Após um jejum de quatro temporadas, a Oliveirense voltou aos títulos, no domingo, com a conquista da sua quinta Taça Hugo dos Santos em seis finais, ao derrotar o FC Porto (83-78) no jogo do título. Nos três dias antes eliminara Sporting e Ovarense, mas o treinador João Figueiredo deixa o alerta que esta não é a realidade.

— Depois do banho que os jogadores lhe deram, da festa que houve da equipa em campo e mais tarde em Oliveira de Azeméis com os adeptos, foi fácil acalmar ao final da noite e dormir?

— Fiquei quase sem voz. Mas sim, que ficasse sem voz se todas as vezes terminassem desta maneira. No entanto, ainda não foi esta noite que tive o retorno à calma e ao sono. Basicamente, já são quatro noites a dormir muito pouco. Espero que a próxima seja a do retorno à normalidade e volte a conseguir dormir em condições.

— Os quatro dias da Taça foram muito intensos?

— Bastante intensos. Três encontros, todos eles exigentes. Preparar os jogos, delinear as estratégias, escolher duas, três, quatro ideias que fossem ajustadas e lógicas contra cada adversário que enfrentamos. e depois há sempre muita tensão. Muito estado de alerta, o que provoca insónias e noites mal dormidas.

Os jogadores têm todo o mérito nisto. A determinação e o foco que conseguiram colocar em todos os jogos, naquilo que eram as ideias e o que elas implicam, também foi determinante

— E particularmente na final, contra o FC Porto, há um momento, no arranque do 2.º quarto, em que as coisas mudaram. Nunca mais ficaram em desvantagem. Tirando uma ou outra situação, conseguiram ter o ritmo do jogo e implantar o que queriam. O que fez a diferença?

— Acho que não existe só um fator, mas diversos. Um, que para nós foi claro, foi termos conseguido estar mais frescos do que o FC Porto. Os nossos [principais] jogadores tiveram, durante os três jogos, menos minutos do que os do FC Porto. Isso pareceu-me notório. Até pela forma como gerimos todos os jogos. Mas é também assim durante a época, não fizemos nada de anormal naquilo que é a habitual gestão dos jogadores. Depois, os jogadores têm todo o mérito nisto. A determinação e o foco que conseguiram colocar em todos os jogos, naquilo que eram as ideias e o que elas implicam, também foi determinante.

Voltámos a ter percentagens altas nos lançamentos de três, que é uma característica nossa em todas as competições. Somos a equipa com maior percentagem de triplos

E existiu igualmente alguma felicidade quando tivemos maiores dificuldades para colocar a bola no cesto. Alguns ressaltos ofensivos, tiros semicontestados que acabaram por entrar. Mas voltámos a ter percentagens altas nos lançamentos de três, que é uma característica nossa em todas as competições. Somos a equipa com maior percentagem de triplos, só que contra o FC Porto foi elevadíssima na 1.ª parte [8/12, 66%]. Portanto, estes três fatores podem definir, mais ou menos, a nossa prestação na Taça Hugo do Santos.

Os princípios defensivos não mudam, estão lá. O que pode alterar é uma ou outra forma de ajustamento àquilo que são os adversários. Mas os princípios, as bases, não mudam

— Onde estava aquele foco e agressividade defensiva, mais dura, que surpreendeu o FC Porto, que é quem acostuma aplicar essa atitude? Onde é que tem estado isso durante a época, porque nem sempre apareceu? Nestes dias, o grupo realmente focou-se muito em tudo o que tinha a fazer extra?

— Temos os nossos conteúdos e ideias defensivas trabalhadas durante todo o ano. Os princípios defensivos não mudam, estão lá. O que pode alterar é uma ou outra forma de ajustamento àquilo que são os adversários. Mas os princípios, as bases, não mudam. Claro que, consoante um ou outro conceito, fazemos ajustamentos. Como é óbvio, nestas competições de Taças, em que é um jogo a eliminar, as equipas que são underdog [não favoritas] e trabalham bem podem trazer alguma vantagem e surpreender. Foi o caso.

