A época 2025/26 vai marcar de forma histórica o Aparecida. O clube de uma pequena freguesia do concelho de Lousada vai estrear-se nos campeonatos nacionais, depois de duas subidas consecutivas que transformaram por completo a realidade da equipa e garantiram um inédito lugar no Campeonato de Portugal.

Depois de ter vencido a AF Porto Hyundai Liga Pro na época 2024/25, somando uma segunda subida consecutiva- em 2023/24 já tinham ganho a AF Porto Divisão Honra- o Aparecida sagrou-se também vencedor da Taça AF Porto. Com 28 vitórias, nove empates e apenas quatro derrotas, a época foi exemplar, mas tudo começou na temporada anterior, num projeto que rapidamente mudou o rumo do clube.

A ascensão do clube tem assinatura clara: o treinador José Oliveira, que assumiu o comando da equipa em 2023/24, e todo o plantel que contribuiu para este feito.

O técnico e o melhor marcador da equipa, Kako, estiveram à conversa com o zerozero e falaram das duas últimas épocas nas distritais e do futuro do clube.

2023/24: primeira época de José Oliveira ao comando

José Oliveira, que assumiu o clube em 2023/24, após uma má época que culminou na despromoção à AF Porto Divisão de Honra em 2022/23, conseguiu o impensável: devolver o clube ao patamar mais alto da AF Porto e, de seguida, conduzi-lo pela primeira vez na história aos campeonatos nacionais.

José Oliveira
Aparecida [ ]
Total

80 Jogos
63 Vitórias
11 Empates
6 Derrotas

230 Golos
74 Golos sofridos

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A primeira época no clube foi praticamente perfeita: 35 vitórias, dois empates e apenas duas derrotas. O Aparecida subiu à Hyundai Liga Pro da AF Porto, após vencer de forma absolutamente dominante a Divisão de Honra. Mas não foi só a subida que marcou o clube, foi também a forma como foi conquistada. O treinador recordou um jogo onde o empate deixou um sabor agridoce.

«Conseguimos fazer algo memorável. Em 30 jornadas conseguimos ganhar 29 jogos e apenas empatámos um, onde estivemos reduzidos a nove elementos e tivemos dois golos anulados. Foi um jogo com uma história muito triste para nós, porque queríamos fazer o pleno, os 30 jogos, 30 vitórias. Mesmo assim, batemos recordes. Mais vitórias, mais golos marcados, menos golos sofridos, maior série de vitórias consecutivas. Isso dava-nos motivação. No final da época, o título de campeão foi a cereja no topo do bolo para aquilo que eram os objetivos de subir de divisão e sermos campeões», salientou.

Do lado dos jogadores, o impacto foi igualmente profundo. Kako, avançado e melhor marcador da equipa nas duas últimas temporadas, descreveu esse primeiro ano como «uma época imaculada».

«Eu cheguei a meio da temporada, já com o clube numa posição muito confortável. O mister acreditava que ainda poderia ajudar o clube, mas cheguei a um clube muito estável. Aliás, o clube mais estável onde já trabalhei. É um clube muito sério. A instituição, os jogadores, a equipa técnica e, mesmo a direção, estavam todos muito tranquilos. A equipa também estava a fazer um campeonato imaculado, por isso cheguei numa altura muito tranquila e muito fácil de trabalhar», afirmou.

Da Honra à Hyundai Liga Pro: a segunda subida

A época de 2024/25 foi um verdadeiro marco histórico para o clube. O Aparecida estava na Hyndai Liga Pro, e tudo apontava ser uma época para consolidar, no entanto os liderados por José Oliveira surpreenderam mais uma vez.

«Tínhamos como objetivo, que foi aquilo que a direção nos pediu, a manutenção neste campeonato, que era para não passarmos por grandes sobressaltos. Nós desafiamos a direção, desafiamos aquilo que seriam as expectativas da maior parte das equipas, que nos viam como principal equipa para descer de divisão outra vez», referiu o treinador.

Aparecida
AF Porto Hyundai Liga Pro 2024/2025
34J
22V
8E
4D
81-41G

O Aparecida selou a subida ao Campeonato de Portugal com uma reviravolta épica na última jornada: depois de falhar um penálti e de ver o Vila Meã- o seu adversário direto- vencer por 3-0, a equipa deu a volta e venceu por 4-1 o Vila FC.

