
Há já vários meses que as condições insalubres e a grave escassez de água potável, que põe vidas em risco, continuam a atingir níveis críticos em diversos locais onde se abrigam pessoas deslocadas em redor de Goma, a capital da província de Kivu do Norte, na República Democrática do Congo (RD Congo).
A Médicos Sem Fronteiras (MSF) insta as organizações de assistência humanitária com conhecimentos em água, saneamento e higiene a agirem de forma imediata e sustentável para solucionar esta crise catastrófica e prevenir surtos de doenças potencialmente mortais nestes campos que continuam a expandir-se muito rapidamente.
O conflito continuado na província de Kivu do Norte entre grupos armados, incluindo o M23, e as forças armadas congolesas conduziu a um aumento maciço e sem paralelo no número de pessoas que abandonaram as casas em fuga da violência ao longo dos últimos dois anos. As deslocações populacionais não têm parado devido à intensidade dos combates. Estima-se que, em setembro passado, cerca de 645.000 pessoas permaneciam abrigadas em campos sobrelotados de deslocados internos à volta de Goma.
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“As nossas equipas continuam a ver em primeira mão os efeitos devastadores das terríveis condições de vida que as famílias deslocadas estão a enfrentar”, descreve a coordenadora-geral da MSF em Kivu do Norte, Natàlia Torrent.
Vários meses desde o último fluxo de pessoas em larga escala, que ocorreu em fevereiro de 2024, o acesso a água limpa, a latrinas e a chuveiros continua a ser um enorme desafio diário para os deslocados, especialmente nos campos improvisados.
“Quando aqui chegámos, a nossa maior preocupação era como conseguir água – para beber, para as lavagens, para cozinhar, para os banhos”, conta Kahindo Salumu, que fugiu no início deste ano da violência na aldeia que habitava. Vive agora com os sete filhos no campo de Rugo, nos arredores de Goma. “A MSF forneceu-nos água limpa, mas não é a suficiente. Tiro três litros de água por dia, mas ao anoitecer já a usámos toda até à última gota.”
Nestes últimos dois anos, a MSF tem sido a principal abastecedora de água nos campos em volta de Goma, investindo de forma muito significativa em infraestruturas sanitárias, incluindo num sistema de fornecimento de água alimentado por energia solar, numa estação de bombagem de água e numa estação de tratamento de lamas fecais.
Para dar resposta ao último fluxo de deslocados internos – e para evitar pôr pressão nos recursos disponíveis –, a organização médica-humanitária desenvolveu atividades de água e saneamento em sete dos locais onde mais recentemente as pessoas se instalaram, nas zonas ocidentais dos arredores da cidade, em que se abrigam cerca de 134.000 deslocados em campos improvisados.
Apesar deste enorme investimento, os dados continuam a mostrar que existem lacunas alarmantes nos serviços de água e saneamento. Em outubro passado, os deslocados nos campos em volta de Goma receberam uma média de apenas 7,8 litros de água por pessoa e por dia; em alguns campos receberam só 2 a 4 litros por pessoa. Isto é muito abaixo dos requisitos internacionais de emergência, fixados em 20 litros por pessoa e por dia.
“Este nível extremo de condições insalubres continua a ser inquietante, especialmente porque coloca graves riscos de propagação de doenças infeciosas como a Mpox e doenças transmitidas pela água como a cólera”, frisa Natàlia Torrent.
Em 2022 e 2023, múltiplas epidemias de cólera propagaram-se por esta área, e já foram identificados casos de Mpox entre as pessoas deslocadas em 2024. A RDC está a viver atualmente um surto nacional da doença.
E a somar-se à escassez de água, o número de chuveiros e de latrinas que estão a funcionar é largamente desadequado para as necessidades das pessoas. Alguns campos improvisados têm apenas um chuveiro para 145 pessoas. As equipas da MSF reportam que em alguns destes locais 50 por cento das latrinas estão danificadas ou cheias até metade.
As primeiras latrinas foram instaladas como medida de emergência – do que resulta que, normalmente, ficam cheias no período de um mês, tornando-as insustentáveis a longo prazo.
“Não temos instalações sanitárias suficientes, incluindo latrinas”, explica Venasiya Rwata, que vive no campo Sam Sam com os sete filhos. “Às vezes não temos outra opção senão sair da nossa zona para nos irmos aliviar em áreas mais distantes dentro do campo”, precisa.
Ter de procurar instalações sanitárias em outros campos ou em lugares mais longe expõe as mulheres e as crianças a crime e a violência, incluindo violência sexual, que é prevalente nos campos.
Sem fim à vista no conflito, as equipas da MSF de água e saneamento concentram esforços em instalar infraestruturas de emergência mais robustas, incluindo latrinas com maior durabilidade. Nos últimos meses, a MSF construiu 2.334 latrinas e 1.379 chuveiros, e está a trabalhar também para aumentar a capacidade dos sistemas de fornecimento de água e das estações de tratamento de lamas fecais que são operadas por outras organizações.
As chamadas à mobilização feitas pela MSF têm sido repetidas, mas a resposta humanitária é dificultada pela insuficiência de coordenação e de financiamento das organizações que operam nesta região. Por isso, existem lacunas críticas na satisfação das necessidades humanitárias, incluindo em água e saneamento.
Perante esta crise prolongada, a MSF insta os doadores internacionais, o Governo e outros grupos e organizações a intensificarem esforços e a assumirem a disponibilização de água e atividades dentro destes campos. Sendo principalmente uma organização médica, a MSF está atualmente a operar em capacidade máxima e precisa de se concentrar em dar resposta às necessidades médicas das pessoas.
“É precisa ação imediata e sustentável, e já, para evitar uma crise pública de saúde”, remata a coordenadora-geral da MSF em Kivu do Norte.