Da mesma forma que, por vezes, no campeonato, os jogadores, infelizmente para os treinadores, iniciam os jogos desconcentrados, não cumprindo as regras. Numas ocasiões é por mérito do adversário, noutras por demérito nosso. Às vezes achamos que vamos ganhar um determinado jogo fácil e relaxamos... Ou seja, quando não somos favoritos nestas competições, por norma, é mais fácil acontecer aos outros do que a nós. Acho eu...

Vamos ter de dar, pelo menos, dois dias de folga. Depois, o primeiro treino, por norma, é um mau treino.

— E agora, a dificuldade vai ser transportar este nível a que a equipa atuou para o play-off?

— Agora temos um problema, que é a eliminatória à melhor três [contra a Ovarense]. Foram três partidas exigentes [Sporting, Ovarense, FC Porto] e vamos ter de folgar. Infelizmente, não podemos só dar um dia de descanso aos jogadores, até porque o de hoje não existiu porque, ontem, prolongámos o final do jogo um bocadinho e os jogadores também o fizeram. Vamos ter que dar, pelo menos, dois dias de folga. Depois, o primeiro treino, por norma, é um mau treino. E, por fim, esta conquista pode ter sempre aquele efeito nos jogadores de algum relaxe e não enfrentarem o próximo encontro com a tensão e foco máximo como na Taça Hugo do Santos, o que nos pode ser prejudicial. Começamos a eliminatória em casa e é muito importante, numa série supercompetitiva, garantimos, pelo menos, que o Jogo 3 seja em casa. Por isso não convém perder o primeiro encontro.

Por vezes, as pessoas acham que estamos no mesmo nível dos três grandes e não é verdade.

— É o primeiro título da Oliveirense desde que conquistara a Taça Hugo de Santos em 2019/20, ainda com o Norberto Alves [atual treinador do Benfica]. Foi difícil suceder-lhe devido ao nível de conquistas que tinha deixado o clube?

- Sim. No passado recente, a Oliveirense foi bicampeã da Liga [2017/18, 2018/19]. Além disso, ganhou a Taça Hugo dos Santos em 2018/19 e 2019/20 e creio que mais uma Supertaça [2018]. É um percurso de títulos e conquistas que identifica o clube dessa forma. Depois, com o passar do tempo e as alterações das condições, da própria competição e face ao aparecimento do Sporting, assim como aquilo que é hoje a realidade do clube — que nada tem a ver com a de há uns anos — foi difícil. Por vezes, as pessoas acham que estamos no mesmo nível dos três grandes e não é verdade.

Ontem, felizmente, conquistámos mais um troféu, mas a realidade já não é a mesma.

Apesar de tudo, desde que estou no clube, temos sido consistentes em quase todas as competições, garantimos quase sempre os quatro primeiros lugares na fase regular e estamos quase sempre nos momentos altos da época. Mas, agora com os orçamentos a serem publicados, os adeptos e toda a gente consegue ainda mais perceber as diferenças. Mas sim, é difícil. Trata-se de um clube que tem no seu ADN conquistas, que quer continuar a ganhar. Ontem, felizmente, conquistámos mais um troféu, mas a realidade já não é a mesma.

As condições têm-se deteriorado um pouco e aquilo que era uma determinada diferença para os grandes tem vindo a aumentar todos os anos

— Acredita que esta conquista possa ajudar a mudar essa realidade e voltar a elevar o nível?

— Espero que sim, que esta Taça não seja um equívoco, no sentido de acharmos que estamos num determinado nível, que não estamos, e que sirva para que o clube possa refletir um pouco daquilo que quer ser na competição nos próximos anos. Infelizmente, as condições têm-se deteriorado um pouco e aquilo que era uma determinada diferença para os grandes tem vindo a aumentar todos os anos. A vantagem que tínhamos em relação às equipas que, por norma, ficavam abaixo de nós na tabela classificativa, já não é notória.

