
As legislativas foram há um mês. O país vive a ressaca e os partidos das esquerdas parlamentares ainda não têm todas as respostas para o acontecido. Apesar de não estar recuperado da pancada, aproveitei as minhas andanças pelo país e não parei enquanto não encontrei algumas justificações para os resultados.
Comecei em Santa Marta de Penaguião, passei por Mangualde, caminhei por Salvaterra de Magos, segui por Sesimbra a caminho de Moura e terminei em Olhão.
Atravessei território onde o PSD cresceu, o Chega chegou mesmo a ser o partido mais votado e o PCP desapareceu. Sentei-me em cafés, tascas e restaurantes destas terras e pedi às pessoas para que elas me permitissem perguntar o que acharam das últimas eleições, o que esteve na base da mudança significativa do quadro político português.
Não lhes vendi a minha cartilha, só fui fazendo cinco universos de perguntas.
As questões, olhando sempre o interlocutor, andaram à volta do seguinte: 1ª Gostou do trabalho da Geringonça? Acha que foi boa para o país? 2ª O que recorda dos governos do Dr. António Costa? 3ª O que achou de termos ido para eleições? A questão de Luis Montenegro era mesmo importante? A AD está a fazer um bom trabalho? 4ª Em que falhou Pedro Nuno Santos? Quais foram os erros principais que cometeu? O PS vai conseguir recuperar? O que deve fazer para voltar a ser um dos partidos centrais do sistema político português? 5ª O Chega é mesmo um partido para levar a sério? O Bloco vai renascer, ou o Livre vai ser o “albergue” da outra esquerda?
Deixo, neste texto, as respostas que mais ouvi sobre cada tema.
A Geringonça foi um período governativo que mereceu o agrado inicial de uma parte considerável da população. Portugal saía das amarras da troika e os portugueses acharam que, com mais dinheiro no bolso, estavam num tempo novo. Só que dar dinheiro não é afiançar a perenidade dos votos. A Geringonça não garante, nos dias de hoje, boa lembrança porque os partidos à esquerda do PS reprovaram o Orçamento de 2022, o país foi a eleições, houve uma maioria absoluta, o governo socialista entrou numa sucessão de casos e terminou com um chefe de gabinete do PM a guardar dezenas de milhar de euros no Palácio de São Bento. É isto que as pessoas recordam, sem elaborações, sem mas nem meio mas.
Os governos de António Costa tiveram vários momentos, foram identificando os meus interlocutores. A pandemia e a crise inflacionista foram relevantes e razoavelmente tratados. Mas o que leva a que as pessoas já se tenham esquecido disso? Vão ficar surpreendidos, mas o que hoje mais se comenta e afirma é muito simples – Costa queria ir para Bruxelas e deixou o país a arder. Não são argumentos elaborados sobre as decisões tomadas ou os erros graves cometidos. Muitos milhares de portugueses arrependeram-se de terem votado no PS, em 2022, logo no dia seguinte às eleições, e foram deixando este partido para trás. Foi este contentor de insatisfações que fez crescer o Chega até 50 deputados em 2024 e até 60 em 2025.
Agora sobre os últimos quatro meses. Os portugueses não queriam eleições. Uma grande parte do povo encara o PS e as suas últimas governações identificando casos graves. De forma legítima ou não, olham para este partido e vêm muitos casos de “interesseirismo”. Custa a ouvir, mas isso está hoje colado ao punho que se apresenta no boletim de voto. E não é só a nível nacional, é muito, também, nas autarquias locais. E, num país que tem das mais altas taxas de fuga ao fisco e de economia paralela, quem é que acharia que a imoralidade de Montenegro seria uma coisa muito grave?
Assim, a questão do primeiro-ministro era importante, mas para que os portugueses pudessem ter olhado com vantagem para o PS, este devia ter sido o campeão das iniciativas legislativas relativas ao combate às influências e à corrupção, devia ter olhado para dentro e ter sido implacável com quem já foi acusado nesse universo de crimes. Mas não foi.
