A zona mista do enorme pavilhão onde decorrem as provas de natação é debaixo das bancadas de imprensa. Quem acaba de fazer a sua prova sai da água, entra num túnel e depois chega a um corredor onde uma pequena barreira separa jornalistas de protagonistas.

É esse pequeno espaço que se torna ainda mais pequeno quando Katie Ledecky se prepara para chegar. Os últimos minutos de ação na piscina foram quase uma prova a solo da norte-americana, tal a distância a que, nas eliminatórias dos 1.500 metros livres, as suas adversárias ficaram. No seu heat, a mais próxima, a chinesa Li Binjie ficou a uns longínquos 18 segundos.

Depois de, sem esforço aparente, alcançar as meias-finais dando quase uma piscina de avanço às concorrentes, Ledekcy chega à zona mista. É a única nadadora ou nadador de toda a manhã para quem há regras especiais neste local: utiliza um microfone para falar, não sendo assim preciso que os jornalistas se acotovelem; os responsáveis de imprensa do pavilhão dedicam-lhe um canto especial no corredor, anunciando previamente que seria ali que ela falaria; há um assessor da equipa de natação colado a ela, dizendo “two more questions”, “one more”, como se fosse a contagem decrescente para acabar o tempo de lançar no basquetebol.

Mas a Katie Ledecky não se impõem regras. A quem ganhou sete ouros em Jogos e 21 em Mundiais, o máximo para uma nadadora, não se diz o sobre o que pode ou não falar.

E então, quando um jornalista pergunta por um dos temas do momento em Paris, as suspeitas de doping em torno dos nadadores chineses, o assessor começa a esboçar um “Vamo-nos manter a falar sobre…” quando é interrompido.

“Não”, diz Katie.

“Tenho lido as notícias. Já fui muito clara, sem qualquer dúvida mantenho tudo o que já disse”, atira Ledecky.

John Walton - PA Images/Getty

Em abril, soube-se que 23 nadadores chineses deram positivo a trimetazidine meses antes dos Jogos de Tóquio. No entanto, a agência mundial anti-dopagem permitiu-lhes que competissem nos Jogos do Japão, há três anos, aceitando a explicação dada pelos chineses, que se defenderam dizendo que os nadadores foram contaminados pelo que comeram num hotel.

Cinco desses atletas venceram medalhas em 2021 e 11 deles estão em competição nestes Jogos. Mesmo antes do arranque das provas em Paris, soube-se que o Comité Olímpico Internacional atribuiu os Jogos Olímpicos de Inverno, de 2034, a Salt Lake City, mas com uma condição: que os responsáveis dessa organização convencessem o governo dos EUA a instar o FBI a terminar com uma investigação quanto às alegações de doping contra a China.

Antes da cerimónia de abertura dos Jogos, Ledecky pediu que houvesse uma “competição limpa”, votos que voltou a expressar. “Terão eles [chineses] estado a treinar limpos? Espero que sim, espero que os testes sejam iguais em todo o mundo. É o que todos os atletas pensam. Queremos transparência”. É esta mensagem que Ledecky volta a passar, ao quarto dia oficial de Jogos.

Diz-se que os parisienses não gostam de arranhas-céus. Mas, no bairro de negócios de La Défense, abrem-se algumas exceções. Talvez não contem verdadeiramente como arranha-céus, mas na zona onde está o pavilhão da natação nestes Jogos, habitual casa do Racing 92 de râguebi, há grandes prédios cheios de grandes empresas, universidades internacionais, um ambiente mais londrino ou nova-iorquino que puramente parisiense.

Neste espaço, onde o público local grita e aclama e adora León Marchand, candidato a nova estrela maior do desporto francês, ninguém gera o que Katie Ledecky causa. Os jornalistas que a seguem, os telefones apontados para ela quando se aproxima da piscina.

Muitos dos norte-americanos nas bancadas têm merchandising dedicado à nadadora de 27 anos. Um dos voluntários da piscina, quebrando o protocolo, pede-lhe, numa das pontas da zona mista, uma fotografia. Katie sorri e acede à selfie.

FRANCOIS-XAVIER MARIT/Getty

Ledecky está de volta à piscina depois de dois dias sem provas. Aproveitou para “dormir, comer bem e descansar”, diz. A face tensa que aplicou quando falou sobre a questão do doping, limpando a cara à toalha antes de falar, medindo as palavras, transforma-se quando, com leveza, aborda outros temas.

Nos 400 metros livres, Ledecky foi bronze, ficando atrás de Summer McIntosh e Ariarne Titmus. Foi a sua 11.ª medalha olímpica. É, agora, favorita a mais duas, primeiros nos 1.500 metros livres, depois nos 800 metros livres femininos, que começam na sexta-feira.

Entre uma imensidão de jornalistas, atraindo mais olhares do que qualquer outro nadador ou nadadora nesta manhã aquática, Katie é questionada sobre a também muito falada lentidão desta piscina, preferindo desvalorizar o tema: “Estamos aqui para correr. Somos todas nadadoras rápidas, nós é que fazemos a piscina rápida ou lenta. Não me vou queixar disso”, apontou.

Enquanto Ledecky falava, várias outras nadadoras passaram, parecendo isso importar a ninguém que ali estava. Para ela, estes Jogos, além de uma oportunidade de eternizar ainda mais o seu nome na história do desporto, são uma “boa chance para rever muitos amigos de Stanford”, universidade-viveiro de atletas olímpicos onde Katie se licenciou em psicologia da arte, com um minor em ciência política.