«Só uma equipa como esta teria esta capacidade de resiliência. Fomos justos campeões, estivemos 28 jornadas no primeiro lugar, tivemos a maior série de vitórias e jogos sem perder. Fomos sem dúvida nenhuma a equipa que mais mereceu ganhar este campeonato», comentou o treinador de 47 anos.

Kako, ponta de lança da formação de Lousada, afirmou que perto do duelo decisivo a equipa «tinha a noção que só dependíamos de nós».

«Tínhamos capacidades para isso, como demonstramos durante o ano inteiro. Tínhamos que ser nós vencedores. Éramos os justos vencedores, depois de muito trabalho», completou.

Face à excelente exibição da equipa durante toda a época, que levou à inédita subida ao Campeonato de Portugal, Kako afirmou: «É um bocadinho inexplicável, é um feito inacreditável, com muito trabalho por trás, que não é visto pelas pessoas. Trabalho feito por toda a estrutura do clube, a começar pela direção, equipa técnica e os jogadores. É um orgulho poder fazer parte, é um orgulho conseguir também estes feitos que não foram nada fáceis».

@Aparecida Futebol Clube
Conquista da Taça: «Um mini Jamor»

Um dos pontos altos da época foi, também, a conquista da Taça AF Porto. Numa partida frente ao Nogueirense, o Aparecida mostrou-se superior e venceu por 1-2. Para José Oliveira, essa mesma conquista foi como «um mini Jamor».

«Acreditamos muito, idealizamos, tanto jogadores como equipa técnica, que queríamos alcançar a Taça, porque a Associação de Futebol do Porto faz com que esta Taça seja um mini Jamor. É uma festa incrível e bonita que faz mesmo lembrar um Jamor em tamanho reduzido», afirmou.

O momento da subida

Após dois anos de esforço e ambição, eis que finalmente soou o apito final, que carimbou a primeira presença do Aparecida nos campeonatos nacionais.

O treinador, que guiou a equipa a este marco, não escondeu a emoção ao recordar o momento em que a subida foi confirmada: «É um momento que vai ficar para sempre. Pensei em tudo, nos jogadores, na minha equipa técnica, nos meus pais e no presidente que desde o primeiro dia acreditou em mim. Sacrificámo-nos muito para chegar ali. Eu sou uma pessoa de fé e acredito que fazer o bem traz de volta o bem. Nesse momento só queria agradecer.»

Para Kako, a memória da subida permanece viva: «Eu tive um momento de emoção muito grande, quis logo festejar com a minha família e com a minha namorada que, para além da equipa, foram pessoas que me ajudaram muito durante a época e acho que também são vencedoras. Depois, festejei com os meus colegas o nosso merecido campeonato. Todos ambicionávamos para que acontecesse.»

Kako: o maior goleador da equipa

Kako
Total
Avançado
25 anos
54
Jogos
3725
Minutos
38
Golos
16
Assistências
11 0 0 2x

Se há um nome que tem estado na linha da frente desta caminhada vitoriosa, é o de Kako. O avançado de 25 anos foi decisivo nas duas épocas e os números falam por si.

Kako é sinónimo de eficácia e de golo. O jogador, que apontou 38 golos nas 54 partidas em que alinhou pelo Aparecida, foi o melhor marcador da equipa em 2023/24 e 2024/25. Com esta veia goleadora, o matador foi uma das peças fundamentais para o sucesso do clube.

«É bom e ao mesmo tempo não quer dizer nada. Viver um balneário e um ambiente positivo é a chave, para mim, enquanto jogador e para o coletivo funcionar. Só quero continuar a ajudar o clube e a contribuir para o sucesso do mesmo», revelou.

As dificuldades do futebol amador

Apesar dos êxitos em campo, o contexto do emblema lousadense nunca foi fácil. José Oliveira destacou um obstáculo recorrente: a vida profissional dos jogadores: «Alguns saem de casa às cinco ou seis horas da manhã para trabalhar na construção ou em entregas. Treinam às oito da noite, depois de sairem do trabalho às sete. Tinhamos de saber gerir todas essas dificuldades».

«Jogar futebol num contexto amador é muito complicado. Treina-se depois de um dia de trabalho, muitas vezes o dia corre mal, muitas vezes é muito cansativo, por isso acaba por ser complicado. Só mesmo o amor por jogar futebol e, também um bom ambiente no balneário e nos treinos, é que permite que uma pessoa, mesmo depois de um dia muito complicado, chegue lá e consiga treinar e ter a mesma energia que um profissional tem», completou Kako.

