integrados no negócio e alinhados ao nível do Grupo.
Este modelo de governo inclui um Comité de Sustentabilidade, com reporte direto à Comissão Executiva do Conselho de Administração, que tem o papel de coordenar a estratégia de sustentabilidade do BPI e reúne mensalmente.
A Direção de Sustentabilidade é responsável por implementar a estratégia e desafiar as diferentes direções de negócio a olharem para estes temas.
Além disso, existem áreas especializadas que são responsáveis por temas específicos como gestão de risco de sustentabilidade, financiamentos ESG e integração de critérios ESG na admissão de clientes. Naturalmente, isto só é possível com a formação transversal, continua e aprofundada das equipas.
Outra iniciativa é o Programa de Embaixadores de Sustentabilidade constituído por 28 colaboradores de várias áreas do banco que atuam como ponte entre a Direção de Sustentabilidade e a Direção representada pelo Embaixador como forma de transmissão de conhecimento e informação relevante em matéria de sustentabilidade.
Este modelo de governo e iniciativas garantem que a sustentabilidade não está fechada na Direção de Sustentabilidade, mas é sim considerada, gerida e integrada em todo o banco.
De que forma respondem às exigências da regulação europeia em termos de sustentabilidade? Quais são os maiores desafios para o banco?
No BPI vemos a regulação como um importante instrumento para promover a transição. O banco está a cumprir com as exigências de reporte de sustentabilidade da regulação europeia mesmo num contexto em que estas não foram ainda transpostas para a legislação portuguesa, nomeadamente na publicação das Demonstrações de Sustentabilidade, apesentadas no Relatório de Gestão de 2024.
Naturalmente, a crescente pressão regulatória traz desafios a dois níveis. O primeiro é a disponibilidade de dados ESG. A regulação europeia é muito exigente em termos de dados de sustentabilidade, obrigando a um esforço considerável na recolha desses dados, tanto a partir de fontes externas como de fontes internas, e a integração dessa informação nos sistemas do banco, num contexto em que estes dados não estão totalmente disponíveis. Este nível de exigência, associado à escassez de dados está a levar a algumas soluções criativas por parte do setor financeiro como por exemplo a contratação da SIBS para criar o Portal SIBS ESG, que pretende agregar a informação ESG dos clientes num único portal, tornando a informação disponível para os vários bancos.
O segundo é a qualidade desses dados. Num contexto de regulação crescente, importa assegurar que as exigências colocadas são exequíveis e compatíveis com a dimensão e os recursos das empresas. Importa assegurar prazos ambiciosos, mas atingíveis, requisitos consistentes entre si, valor acrescentado da informação exigida materializável na capacitação e promoção da ação associada à efetiva transição.
O legislador europeu está atento a estas questões e contamos que a iniciativa Omnibus, em curso, venha produzir melhorias significativas a este nível e uma cada vez maior responsabilização do legislador para que cada agente tenha o seu âmbito de atuação, e não um sistema de arrasto forçado que gera alguns conflitos dentro do mundo empresarial ou em regras de concorrência entre diferentes áreas geopolíticas.
Que impacto pode ter o desinvestimento da nova administração dos EUA nas temáticas de sustentabilidade na Europa e no setor bancário? Está a afetar a estratégia do BPI?
A sustentabilidade é uma prioridade estratégica global, mas sabemos que decisões políticas, especialmente de grandes economias como a dos Estados Unidos, podem influenciar o ritmo e a ambição da transição climática a nível internacional.
No entanto, a Europa já demonstrou, durante o primeiro mandato do presidente Trump em 2017, que consegue avançar e progredir nestes mesmos objetivos. Em particular no setor financeiro, temos regulação robusta e muito clara quanto ao papel destas instituições na transição climática.
No BPI, mantemos o nosso compromisso com os princípios ESG, alinhados com o enquadramento europeu e com a estratégia do Grupo CaixaBank, e continuamos focados em apoiar os nossos clientes e parceiros nesta transição, independentemente do contexto político internacional.
A Fundação “La Caixa” destina 50 milhões de euros para investimento social em Portugal. Quais as vossas prioridades no campo social?
A Fundação ”la Caixa” e o BPI dão especial atenção aos programas com maior impacto transformador, como os que combatem a pobreza e a exclusão social, os que fomentam o emprego e os que ajudam a melhorar as condições de vida das pessoas mais vulneráveis. Trata-se de uma atuação estratégica na coesão social e na construção de uma sociedade mais justa, equilibrada e inclusiva. No âmbito da atuação conjunta Fundação ”la Caixa” | BPI, seguimos um método de trabalho que se apoia na criação de redes de entidades especializadas intermediárias, selecionadas por concurso, que beneficiam de formação própria em cada uma das áreas de cada programa.
A seleção das entidades colaboradoras e de projetos específicos, consoante os casos, é sujeita ao escrutínio de júris. Destacaria, por exemplo, o programa Proinfância, de apoio às famílias através de novas formas de intervenção focadas no desenvolvimento social e educativo de crianças e jovens; o Programa Incorpora, que apoia pessoas vulneráveis no acesso ao mercado de trabalho; ou o Programa Promove, um apoio a fundo perdido a iniciativas inovadoras em domínios estratégicos para o desenvolvimento das regiões do interior de Portugal.
Já estão a usar a inteligência artificial para apoiar a vossa estratégia de sustentabilidade?
A inteligência artificial é, sem dúvida, uma ferramenta com um enorme potencial para acelerar a transformação sustentável no setor financeiro. O Banco BPI tem sido pioneiro na adoção de tecnologias de inteligência artificial, nomeadamente em processos de risco, com deteção de fraude, no marketing, com personalização do atendimento ao cliente e nas operações, com DocAI. No entanto, sabemos que ainda estamos numa fase inicial de integração da IA na atuação do banco, e o domínio da sustentabilidade não constitui exceção.
Já utilizamos ferramentas de IA para explorar controvérsias ESG, essenciais para definirmos o perfil ESG dos nossos clientes, estamos focados em compreender como a IA pode apoiar na análise de grandes volumes de dados ESG e na monitorização mais eficiente dos nossos compromissos de sustentabilidade, e muito atentos para garantir que, à medida que estas soluções forem evoluindo, sejamos capazes de as utilizar e explorar para apoiar uma transição mais justa, eficiente e baseada em evidências.