Depois de ter deixado quatro pontos na Vila das Aves e na Luz, perante o Arouca, o jogo com o Estoril mostrou que o Benfica não aprendeu muito com esses dois percalços, criando, mais por culpa própria do que por pressão do adversário, condições para que os canarinhos, que a páginas tantas temeram ser goleados em casa, passassem a acreditar que podiam chegar ao empate.

Não é fácil explicar a segunda parte da equipa de Bruno Lage, que deixou na cabina ao intervalo a assertividade, a velocidade, a arte de ganhar segundas bolas, já para não falar da capacidade para pressionar alto. Na segunda parte, visto de longe, regressaram ao relvado os mesmos jogadores e as mesmas camisolas; visto de perto, percebeu-se que afinal havia outro Benfica, com a tentação permanente pelo abismo. 

O primeiro quarto de hora da metade complementar, perante um Estoril que passou do 3x5x2 ao 3x4x3 com o adiantamento de João Carvalho, mostrou um Benfica a entregar o comando da partida ao adversário, trocando a bola com exasperante lentidão em zonas amorfas, como se apenas quisesse gerir a vantagem obtida nos primeiros 45 minutos. O Estoril ganhou confiança, sentiu que o adversário não era o mesmo, e começou a acreditar que a montanha, afinal, não era intransponível.

Foi da tática dos encarnados? Não, porque nesse aspeto não houve alterações. Mas foi da dinâmica, como se a turma da Luz tivesse tomado banho com um sabonete de Valium, mostrando-se incapaz de fazer mais do que marcar à zona. Estava à vista de todos que o jogo, apesar do 0-2, estava tudo menos fechado, e quando Otamendi cometeu um erro que o obrigou a fazer penálti sobre Begraoui, os piores receios do adeptos encarnados materializaram-se. Mas nem mesmo o facto de Trubin ter defendido o remate dos onze metros (66), foi suficiente para o Benfica acordar: aos 75 minutos, Marqués teve tudo a seu favor para bater o guarda-redes ucraniano do Benfica e, depois de dois avisos solenes, o primeiro em forma de penálti e o segundo de perdida escandalosa, à terceira foi de vez, e aos 78 minutos, após cruzamento de Guitane, Zanocelo cabeceou para o 1-2. 

Até então, Bruno Lage apenas tinha trocado Amdouni por Schjelderup (57) por lesão do suíço, enquanto que Ian Cathro, além de ter adiantado João Carvalho (que continua com veludo nos pés) no terreno, e ter mandado a jogo Tiago Brito (64) para dar mais pulmão ao meio-campo, ainda mudou de ponta de lança (Lacximicant por Marqués) e deu mais técnica ao ataque (Begraoui por Guitane), tudo isto antes do golo de Zanocelo.  

Perante a vantagem mínima, Lage reagiu, densificando o meio-campo (Akturkoglu por Barreiro) e refrescando o ataque (Pavlidis por Belotti), o que se revelou benéfico para os encarnados, que ainda tiveram de aguentar a entrada do irrequieto Gonçalo Costa, para a esquerda. O jogo entrou então na sua fase mais quezilenta, com o Benfica a reclamar uma grande penalidade sobre Belotti (86), e o árbitro a sentir que a partida lhe estava a fugir do controlo, qual areia por entre os dedos. Foram de nervos à flor da pele os derradeiros minutos, e os benfiquistas festejaram exuberantemente o último apito de João Gonçalves, depois de terem sido capazes de transformar, sem danos pontuais, o fácil em difícil... 

Primeira parte

Foi de boa qualidade a metade inicial do Benfica, que em jogadas quase a papel químico começou por ameaçar por Aursnes, aos cinco minutos, para logo a seguir, ainda pelo norueguês, chegar à vantagem. A equipa, com um 4x3x3 em que todos trabalhavam e impediam a saída de bola do Estoril, era dona e senhora do jogo, foi capaz de rasgar a defesa canarinha com mudanças de flanco (especialmente de Tomás Araújo para Dahl ou Akturkoglu) e os donos da casa não tiveram outro remédio que não fosse baixar linhas para tentar conter a maré encarnada.

Apesar do 0-2 ter surgido de bola parada, por Otamendi com a colaboração de Robles, não faltaram ocasiões aos candidatos ao título para construírem um resultado ainda mais gordo, muito graças à forma como Pavlidis recebia a bola de costas e temporizava para a equipa criar superioridade numérica, à capacidade de Aursnes de estar sempre no sítio certo, ocupando espaços que estavam indevidamente vazios, e à maneira como Amdouni se dava ao jogo, para a frente e para trás, facilitando a vida a Tomás Araújo. Enquanto isso, havia uma preocupação de risco zero no início das jogadas, quiçá já a prever a pressão alta do Sporting.  

A pergunta que deve ser feita é como é que tanta coisa boa vista na primeira parte do Benfica, virou 180 graus no segundo tempo, como se o Dr. Jeckyll se tivesse transformado, ao intervalo, no Mr. Hyde. 

Para a história ficará a vitória tangencial do Benfica na Amoreira, e os três pontos que rumaram à Luz, que serviram para passar, no imediato, a pressão para as costas do Sporting, e apimentaram ainda mais o dérbi do próximo sábado.