A generalidade das pessoas não acham que Montenegro seja um às, mas é verdade que resolveu um conjunto de dossiers que Costa tinha deixado. O antigo líder do PS decidiu contrariar uma regra básica da política – não estar em conflito com toda a gente. Pôs professores, oficiais de justiça, polícias, militares, médicos, enfermeiros, e outros mais, em pé de guerra. Montenegro está lá, foi resolvendo com o dinheiro que lhe deixaram, ainda não teve casos graves vindos de ministros, a coisa não é famosa, mas também não é igual ao último ano do governo anterior. Por isso devia continuar, dizem.
As pessoas com quem falei não tinham respostas elaboradas sobre o que falhou com Pedro Nuno. A primeira reação é – não gosto dele. Muitos falam na sua inflexibilidade, outros ainda, que ele é de um “PS esquisito”. O líder que sai teve uma taxa de reprovação muito superior à votação que o PS teve, muitos socialistas votaram no símbolo e não no líder. E eu lamento muito, até porque Pedro Nuno é um bom ser humano e um político capaz. Sentado no Café Tinto em Olhão, ouvi: “Ele não é o único nem o maior responsável do crescimento do Chega. O mal vinha sendo feito desde 2019.”
E quando se pergunta quais foram os principais erros que ele cometeu, a primeira grande referência é a decisão sobre o aeroporto. Depois há as trapalhadas da TAP e, por fim, a ausência completa de programa e de propostas credíveis. Nem pessoas competentes ele conseguiu apresentar para um possível governo, disseram-me...
Em Moura ouvi uma senhora que me disse: “Os socialistas abandonaram-nos. Só falam da cidade, dos problemas dos grandes. Nós estamos aqui esquecidos, não temos transportes, não temos médicos, não temos nem crianças e nem sequer o padre vem aqui. Temos medo, não há segurança, ninguém quer saber de nós.” O esquecimento de territórios e de milhões de pessoas, que deixaram de estar no discurso político, esse Portugal esquecido é campo fértil para a direita radical e populista.
Durante este mês, as pessoas foram-me dizendo que o PS vai conseguir recuperar. Muitos deixaram de votar socialista porque não queriam mais lembrar-se da parte final da governação de Costa e não entenderam a direção que sai.
Foi quase unânime a consideração de que o Chega é um partido que deve ser levado a sério. Sendo hoje a segunda força parlamentar, a maioria dos que ouvi e principalmente os que ainda votaram no PS, esperam que seja tão combatido com o silêncio e com o desdém, como com calma e com exemplo. Para voltar a ser relevante no sistema político, o PS não pode aumentar ainda mais a sua derrocada ao passar os dias em berraria com aquela gente.
Os portugueses têm hoje com Mortágua, e com as figuras cimeiras do Bloco, uma reduzidíssima compatibilidade. Ao candidatarem os fundadores, sem que tivesse havido qualquer recuperação eleitoral, e sim o quase desaparecimento, foi todo o partido, desde o nascimento até hoje, que implodiu. Nos concelhos que no início do texto indiquei, já quase não havia BE, mas foi o extremismo e a falta de graça que o fizeram descer a quase zero. Temos agora, no parlamento, não um bloco mas um Pinoco de Esquerda, como ouvi no café O Careca em Salvaterra, município onde este partido já governou a câmara.
Também me disseram que o Livre é um partido de um homem só, como o Chega. Tavares, como demonstrou na campanha, estará a fazer o caminho para chegar ao Governo, para acertar as contas com a sua circunstância. Diz-me, com um sorriso maldoso, o mais velho dos empregados do restaurante O Velho e o Mar em Sesimbra: “Fará tudo o que for preciso para telefonar à mãe e dizer – já sou ministro!”
Poder circular por este nosso Portugal em trabalho é uma sorte que tenho. Confesso que não fiquei muito esperançado com tudo o que fui ouvindo. Porém, pareceu-me que as pessoas ainda têm com o PS um sentimento de pertença, mesmo os que não são socialistas. E mais, têm mesmo uma dívida de gratidão. Talvez seja esse sentimento, que se aproxima da nostalgia, o mais relevante deste mês de deambulações,