
Viktor Onopko, Paulo Bento, o malogrado Peter Dubrovsky. Dos registos da explosão da La Liga, nos anos 90, também fazem parte nomes que não nos saíram da memória, figuras que podem não ser históricas, mas foram marcantes num tempo em que o futebol se fazia noutras latitudes.
Lá em cima, nas Astúrias, havia um clube que equipava de azul e que se aguentava estoicamente numa primeira divisão onde já brilhavam Ronaldo, Raúl, Figo, depois Rivaldo. Os anos 90 não terão sido o período dourado de uma equipa que, reza a lenda, jogava um futebol de ataque muito à frente do seu tempo antes da Guerra Civil carregar de bombas a cidade de Oviedo e levar ao exílio muitos dos seus melhores jogadores. Mas foi nessa década que o Real Oviedo se manteve mais tempo entre a elite, 13 épocas consecutivas, com uma presença na Taça UEFA pelo meio.
A descida de divisão, no final de 2000/01, seria o início não de um momentâneo soluço, como se esperava, mas de uma longa presença nas catacumbas das divisões inferiores do futebol espanhol, com problemas financeiros e várias ameaças de extinção. E uma sobrevivência que só foi possível graças à união de adeptos apaixonados, que nunca deixaram o clube cair.
Agora, 24 anos depois, as camisolas azuis do Real Oviedo estão de regresso à La Liga. De forma heróica e sofrida, como foi, até agora, este século XXI dos carbayones, num play-off agónico que só se resolveu no prolongamento.
Depois de uma derrota por 1-0 no primeiro jogo frente ao Mirandés, que tentava uma primeira presença na primeira divisão, o Oviedo viu-se mais uma vez em desvantagem logo aos 16 minutos do jogo da 2.ª mão. Apareceu então uma das lendas locais, Santi Cazorla. Há dois anos, o internacional espanhol, duas vezes campeão da Europa por seleções, com passagens pelo Arsenal e Villarreal, asturiano e forjado na prolífica cantera do Oviedo, voltou a casa a receber o salário mínimo na segunda divisão. “Jogaria de graça, mas não é permitido”, confessou numa entrevista ao “Guardian” o médio que ao longo da carreira viveu um calvário de lesões graves, com 12 operações, e esteve mesmo em risco de ficar sem uma perna em 2017 por causa de uma infeção no tendão de Aquiles, antes de um regresso aos relvados só ao alcance dos mais bravos.
Agora, já entrado nos 40, na segunda época em casa, está presente no momento mais doce das duas últimas décadas da sua equipa de menino. Foi dele o golo do empate, da marca dos 11 metros, que deu o mote para a recuperação. Ilyas Charia faria o 2-1 na 2.ª parte, que deixou o play-off empatado, e já no prolongamento Francisco Portillo completou a reviravolta.
Há um ano, o Real Oviedo já tinha estado perto da subida, mas caiu frente ao Espanyol depois de ganhar a 1.ª mão. Agora a cambalhota esteve do lado azul. E o Estádio Carlos Tartiere explodiu de festa, com a multidão a invadir o campo para festejar com os seus jogadores.
"Volveremos"
“Cortei-me e o meu sangue sai azul, desde o dia em que o meu pai me levou ao Carlos Tartiere. Vamos voltar à primeira divisão, porque merecemos”. Assim canta Melendi, uma das maiores estrelas da música espanhola, nascido em Oviedo, antigo colega de escola do piloto Fernando Alonso (que estava no sábado nas bancadas) e ex-jogador das camadas jovens do Real Oviedo.
Volveremos é o hino não-oficial do Oviedo, criado em 2006 em plena crise financeira e de resultados do clube, que só sobreviveu pela força dos seus adeptos. A descida de divisão, em 2001, destapou uma enorme dívida. Em 2003, a nova despromoção desportiva uniu-se também outra administrativa, por salários em atraso. O histórico Oviedo via-se no 4.º escalão do futebol espanhol e só o apoio dos mais fiéis adeptos, que não raramente colocavam 25 mil pessoas no Estádio Carlos Tartiere, evitou o fim.
Quando escreveu Volveremos, Melendi ofereceu os direitos da canção ao clube e fez um concerto cujos fundos reverteram também para a sua equipa do coração. Toda a ajuda era importante e necessária. Mas seis anos depois, o Oviedo voltou a estar perto de fechar portas. Mais uma vez, foram os adeptos a chegarem-se à frente, comprando ações do clube. Entre esses adeptos estavam Santi Cazorla, Juan Mata, o ex-FC Porto Adrián ou Michu, todos eles futebolistas criados nas camadas jovens do Oviedo e que não puderam viver os momentos de maior glória da equipa na primeira divisão. A injeção de mais 2,5 milhões de euros por parte de Carlos Slim, o mexicano que era então o homem mais rico do mundo, fizeram o resto para evitar a bancarrota e o clube continuou à tona.
Daí para cá viveu-se o processo de recuperação em curso do Oviedo, que voltou à segunda divisão em 2015/16 e, agora, já parte do Grupo Pachuca, que detém o Pachuca e o Club León no México, regressa à companhia dos gigantes espanhóis, liderados pelo coração de Cazorla e no banco por Veljko Paunovic, antigo jogador do clube, que assumiu a equipa apenas em março, quando faltavam dez jornadas para o final, levando-o de 6.º para o 3.º lugar.
Curiosamente, o sérvio estava na equipa que desceu em 2001. “Tinha uma espinha cravada há 24 anos”, confessou o técnico no final do jogo. Redimiu-se da forma mais épica possível.