Em dezembro de 2021, o Presidente da Turquia decidiu que designação oficial do país deveria ser, em todas as línguas estrangeiras, Türkiye (lê se “tiurquié”). Ou seja, Recep Tayyip Erdogan defendeu que de então em diante todos deveriam designar o país pelo nome que os turcos chamam à sua própria nação.

Em ternos técnicos, Erdogan decidiu que o exónimo do país deveria ser o mesmo que o endónimo. Todos os lugares têm endónimos e exónimos. Geralmente, apenas um ou dois endónimos — o nome nativo de um lugar —, mas vários exónimos, o nome do lugar em línguas estrangeiras.

Para o endónimo Portugal, há muitos exónimos: Portekiz em turco, Portogallo em italiano, 葡萄牙 (Pútáoyá) em chinês e Португалия (Portugaliya) em russo. Ora, o que Erdogan decidiu foi abolir todos os exónimos e manter apenas o endónimo para o nome do país.

O regime turco vendeu a estranha decisão como normal, e justificou-se com uma série de mudanças de nomes de outros países: A Suazilândia passou a ser Essuatíni, a Holanda transformou-se em Países Baixos, e a República Checa em Chéquia. Verdade? Não é bem assim. Nesses casos, o endónimo do país mudou realmente, mas, em muitos casos, os países adaptaram o exónimo, que continuou a ser diferente. No caso da Turquia, Erdogan quis mudar o nome em todas as línguas do mundo, uniformizar o nome global do país.

Em 1986, um pedido semelhante foi feito pelo Governo da Costa do Marfim. Queria que em todos os idiomas o país africano passasse a chamar-se Côte d’Ivoire, endónimo francês que em muitas partes do mundo tem sido traduzido à letra, como sucede em português. Não teve grande êxito.

Alguns acataram, outros não

Nos dias e semanas a seguir à decisão de Erdogan, o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco enviou milhares de cartas para todos as agências e organismos, a informar sobre a mudança de nome. Nas Nações Unidas, embaixadas, e muitos escritórios, novas placas foram imediatamente feitas, para adotar o novo nome Türkiye.

Em 2018, esta placa que identifica uma missão diplomática do atual reino de Essuatíni em Londres ficou desatualizada
Em 2018, esta placa que identifica uma missão diplomática do atual reino de Essuatíni em Londres ficou desatualizada Jeffrey Greenberg/Education Images/Universal Images Group/Getty Images

De um dia para o outro, todos os organismos do Estado turco e os canais de notícias associados ao Governo adotaram a mudança. A TRT World, emissora em língua inglesa da televisão estatal turca, passou a dizer Türkiye de cada vez que se referia ao país. As Nações Unidas, a União Europeia e os principais organismos multilaterais cedo adotaram o novo nome. Não queriam abrir um contencioso diplomático por assunto tão mundano. Foi engraçado ver políticos internacionais contorcerem-se para pronunciar Türkiye corretamente.

Quase três anos depois da decisão, atingiu Erdogan o seu objetivo? Os Jogos Olímpicos de Paris representaram o teste ideal para ver se a mudança de nome imposta pegou de raiz.

Nas últimas semanas, o Expresso vigiou os muitos canais televisivos internacionais que transmitiam as olimpíadas. A verdade é que Turkey (inglês), Turquie (francês) ou Turchia (italiano) ganharam por vasta maioria. Nalguns casos, quando o nome do país aparecia escrito no ecrã — por exemplo, na recente meia-final de vólei feminino, que a Turquia perdeu por 0-3 contra Itália —, alguns canais colocavam Türkiye, mas os comentadores usavam o exónimo antigo: “Turkey played well” (A Turquia jogou bem).

E na imprensa escrita? Aqui as referências a Türkiye aumentam, mas o mais interessante é que há um claro padrão geopolítico. Todos os meios de comunicação em língua inglesa próximos do regime de Erdogan — TRT, Anadolu Ajansi, jornais turcos em língua inglesa e agências de países como a China ou a Rússia — usam Türkiye. É o caso do “China Daily” ou da Sputnik. O resto do mundo parece usar Turkey, incluindo meios de comunicação árabes (Al Jazeera) e a Google e a Wikipédia.

