A zona mista do Stade de France é, claramente, a maior destes Jogos Olímpicos. É no atletismo que se concentram, na segunda metade de competição, todas as atenções, é daqui que saem as maiores lendas desta ponta final de Paris 2024. É aqui que se concentram os jornalistas e os holofotes.
Depois de competirem e antes de abandonarem o estádio onde Eder se tornou herói, todos os atletas têm de passar um longo percurso em ziguezague, onde vão sendo parados por jornalistas de todo o mundo. Ao começo da noite de quarta-feira, a esmagadora maioria dos protagonistas que fazem aquela gincana aceitam dar as suas opiniões aos microfones que se ligam diante deles.
Menos um.
“Falamos na final.” Foram estas três palavras que Pedro Pablo Pichardo lançou enquanto passou em passo apressado pela zona mista. As solicitações dos jornalistas portugueses não o convenceram, o pedido do pessoal de imprensa do Comité Olímpico de Portugal também não.
De face focada e olhar colocado em diante, Pichardo, mochila às costas, foi-se embora. O silêncio tem sido a nota dominante do campeão de Tóquio 2020 nas últimas semanas e assim continuará até à noite de sexta-feira, quando tentará revalidar um ouro, um feito inédito na história olímpica portuguesa.
Neste primeiro contacto com o Stade de France, Pedro Pablo saltou a 17,44 metros, o melhor registo da qualificação. Bastou-lhe um ensaio, feito com toda a calma e tranquilidade, para superar os 17,10 metros que davam qualificação direta. Boné na face, mochila nas costas, silêncio e lá foi ele.
O quinto campeão olímpico da história de Portugal foi uma exceção entre a regra que imperou na zona mista. A 20 centímetros de Pichardo ficou Jordan Díaz, em teoria o maior adversário do atleta que ganhou o ouro em Tóquio.
O espanhol, natural de Cuba como Pedro Pablo, surpreendeu o mundo em junho, quando, nos Europeus de Roma, fez o terceiro maior salto da história, com 18,18 metros, fazendo parecer possível chegar ao mítico recorde do mundo de Jonathan Edwards (18,29 metros em 1995). Agora, Díaz diz “não saber” se o ouro olímpico andará pelos valores alcançados em Itália, mas acredita que, para ganhar a prova de sexta-feira, será preciso fazer “18 metros e algo”.
Nos passados Jogos Olímpicos, Pichardo ganhou com 17,98 metros. Em Roma, em junho, fez 18,04 metros, na primeira vez que superou a dúzia e meia de metros a saltar por Portugal.
Jordan Díaz, de 23 anos, é, mesmo, um dos mais faladores da zona mista. Recebe muita atenção da imprensa espanhola, é claro, mas também da portuguesa, parecendo lidar bem com isso. Fala sobre a “pressão” da estreia nuns Jogos, parecendo tentar baixar a responsabilidade depois da proeza que fez nos Europeus ao explicar que anda “a treinar com queixas desde fevereiro” e que se está “a adaptar” à realidade olímpica.
O campeão da Europa junta-se ao coro de críticas à aldeia olímpica. Apesar de entender o conceito de uma “experiência diferente”, pela convivência entre gente de tantas modalidades, diz que dormir lá “es una… [faz um gesto com a boca como quem diz um adjetivo em calão, uma palavra pejorativa que se diz de forma muito semelhante dos dois lados da Península Ibérica, mas não a diz] é complicado. Não se dorme bem", conclui, mais diplomaticamente.
Sem grandes alaridos, Jordan acredita que a final será “muito difícil”. Quando estava no aquecimento, ouviu o hino espanhol soar no Stade de France, pois foram atribuídos os ouros a Álvaro Martín e Maria Pérez, vencedores da estafeta mista na marcha. Ao falar desse momento, faz fisgas, como que pedindo algo semelhante dentro de 48 horas. “Espero chegar à final em boa forma e que sabe, pelo menos, um pódio. Se aceitaria, já, um bronze? Não. São uns Jogos Olímpicos, tudo pode acontecer”, remata, antes de se despedir.
O desfile prossegue com Hugues Fabrice Zango, um dos quatro que também conseguiu superar os 17,10 metros — fez 17,16 metros — que garantiam passagem direta à disputa pelas medalhas. O outro foi o norte-americano Salif Mane.
Em Tóquio, Zango, do Burquina Faso, foi bronze. Na altura, fez 17,47 metros, marca que lhe permitiu conquistar a primeira e única medalha da história do seu país.
Agora, Zango só pensa “em descansar” até à final. Questionado sobre quanto será preciso saltar para repetir um pódio, o burquinense diz que “não são os adversários que importam”, mas sim ele próprio. “O importante é estar no melhor de mim”, garante.
Numa competição profundamente cubana, o cubano Lazaro Martínez, 11.º melhor na qualificação e prata nos Mundiais de 2023, também não quer “falar das marcas dos outros”. Discurso mais ambicioso tem Andy Díaz Hernández, natural de Cuba que representa Itália desde 2023, que assegura que “não veio só para participar”. Foi o 12.º melhor na qualificação, o que significa que ficou com o derradeiro lugar para estar na final.
Uma das atrações desta prova é Jaydon Hibbert. O jamaicano, de 19 anos, é visto como uma uma espécie de fenómeno do triplo salto no seu país, um dos mais apaixonados pelo atletismo. Foi o 6.º melhor da qualificação, mas, confiante, diz que consegue “saltar mais longe” do que os 16,99 que fez.
Há, aqui, uma partida de póquer, tentavas de bluff, um jogo de sombras e nuances. Pichardo não fala, os outros falam, mas tentam esconder a mão.
O mais leve e sorridente de todos é mesmo Connor Murphy, australiano dono de um belo bigode que estava “radiante” por ter sido a surpresa da qualificação, chegando à final com o 10.º melhor salto. “Uau, nem eu esperava isto”, exclamou.