
João Almeida foi domingo surpreendido por um ataque decisivo de Jonas Vingegaard no início da subida final, ainda a 11 quilómetros da meta, da 9.ª etapa da Volta a Espanha em Valdezcaray, quando já estava sozinho. As suas declarações no final da etapa deixaram antever uma equipa que, partindo com dois líderes, ele e Juan Ayuso, está agora um pouco fraturada.
«Foi um ataque de surpresa bastante inesperado, não é? Depois de tudo seria fácil, se calhar, fazer decisões diferentes naquela altura. Mas o ciclismo é assim e faz parte. Demos o nosso melhor e acho que salvámos o dia, entre aspas, portanto estamos satisfeitos», recordou em videoconferência com a imprensa portuguesa em dia de descanso.
O corredor português queixou-se de falta de apoio no final, em que teve de ir sozinho atrás do dinamarquês. Já com a cabeça fria, reconheceu que, para vencer a corrida, precisa de uma equipa mais unida, e acabou por encontrar colegas para elogiar.
«Sim, claramente sem equipa em redor, ninguém ganha, não é? Mesmo a melhor atleta da corrida. Também, na altura, as coisas saem assim mais de cabeça quente. Acho que a minha equipa esteve muito bem, protegeu-me o meu dia todo, mesmo na altura que a fuga se esteve a formar. Se calhar naquela altura do ataque não estivemos no nosso melhor. Mas tive um Jay Vine incrível, mesmo depois de estar o dia todo a trabalhar e também a tentar ir para a fuga deu-me ali uma bela de ajuda. Mas depois tive de ser eu a tomar as rédias, por assim dizer. Mas, pronto, foi o que conseguimos fazer e demos o nosso melhor. Acabamos por salvar o dia e não perder muito tempo, como todos os outros adversários quase perderam. O Vingegaard esteve mais forte e pedalou aqueles 11 quilómetros sozinho muito rápido. Temos de lhe dar valor também», explicou, recusando que a UAE esteja dispersa, com demasiados objetivos: «Por exemplo, o Jay [Vine] tem o foco nas etapas que não são muito importantes [para a geral]. E há sempre a possibilidade de descair da fuga para me ajudar, se for necessário. Não posso falar de todos, mas no geral a equipa tem estado bastante bem. E o objetivo é claro.»
João Almeida falou do ambiente ao jantar - «Aos que fazem um bom trabalho eu faço sempre questão de dizer obrigado e dizer que fizeram um trabalho excelente. Como já disse, eles trabalharam muito bem durante o dia todo. Se calhar faltou só um pontinho naquela altura. Agradeço sempre aos meus colegas pelo trabalho que fazem por mim», - mas foi mais breve ao descrever a mensagem do diretor de equipa na noite de domingo: «Não há muito o que possa dizer. Mas temos de dar os parabéns a quem fez um bom trabalho, obviamente. E as coisas que não foram tão bem feitas já poderiam ter sido diferentes. Também temos de mencioná-las e discutir o assunto. É isso que fazemos todos os dias, todas as etapas. Fazemos sempre um balanço de como é que correu o dia, o que é que fizemos bem, o que é que fizemos mal. E passar à frente a página e focar nos próximos objetivos.»
Porém, o que ficou evidente é que o português gostaria de ter tido mais apoio no ataque do dinamarquês... e especificamente de Ayuso. «Sim, nos últimos 7 quilómetros só havia eu e mais dois, já ninguém estava lá. Acho que a única altura que poderia ter tido alguma ajuda foi naquela parte inicial onde a Visma atacou em grupo. Era difícil reagir. Aí sim podia ter tido alguém que pudesse ajudar. Se calhar se o Ayuso estivesse ali poderia ser um dos poucos que poderia fazer o trabalho de fechar aquele espaço. Porque para fechar o espaço tem de se ser forte e mais forte do que o que está na frente. E quem está na frente é quem ganhou a Volta a França já duas vezes. Tem de ser alguém muito bom mesmo. No lugar dele, se eu tivesse essa capacidade para entrar lá tentaria, obviamente. Os últimos 7 km já íamos muito poucos. E quem conseguisse fazer isso é porque seria tão forte como eu ou mais forte e seria o líder, ou seja, não seria eu», notou.
«Agora só temos um líder, que sou eu»
Ainda nesse tema, foi questionado sobre se fez sentido que a equipa partisse para a volta com dois líderes, ele e Ayuso, sendo que o espanhol pouco tem feito para o ajudar: «Taticamente é sempre uma vantagem. À partida fazia sentido. Mas eventualmente percebemos que não, e agora só temos um, que sou eu.»
Terceiro classificado da Vuelta, disse estar satisfeito com o que desempenhou até ao momento, tendo em conta a fratura de costela que sofreu na volta a França, e concedeu que ainda lhe falta muito para ser um líder claro como Tadej Pogacar.
«O Pogacar é um corredor que dá muito mais garantias. E que obviamente tem uma capacidade superior à minha, portanto, acho que é um bocadinho diferente. Por exemplo, aqui na Vuelta sabemos que o Vingegaard é um corredor superior e que dá uma maior garantia de ganhar a Volta à Espanha do que eu. Embora eu saiba que estou na luta e sei o meu valor. A equipa não pode fazer exatamente o mesmo comigo e com o Tadej», reconheceu.
Voltando às estratégias da equipa, ainda defendeu Carlos Soler, o companheiro que está mais perto dele na classificação, em 12.º, que a certa altura pareceu atacar atrás: «Sim, ele estava só a fechar o espaço para um grupo que estava à frente dele. Também não é muito preocupante. O Soler é um bom corredor e um bom colega de equipa. Às vezes pode não parecer, mas as ideias são boas. Já no outro dia ele atacou ali a faltar um quilómetro para o final, mas foi tudo combinado. São coisas meio táticas, ce calhar quem está em casa pensa que é de má-fé e que há outras intenções. O que não é verdade.»
Depois de 9 etapas, qual é o balanço da Volta à Espanha até agora?«Tem sido excelente, sinceramente. Temos de ter sempre tudo em consideração e em contexto. O último mês foi um bocadinho mais difícil depois da minha queda no Tour e de ter fraturado a costela, chegava um bocadinho mais incerto da forma que estava. Mas acho que tem sido bastante bom. Tenho estado bem em todas as etapas. Chegadas em alto, contrarrelógio por equipas. E ainda falta muito Volta, o mais duro ainda está por vir», considerou.
Tem sido excelente. Tenho estado bem em todas as etapas. Chegadas em alto, contrarrelógio por equipas. E ainda falta muito Volta
A verdade é que ainda falta muito e João está a 1m15 segundos de Vingegaard. «Terça-feira temos uma etapa de chegada em alto, também é dura. Depois temos a etapa do dia seguinte em Bilbao, que também é traiçoeira - no perfil não parece, mas é um terreno muito duro. Depois temos o Angliru, dia seguinte também. Aqui não há grande segredo, é só ter pernas e força para ganhar tempo na estrada. Não há assim muito mais que se possa fazer, infelizmente, é só pernas e força bruta, como se costuma dizer (risos).»
Aqui não há grande segredo, é só ter pernas e força para ganhar tempo na estrada