O Tratado de Proteção do Alto-Mar, cuja entrada em vigor está prevista para o final de 2025 ou início de 2026, proporcionará os meios legais para conservar e gerir de forma sustentável a biodiversidade marinha em zonas dos oceanos que não pertencem a ninguém

Com quase dois terços do oceano fora da jurisdição de qualquer país, a proteção destas águas é um dos maiores desafios ambientais da atualidade.

O Tratado de Proteção do Alto-Mar, adotado pela ONU em 2023 e que entra em vigor 120 dias após a 60.ª ratificação, pretende dar resposta a este vazio legal, criando regras para a conservação da biodiversidade marinha e a exploração sustentável dos seus recursos.

Um tratado para proteger o oceano de ninguém

Até esta segunda-feira, à margem da Conferência dos Oceanos da ONU em Nice, o documento já tinha recolhido 134 assinaturas e sido ratificado por 49 países, além da União Europeia, segundo dados do Serviço de Tratados da ONU.

Durante a conferência, o Presidente francês afirmou que o número de ratificações já tinha subido para 55, com mais 15 em curso e data definida e outras 15 previstas até ao final do ano - o que deverá permitir atingir o número necessário para a entrada em vigor.

Os Estados Unidos assinaram o tratado em 2023, durante a administração de Joe Biden, mas não se espera que o ratifiquem enquanto Donald Trump estiver na presidência.

Portugal já ratificou este tratado.

O que é o alto-mar?

O tratado aplica-se ao alto-mar — as águas internacionais para além das zonas económicas exclusivas (ZEE) dos Estados, que se estendem até 200 milhas náuticas (cerca de 370 quilómetros) a partir da costa. Abrange ainda o fundo marinho e o subsolo dessas áreas, designados coletivamente como “a Zona”.

Estas áreas representam mais de metade da superfície do planeta e, atualmente, cerca de 99% destas águas continuam desprotegidas.

Neste mapa, as zonas económicas exclusivas (ZEE) estão a branco e o alto-mar, as áreas para além da jurisdição nacional, estão a verde-claro.
Neste mapa, as zonas económicas exclusivas (ZEE) estão a branco e o alto-mar, as áreas para além da jurisdição nacional, estão a verde-claro. NOAA Ocean Exploration

O desafio da governação no oceano dividido

Apesar do novo enquadramento jurídico, a aplicação das decisões caberá à futura Conferência das Partes (COP), o órgão executivo do tratado, que terá de trabalhar com outras organizações internacionais que detêm atualmente autoridade sobre diferentes partes do oceano.

Destacam-se aqui as organizações regionais de gestão das pescas e a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), responsável por emitir contratos de exploração mineral em águas internacionais e por negociar um futuro “código de mineração”.

A jurisdição da COP sobre o fundo marinho poderá ser ainda mais difícil de definir, sobretudo após a decisão da administração de Donald Trump de acelerar, de forma unilateral, a emissão de licenças para mineração submarina. Os EUA não são membros da ISA.

Áreas marinhas protegidas em águas internacionais

Uma das principais novidades do tratado é permitir a criação de áreas marinhas protegidas em alto-mar.

A COP poderá estabelecer estes santuários com base em provas científicas e mediante proposta de um ou mais Estados, em zonas de elevado valor ecológico, especialmente vulneráveis ou essenciais para espécies ameaçadas.

As decisões da COP deverão ser tomadas por consenso, como é habitual em tratados internacionais. Em caso de bloqueio, poderá avançar-se com uma maioria de três quartos dos Estados-membros.

Ainda assim, o tratado não define como garantir, na prática, a aplicação de medidas de conservação nestas zonas remotas. A responsabilidade continua a ser dos Estados relativamente às atividades sob a sua jurisdição, como por exemplo, navios que navegam sob a sua bandeira.

Quem controla os recursos genéticos marinhos?

Outro aspeto central do tratado é a regulação da recolha e uso de recursos genéticos marinhos em alto-mar.

Qualquer Estado, com ou sem costa, ou entidades sob a sua jurisdição, poderão recolher amostras de plantas, animais ou microrganismos nessas águas. Estas amostras podem ser usadas, por exemplo, para fins farmacêuticos ou industriais.

Para evitar que apenas os países mais ricos beneficiem, o tratado prevê a “partilha justa e equitativa dos benefícios” resultantes desses recursos. Isso inclui o acesso aberto a dados genéticos, partilha de amostras, transferência de tecnologias e, eventualmente, uma compensação financeira.

Impacto ambiental sob vigilância

Qualquer atividade em alto-mar que esteja sob a jurisdição de um Estado terá de ser sujeita a uma avaliação prévia de impacto ambiental, caso se prevejam efeitos “mais do que insignificantes e transitórios” no meio marinho.

Os países terão também de publicar regularmente relatórios sobre os impactos observados. Caberá a cada Estado decidir se uma determinada atividade avança ou não - uma decisão que as organizações não-governamentais (ONG) esperavam que ficasse exclusivamente nas mãos da COP.

O tratado não especifica que atividades estão sujeitas a avaliação, mas poderão incluir pesca industrial, transporte marítimo, mineração no fundo do mar ou até técnicas de geoengenharia marinha para combater as alterações climáticas.

Com AFP