
Alerta crise. Tadej Pogačar já não ganha uma etapa da Volta a França há sete dias.
Afastando as ironias e voltando ao concreto, o esloveno está a 48 horas de vencer o Tour pela quarta vez. Já triunfou em quatro etapas, tem a corrida conquistada desde o fim da segunda semana. Mas, nas palavras e no estilo de corrida, parece estar farto.
É ele que o diz: "Questiono-me o que é que ainda faço aqui. Têm sido três longas semanas. Começas a contar os quilómetros até Paris. Mal posso esperar para que termine e possa ter coisas divertidas na minha vida novamente", disse o campeão do mundo à partida para a 19.ª jornada. A vida nómada de pequenos-almoços de madrugada e almoços em cima da bicicleta cansa até o monstro.
Acreditava-se que Tadej olharia para a conclusão do Tour como o momento para esmagar a concorrência, para se aproximar do recorde de Mark Cavendish, para ser Pogačar ao quadrado. Não foi assim. A Emirates foi deixando fugas chegarem e, quando não foi assim, foi o esloveno que não fez o ataque final que todos esperavam. Incapacidade? Falta de vontade? Esgotamento mental? Marcação entre ele e Jonas? Talvez nada disto, talvez tudo isto junto.
Em 2018, na Volta a França do futuro, Pogačar venceu e o segundo foi Thymen Arensman. Dois anos passados, Pogi venceria a corrida dos crescidos, enquanto Arensman foi batalhando contra si próprio. Já em jovem, colocava muita pressão em si mesmo, nos resultados, mas tal agravou-se quando passou a profissional.
"Soa muito pesado quando falas em demónios na tua cabeça, mas é muito duro manter a calma quando estás a lutar contra ti próprio", disse o neerlandês recentemente. A pressão, a exigência, a mente puxava Thymen para trás. No Tour, sem pressão de lutar pela geral, a cabeça limpou-se e, no último dia de montanha, o homem da INEOS bisou em conquistas de etapas.
Dermatite nodular contagiosa em gado bovino. Não, ninguém perdeu uma aposta cuja consequência era escrever estas seis palavras num texto sobre ciclismo. Aquela foi mesmo a causa do encurtar da antepenúltima jornada da 112.ª edição do Tour de France.
A doença descoberta nos animais no Col des Saises, montanha que deveria ser subida no arranque da tirada, levou ao abate dos bovinos. Devido ao “sofrimento dos agricultores afetados” e “de modo a assegurar o normal funcionamento” da corrida, a organização decidiu tirar a ascensão ao Col des Saises do percurso, que passou a ter apenas 95 quilómetros, pouca duração mas muita exigência, já que se mantiveram o Col du Pré (12,6 quilómetros a 7,9%) e La Plagne (19,4 quilómetros a 7,2%), duas dificuldades tipicamente alpinas, longas, constantes, terminando acima dos dois mil metros de altitude.
Tal como na véspera, Primož Roglič quis ser ambicioso e atacar de longe, olhando à etapa e ao pódio. É um vencedor de grandes voltas, tem contas a ajustar com o Tour, quis deixar a sua marca. Andou muitos quilómetros na frente, mas foi apanhado antes da ascensão final e pagou caro o esforço, perdendo muito tempo e caindo para oitavo. Ainda não foi desta que o rei de Vuelta foi feliz na maior das competições. Sem a liberdade dada às fugas de ocasiões anteriores, a discussão do triunfo partiria do grupo do camisola amarela, que arrancou La Plagne sem ninguém adiante.
Felix Gall, que subiu a quinto, foi o primeiro a atacar. Pogačar seguiu a iniciativa, mas teve resposta de Vingegaard. Chegou a imaginar-se um duelo a dois montanha acima, Alpes acima, não muito longe do Monte Branco, com o Vale de Aosta e Itália do outro lado.
Mas havia um convidado inesperado. Thymen Arensman atacou, não temeu ir ao choque com os dois únicos homens que ganharam o Tour desde que a expressão "Covid-19" entrou nas nossas vidas. Andou quase sempre com 30 segundos de vantagem, até que a margem caiu nos quilómetros finais.
Só que o ataque de Pogačar não surgiu. Faltava um quilómetro e não surgiu, faltavam 800 metros e não surgiu, faltavam 400 metros e não surgiu. Vingegaard, paciente, também não se mexeu e a glória foi de Arensman, que venceu na 19.ª depois de triunfar na 14.ª. Chegou esgotado, quase caindo da bicicleta, dois segundos antes de Vingegaard, com Tadej colado.
Lipowitz, quarto na jornada, ganhou tempo a Onley e tem pé e meio no pódio final de Paris. Por falar em pódio, a cara de Pogi no pódio desta etapa era mais de sorriso de circunstância do que de glória. O campeão do sorriso, do tufo leve a surgir entre as frestas do capacete, parece terminar o Tour (legitimamente) esgotado. Um esgotamento rodeado de glória, sem crise.