
Do Porto para Nova Jérsei, a folia e a vertigem da noite de São João viajaram sem esforços para travar ou se conter. No final, já quase às 4 da manhã deste lado do Atlântico, as cenas na ponta oposta do oceano pareciam não o retrato da conclusão de um encontro de futebol, mas o final de uma batalha, cheia de corpos deitados, exaustos, com nada mais no corpo para oferecer.
Com as marcas do calor e da humidade escorrendo pela face, FC Porto e Ah Ahly assinavam um 4-4 que deixava ambos fora do Mundial de Clubes. Não foi bem um combate épico, até porque nunca, em momento algum da noite quente do MetLife Stadium, dragões ou egípcios estiveram em zona de apuramento, foi mais um sprint misturado com maratona, uma corrida de velocidade em que se testou quem tinha mais resistência. Nenhum saiu por cima.
Só ganhar interessava ao FC Porto, mas em momento algum deste jogo de oito golos os azuis e brancos lideraram o marcador. O grupo é vencido pelo Palmeiras, que empatou a dois com o Inter Miami, saindo os Dragões dos States sem vitórias.
Foi novo desafio em que o coletivo de Anselmi assentou em bases frágeis. O argentino voltou a mudar, apostando em Namaso (durou uma parte), encostando Fábio Vieira à direita, estreando William Gomes a titular (marcou, foi dos melhores do FC Porto, foi vítima do vício de substituir do técnico, que o tirou aos 68'). Tudo nesta equipa dura pouco, é efémero, parece que é impossível ter os mesmos onze em campo durante períodos prolongados.
Nos minutos finais, não foi bem futebol que se viu. Foi uma sucessão de correrias, de descontrolo total, de jogo a fugir a qualquer intenção tática. Houve 40 remates realizados, 19 deles enquadrados com as balizas. A última imagem do FC Porto no torneio é um coletivo sem processos comuns, quase cada um por si, pedindo aos 38 anos de Marcano que fossem salvando cada ataque em superioridade numérica do Al Ahly. Pode parecer estranho, mas os egípcios marcaram quatro golos sendo altamente perdulários.
O gigante MetLife Stadium apresentava-se como uma quente cratera onde imperava o barulho dos adeptos egípcios. Os 32.ºC à hora do jogo criavam uma atmosfera de desconforto na casa dos New York Giants e dos Jets, recinto que acolherá a final do Mundial 2026. Quando foi inaugurado em 2010, ganhou o título de estádio mais caro dos EUA, graças aos mais de €1,5 mil milhões investidos para erguer este colosso de 82.500 lugares.
Com uma t-shirt com cores que até faziam lembrar as tonalidades corporate deste torneio, Martín Anselmi rapidamente se tornou a imagem da inquietude do FC Porto no desafio. Com manchas do calor na roupa, o argentino esperneava e gesticulava, tentava passar mensagens como quem tenta gerir, sem êxito, as filas num festival de verão. Como habitual quando não corre bem, o palavroso homem tornou-se pouco amigo da palavra após o final do jogo, fintando questões sobre o futuro. À medida que os egípcios se iam lançando em ataques rápidos, aproveitando a pouca precisão da posse de bola dos dragões, lá se agitava Martín na linha lateral, procurando parar, à base de gritos, as investidas dos 12 vezes campeões africanos.
O FC Porto passou largos minutos a correr para trás, como se estivesse num exercício em que tinha de reagir constantemente a transições do Al Ahly. Aos 15’, um desses momentos deu o 1-0: Namaso tocou para Eustáquio, mas um desajuste na entrega deu a bola para Fathy, que conduziu até entregar em Abou Ali, o irrequieto e energético palestiniano que lidera o ataque do clube que tem em Manuel José um dos seus maiores ídolos. Remate cruzado, 1-0, primeiro momento de glória para o ponta de lança.
A resposta veio na forma do melhor momento do grande talento do FC Porto na competição. Rodrigo Mora teve espaço aos 23', conseguindo-se isolar. Na área, o adolescente foi mestre em fabricar-se tempo e espaço, em ter metros e segundos quando estes escasseiam. Fintou o guarda-redes e empatou.
A igualdade não estabilizou o jogo do FC Porto. As ações pareciam suceder-se sem o mínimo condicionamento, os ataques dos homens de vermelho fugiam a qualquer esboço de controlo. Já depois de várias ameaças, o 2-1 chegou em cima do intervalo, através de um penálti de Abou Ali.
William Gomes estreou-se a titular pelo FC Porto e mostrou arrojo, qualidade na finta, uma muito bem-vinda frescura no drible, qualidades que tornam estranho que só agora tenha realizado mais do que 33 minutos num encontro pelo clube. Fez o 2-2 aos 50', abrindo três minutos em que cada jogada terminava em golo. Abou Ali fez o 3-2 na ação seguinte, Samu voltou a empatar aos 53'.
Martín Anselmi pedia cabeça aos seus homens. Fazia-o gritando desalmadamente, gesticulando para todo o lado, com a roupa com as marcas do calor e a face com a expressão do nervosismo.
O Al Ahly, um gigante com uma enorme massa social num país fanático por futebol com 110 milhões de habitantes, foi constantemente um perigo para Cláudio Ramos. Aos 64', uma bela finalização de Ben Romdhane recolocou os egípcios na frente.
Já com Anselmi a lançar vários substitutos, a parte final do duelo acrescentou novas camadas de caos e descontrolo. O FC Porto decidiu não defender, o Al Ahly decidiu ir desaproveitando oportunidades flagrantes para marcar, num pacto para que muito contribuíram Cláudio Ramos e Marcano (diga-se que não é um grande sinal para o futuro que os dois melhores jogadores da equipa neste Mundial de Clubes tenham sido o guarda-redes suplente e o central de 38 anos que esteve ano e meio parado).
Pepê resolveu sair do seu apagão para fazer o 4-4 aos 89'. Nos descontos, com o Inter-Palmeiras já terminado e ambos eliminados, havia mais espaço para jogar do que cadeiras vazias — foram mais de 40 mil — em Nova Jérsia. O calor húmido do São João do lado de lá do Atlântico toldava o discernimento, corria-se para um lado, corria-se para o outro, um egípcio falhava uma situação de quatro para três, Gonçalo Borges ou Samu desperdiçavam uma chance promissora.
No final, a madrugada de visionamento para quem estava deste lado do oceano foi entretida, repleta de incidências festivas. Não foi épico, mas terminou com corpos exaustos a povoarem o relvado. A festa de golos pode dar um toque peculiar e pouco comum à eliminação do FC Porto, mas não deve apagar as fragilidades repetidas de uma equipa que vive, quase sempre, sem controlo do seu próprio destino.