Narcisismo do regime

Foram muito discutidas as razões profundas que levaram Erdogan, de um dia para o outro, a decidir mudar o nome do país. A ordem executiva, publicada no número 31679 da “Resmi Gazete” (equivalente turco do “Diário da República”), de 4 de dezembro de 2021, justifica que “Türkiye é a melhor representação dos valores, civilização e cultura da nação turca, e que a partir de agora, o objetivo é que os milhares de anos de experiência e existência da nossa nação e Estado sejam representados pela marca Türkiye”.

Ou seja, uma tentativa descarada para promover essa marca Türkiye. Já há anos que os produtos turcos eram vendidos com a etiqueta “Made in Türkiye”, mas em 2021 Erdogan decidiu ir até ao fim.

Surgiram teorias e ideias para explicar o inexplicável. Houve quem sugerisse que era por Erdogan não falar mais nenhuma língua (é o único chefe de Estado turco monolingue). Se não falamos outra língua, não é fácil julgar as dificuldades em mudar entre elas, ou julgar limitações de pronúncias.

Nas Nações Unidas, a placa que identifica o país de Erdogan já tem a grafia por ele desejada
Nas Nações Unidas, a placa que identifica o país de Erdogan já tem a grafia por ele desejada Anadolu/Getty Images

Outros mencionaram o puritanismo linguístico associado ao Islão. Ao contrário da Bíblia, lida e traduzida em diversas línguas, o Alcorão não é oficialmente traduzível. Todos os muçulmanos recitam os versos corânicos no árabe original, mesmo quando não falam esse idioma, aprendendo-os na língua original o melhor que podem.

A generalidade dos observadores converge numa explicação bastante… básica. É que e inglês, a palavra que designa o país, Turkey, designa também um animal, o peru. “Erdogan e o seu círculo não gostavam do exónimo em inglês para o país. Sentiam que partilhar o nome do país com uma ave feia diminuía o estatuto e a imagem da nação”, escreveu Selim Koru, cientista político independente. “Uma decisão que expõe o narcisismo reinante no regime: eis uma oportunidade para enterrar a velha Turquia do passado e promover a New Türkiye, nova civilização e potência, sucessora do Império Otomano, país que aspira a liderar o mundo muçulmano, e que não quer ter a indignidade de partilhar o nome com uma ave que não voa”, gracejava Koru.

Erdogan poderia ter sugerido apenas que se mudasse a designação em inglês, mas, como provavelmente não quis parecer ridículo, fez o mais radical: todos deviam chamar ao país Türkiye.

Condenado ao falhanço

Na altura, muitos alertaram para as limitações desta política. Regra geral, os exónimos existem por uma determinada razão. São, frequentemente, a melhor forma de pronunciar um determinado nome. Pronunciar corretamente Türkiye não é fácil, mesmo para um português.

Depois, é difícil mudar apenas um substantivo, quando todos os outros relacionados com o nome antigo se mantêm. Em português o país deverá ser chamado Türkiye, mas continuamos a dizer turcos, uma derivação normal de Turquia. Em inglês é ainda mais evidente. Türkiye, yes, mas e turk, turkish, turkishness? Tudo derivados de Turkey… além que muitos alfabetos não incluem o ü.

“Estimo que esta política irá falhar, com o mundo sistematicamente a crucificar o nome sagrado do nosso país, destruindo a nossa marca e, com isso, o poder metafísico da nossa civilização imortal”, ironizava o mesmo Koru. “Todos os países têm políticas falhadas: uma política fiscal mal estruturada, uma estação de comboios mal orçamentada, ou um currículo educacional desadequado. Neste caso, esta política não tem consequências imediatas sobre as pessoas, mas revela ignorância e incompetência”.