
No frio do inverno de França ou no sol do verão nos Estados Unidos. Contra o Inter ou o Real Madrid, frente ao Manchester City ou com o Bayern do lado oposto. Na mais importante prova de França, na maior competição da Europa ou na mais recente inovação da FIFA.
Os contextos mudam, o sol vai e vem, até de continente se muda. O que não se altera é o brilhantismo do Paris Saint-Germain 2024/25, a máquina pensada e controlada por Luis Enrique, o sonho do Catar, o sorriso de Nasser Al-Khelaïfi. Lá estão eles prontos a atraírem a pressão, a explorem o espaço que as trocas de bola criam, a trocarem de posições, a espalharem técnica e imaginação e criatividade e energia.
Do lado oposto estão as dúvidas e inquietações do Real Madrid. Xabi Alonso veio para construir, mas ainda não sabe o quê nem com quem. Na meia-final do Mundial de Clubes, os merengues já perdiam por 3-0 aos 24'. Acabaria em 4-0, com Gonçalo Ramos a selar o resultado final e a fazer uma sentida homenagem a Diogo Jota.
A menos de um ano do arranque do Mundial 2026, mais um constrangimento dos Estados Unidos entrou em jogo. Desta feita não foi o calor extremo nem as tempestades, mas o trânsito. O colossal MetLife Stadium de Nova Jésria, com os seus 82.500 lugares quase todos expostos aos 34.ºC do meio da tarde, aquela cratera gigante que é a casa dos New York Giants e New York Jets da NFL, é, como não poderia deixar de ser, um recinto para chegar de carro particular, como se vê pelo colossal parque de estacionamento circundante.
Problema? A intensidade do trânsito nova-iorquino. Já nos quartos de final, os engarrafamentos levaram a que alguns adeptos chegassem uma hora tarde ao recinto. Agora, as próprias equipas chegaram tarde, o que levou a que o apito inicial se atrasasse 10 minutos.
Também os centrais do Real Madrid chegaram tarde ao desafio. Aos 6', Asencio, culminando um Mundial de Clubes desastroso, perdeu a bola para Dembélé, sobrando esta depois para Fabían Ruiz, que deu o mote para a vindoura passagem à final.
Este foi um choque entre quem vive cheio de armadilhas e quem parece criá-las para si próprio, sabotar-se. O PSG é um conjunto de gatilhos e referências de pressão, de predadores que cheiram o sangue e vão atrás da presa. O Real Madrid, disposto a dar essas oportunidades de caça, estendeu o 2-0 três minutos depois do 1-0.
Rüdiger falhou uma receção e lá foi Dembélé, o esfomeado Dembélé, o agressivo Dembélé. Onde está o Dembélé que fazia manchetes em Barcelona por chegar tarde a treinos, por parecer pouco comprometido, desligado? O favorito à Bola de Ouro percorreu alguns metros para apontar o 35.º golo da melhor campanha da carreira.
É mesmo esta fome que assombra nos campeões franceses e europeus. 2024/25 já se confunde com 2025/26, disputa-se este torneio enquanto a nova Liga dos Campeões já arrancou, mas os homens de Luis Enrique vivem em pressões constantes, correndo com sentido e sensatez, trocando passes com técnica, uma soma de cabeças que pensam e pés que executam. Já no segundo tempo, Barcola, lançado aos 59' juntamente com Gonçalo Ramos, recuperou mais uma bola a Asencio, que parecia uma criança da primária a defrontar os crescidos do secundário. A meia-final estava decidida, mas Luis Enrique acompanhou o lance em sprint, pedindo mais, incentivando mais.
Nuno Mendes, Vitinha e João Neves foram, de costume, titulares. O 3-0 foi outra lição de como armadilhar um campo de futebol. A construção começou curta até chegar a Dembélé, o avançado que conecta jogo. O Real parecia uma sala de estar destruída por uma criança, cheia de brinquedos espalhados pelo chão, o caos instalado. Toda a defesa estava fora de posição e, aproveitando a situação que criaram, Hakimi serviu Fabían para o 3-0.
O confronto marcou o reencontro do PSG com o melhor marcador da sua história. Mbappé fez 256 golos na capital gaulesa, conquistou seis campeonatos e nenhuma Liga dos Campeões. Mantém-se numa disputa legal com os parisienses, reclamando o pagamento de prémios alegadamente não pagos no valor de €55 milhões.
A colisão de Kylian com o PSG pareceu uma sessão para provar que a tese de Luis Enrique estava certa, para demonstrar que, debaixo do sol de Nova Jérsia, havia uma equipa cheia de gente que parecia atuar como uma orquestra e outra que fazia alinhar atacantes dispersos, solitários, sem armadilhas coletivas, só fogachos individuais. E inconsequentes.
A cada paragem para hidratação, ventoinhas gigantes tentavam refrescar os protagonistas. O estádio fica a uns 15 quilómetros da Trump Tower, onde na véspera a FIFA abriu novos escritórios, novo episódio da TrumpInfantinização da entidade máxima da modalidade mais popular do planeta. Xabi, nessas pausas, tentava dar alguma ordem aos seus homens, mas o jogo blanco foi uma mera sucessão de corridas de Vinícius e Mbappé rumo ao nada.
O PSG foi gerindo a vantagem, mas sempre ameaçando o 4-0. O selar da goleada chegaria aos 87', com o 19.º golo a temporada de Gonçalo Ramos, sempre oportuno. Segue-se o Chelsea na final para quem tentar juntar o título mundial ao francês e ao europeu.
Saído do banco aos 64', este foi o último jogo de Luka Modric pelo Real Madrid. Após o apito final, Vitinha foi ter com o mestre croata, com ambos a trocarem um longo abraço. A bola não fica órfão de maestros.