Aprendi muito cedo a dizer por favor e obrigado. A cumprimentar e a pedir desculpa. A respeitar os mais velhos. A chegar a horas, comer de boca fechada e a não cantar à mesa (nunca percebi esta última, mas registei). Aprendi muito tarde que o ‘não’ é uma resposta válida. Que não temos de ser sempre felizes, fortes, competentes e inabaláveis. Que, às vezes, é mesmo preciso abrir a boca, sob pena de implosão. E que os nossos limites merecem tanto respeito como o que temos pelos limites dos outros. Aprendi muito cedo a distinguir o certo do errado. Aprendi muito tarde que não são o mesmo para toda a gente e que, às vezes, há certos que erram e errados que acertam.

Que útil teria sido ter tido aulas de inteligência emocional em vez de Métodos Quantitativos. O jeito que me teria dado ter aprendido a manter as gavetas de dentro arrumadas, quando me ensinaram a não ter roupa espalhada pelo quarto. Devia ter ficado mais claro, quando aprendi a andar de bicicleta, que não faz mal cair. Faz parte.

Ensinam-nos a desinfetar feridas nos joelhos, mas ninguém se lembra de explicar que as feridas de dentro não se curam com pensos rápidos. Não fomos programados para ter, à mão, uma mala de primeiros socorros psicológicos. Nem saberíamos o que pôr lá dentro. Parece absurdo desfibrilhar a apatia ou pôr compressas na ansiedade.

Quando me falaram neste “Guia de Etiqueta na Saúde Mental”, agora lançado pela Cruz Vermelha Portuguesa, ocorreu-me que esta é a única falta de educação que não incomoda. É aquela má educação socialmente aceite. Permitimos que ela se sente connosco à mesa. Mas alguém é obrigado a saber lidar com a tristeza própria ou alheia? Por que raio temos de aprender a estancar feridas que não se veem? Ou aprender a ouvir sem pressa e sem atropelos? A não forçar um sorriso em alguém que só precisa de chorar?

Já todos ouvimos um “isso passa”. Um “anima-te”. Ou variantes igualmente inócuas como “é uma fase”, “tem calma”, “pensa positivo”. Claro que a intenção é a melhor, mas já todos concluímos, alguma vez na vida, que o efeito é inversamente proporcional. Ninguém nos ensinou a ser melhores.

Certamente não será com este texto que alguém deixará de perguntar “tudo bem?” quando se cruzar com alguém conhecido. Aprendemos a viver com perguntas retóricas e respostas automáticas. “- Tudo bem? - Tudo bem e contigo? - Tudo bem, também”. Fim. Ninguém espera muito mais desta interação recorrente nas nossas vidas. Quem pergunta não equaciona outra hipótese de resposta. Quem responde, não quer, não sabe, não pode ou não consegue responder outra coisa. Somos ensinados a disfarçar tristezas. Somos formatados para estar tudo bem. É mais fácil assim, simplifiquemos.

Estamos todos ótimos. Sempre. Somos tão mal educados nisto. Desde que ninguém coma de boca aberta ou cante à mesa, está tudo bem. Mas algum de nós estaria preparado para ouvir “tudo mal” como resposta? Como assim? Não tínhamos todos acordado tacitamente que não é assim que se faz?

Este “Guia de Etiqueta na Saúde Mental” surge no contexto da iniciativa europeia EU4Health e é uma forma bonita de nos ensinar boas maneiras. Boas maneiras de nos cuidarmos melhor e de cuidarmos do outro. Tem testemunhos de pessoas que, vejam bem, passaram por momentos em que não esteve “tudo bem”. Tem o contributo profissional de psicólogos e especialistas da área da saúde que têm bons modos para nos ensinar. Pequenos detalhes, que não exigem grande esforço e que podem fazer toda a diferença na interação com o outro.

Tenho lido e ouvido alguns comentários de pessoas que consideram que o tema da saúde mental se banalizou. Porque “agora toda a gente fala disso”. Porque “agora toda a gente tem depressões e burnouts”. Mas se já se fala tanto sobre o tema e, claramente, ainda sabemos tão pouco sobre o que verdadeiramente interessa, não será preferível pecar por excesso? E falar sobre o assunto? Falar muito. O mais possível. Melhor ou pior. Até deixar de ser assunto.

Este Guia já está disponível online e em formato físico. Com distribuição gratuita. Não há mesmo desculpa para faltas de educação.