Se estou no basquete devo-o muito à minha mãe. Sempre me permitiu tomar estas decisões, às vezes um pouco contra resoluções de jovens da minha idade e sempre me deu muita liberdade para ir trilhando o meu caminho.

Nomeadamente no recrutamento dos estrangeiros, onde existem clubes que, por vezes, têm elementos  que até gostaria de ter, mas em muitos casos não conseguimos ter capacidade financeira para o fazer. Como referi, o clube deve perceber o que é que quer daqui para a frente e que esta Taça sirva para isso. Para crescermos novamente ou tentar traçar um percurso de crescimento e forma a que a equipa se torne mais competitiva todos os anos e que saia um pouco desta fase em que estamos, se calhar, adormecidos.

— Após ter ganho a final, revelou que a sua mãe [Maria Augusta] havia falecido no ano passado e que a vitória era especial porque vencia no Dia da Mãe. Foi algo em que já tinha pensado naquele dia, ou nos anteriores, que tinha a hipótese de conquistar um título no Dia da Mãe e que isso era importante para si?

— Sim, acho que foi. Se estou no basquete devo-o muito à minha mãe. Sempre me permitiu tomar estas decisões, às vezes um pouco contra resoluções de jovens da minha idade e sempre me deu muita liberdade para ir trilhando o meu caminho. Apoiou-me muito nas minhas decisões e muitas delas, se calhar, mal tomadas. Mas nunca deixou de lá estar para me permitir ter essa liberdade. Devo-lhe muito ter sido jogador e ser treinador. O ano passado foi de facto complicado, foi complexo assistir àquele processo [da doença] e, ao mesmo tempo, ter de ter energia suficiente para continuar a trabalhar todos os dias. Foi difícil. Depois da vitória face ao Sporting [play-off para a Final Four, na quinta-feira] fiquei convicto que poderíamos ganhar esta Taça. A forma como estávamos a jogar e a competir fez-me acreditar que podíamos vencer a Taça no Dia da Mãe

Se calhar senti-me o melhor da minha aldeia, por um momento. Senti que o trabalho que desenvolvemos e tudo aquilo que dedicamos à profissão, mais tarde ou mais cedo, é recompensado.

— Da última vez que o entrevistei, ainda que o tenha referido noutro contexto, afirmou que: «em Portugal é preferível ser o maior da minha aldeia do que ser o segundo dos melhores do mundo». Que isso é um bocado a cultura que existe e não só no desporto. Ontem sentiu-se o melhor do mundo?

— [risos] Não, não... Se calhar senti-me o melhor da minha aldeia, por um momento. Senti que o trabalho que desenvolvemos e tudo aquilo que dedicamos à profissão, mais tarde ou mais cedo, é recompensado. Aos jogadores, ao clube, ao contexto onde estamos e a nós mesmos. Foi o que aconteceu, foi a recompensa deste trabalho ao longo dos anos, da consistência. Quando chegamos às taças achamos que é aí que podemos ganhar qualquer coisa. Na época passada tivemos algum azar, fomos à Taça Hugo dos Santos com alguns lesionados e acabámos eliminados pelo FC Porto na meia-final. Desta vez apresentamo-nos com outros índices físicos. Senti-me recompensado por estes anos de trabalho.

A Taça é para eles, para os sócios, para aqueles com quem também trabalhamos todos os dias e para os patrocinadores

- A chegada a Oliveira de Azeméis foi em festa?

- É verdade, fomos recebidos em festa com os nossos adeptos a apoiar-nos, como sempre. Fizemos uma pequena celebração no pavilhão, e agradecemos muito o apoio que nos têm dado, em casa e fora. A Taça é para eles, para os sócios, para aqueles com quem também trabalhamos todos os dias e para os patrocinadores. Sem todos o clube não existia.