Mesmo com todas as dificuldades, o Aparecida venceu e convenceu, superando equipas mais estruturadas e que treinam de dia.

«Jogámos contra cidades capitais de concelho, tínhamos de ter muita força extra para ultrapassar isso. Precisávamos de jogadores honestos e sérios, que acreditavam muito naquilo que íamos pedindo», afirmou o técnico.

José Oliveira elogiou, também, a direção do clube e especialmente o presidente, Cristóvão Cunha, por fazerem «das dificuldades grandes êxitos».

«A direção e o presidente Cristóvão Cunha têm derrubado montanhas. Costumo dizer que lhe proponho qualquer coisa e ele já está a executar. Dentro de uma realidade muito pequena temos conseguido fazer das dificuldades grandes êxitos.»

O desafio do Campeonato de Portugal: «As galinhas entre as raposas»

Depois da euforia da subida, o futuro trará novos obstáculos. O Campeonato de Portugal será um terreno desconhecido e altamente competitivo. Ainda assim, o treinador, fiel à sua filosofia, recusa o papel de «coitadinho». «Vamos ser a galinha no meio das raposas, mas há galinhas que resistem. Não queremos ser os coitadinhos, queremos ultrapassar tudo com sabedoria, inteligência e mestria. Queremos muito manter-nos.»

Apesar de reconhecer que o clube ainda não está preparado para treinar em horários profissionais, José Oliveira afirmou recusar desculpas. «Os outros têm melhores condições? É verdade. Mas isso não pode ser uma desculpa. Tem que ser um desafio. Não vamos abdicar dos jogadores que nos trouxeram até aqui. É uma questão de gratidão e justiça».

O treinador sublinhou, ainda, o papel vital da massa adepta: «Levámos quase quatro mil adeptos à final da Taça. Numa freguesia com dois mil habitantes! Os nossos Ultras 1931 (claque do emblema de Lousada) são completamente apaixonados pelo clube, acompanham- nos sempre, faça chuva ou sol, em casa ou fora, são muito fortes».

Kako revelou que a equipa está consciente das dificuldades, mas considera estarem preparados para um nível mais exigente. «Acredito que o clube e que o mister tenham consciência que vai ser muito complicado, mas existe qualidade, existe compromisso e, acima de tudo, existe muito companheirismo e muita amizade. No balneário tenho a certeza que se vai sempre viver um ambiente e uma atmosfera positiva, que nos leve para bons resultados. Como é óbvio que é praticamente impossível dizer que vamos estar em lugares acima, mas estamos preparados».

Crescer mas manter os pés no chão

Apesar dos feitos recentes, o treinador manteve os pés bem assentes na terra. «Temos um lema, o próximo jogo é sempre o mais difícil. Não vale a pena fazer futurologia. Vamos olhar para cada jogo como uma história diferente».

O objetivo da época está bem definido para José Oliveira: «Manter-nos no Campeonato de Portugal já seria um feito tremendo. Vamo-nos preparar para vencer cada jogo. Desde que cá estamos, nunca perdemos em casa – nem em jogos oficiais, nem em pré-época. Queremos manter isso»

Natural de Amarante, o técnico acredita no bom futuro do clube, mas não esconde que ainda há muito por fazer. «A direção tem feito um trabalho notável, especialmente o presidente. Ainda assim, precisamos do apoio da autarquia. Lousada não tinha nenhuma equipa nos nacionais e agora tem. É preciso valorizar isso».

Uma evolução marcada por aprendizagem constante

Sobre a sua própria evolução, José Oliveira foi claro: «Todos os dias aprendo. Com os jogadores, com os adversários, com o roupeiro, com o presidente, com todos. Não quero ganhar porque estou rodeado de fracos. Quero evoluir porque estou rodeado de gente boa».

«Ganho quase sempre porque temos esta capacidade de aprender a adaptar-nos e de apanhar bons exemplos. Estamos na última divisão temos de nos adaptar à última, vamos para o Campeonato de Portugal temos de aprender a lidar com o campeonato. Se um dia chegarmos à Primeira Liga sabemos que também temos de nos adaptar», finalizou

Agora, o Aparecida entra no Campeonato de Portugal como um desconhecido, mas leva consigo uma certeza: no futebol não existem impossíveis e quem já subiu dois degraus com esforço, poderá continuar a escrever páginas bonitas no futebol português.