A Rússia e os Estados Unidos concretizaram esta quinta-feira uma das maiores trocas de prisioneiros desde a Guerra Fria. A troca aconteceu no aeroporto de Ancara, capital da Turquia, e foi confirmada já por oficiais turcos e membros do Congresso norte-americano.

As 24 pessoas libertadas estiveram presas por diferentes períodos de tempo em sete países. O jornalista do “Wall Street Journal” Evan Gershkovich e o antigo fuzileiro norte-americano Paul Whelan, além de alguns nomes sonantes da oposição a Vladimir Putin, como o político e jornalista Vladimir Kara-Murza ou o ativista Ilya Yashin, estão na lista dos libertados.

Muitos, porém, esperam ainda o dia da libertação e, para eles, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, fez uma promessa. “Às famílias daqueles que ainda estão separados das suas famílias prometo o mesmo que prometi aos que regressam hoje a casa: não vos esqueceremos e não descansaremos até que voltem a ver os vossos entes queridos”, disse o governante, em comunicado citado pelo “New York Times”.


A família de Marc Fogel, um professor americano preso sob a acusação de tráfico de droga na Rússia, manifestou-se desiludida com a escolha dos prisioneiros para a troca. “É inconcebível para nós que os dissidentes russos tenham prioridade sobre os cidadãos americanos numa troca de prisioneiros. Marc foi injustamente detido durante demasiado tempo e deve ter prioridade em quaisquer negociações de troca com a Rússia, independentemente do seu nível de notoriedade ou celebridade”, escreveram num comunicado, citado pelo “New York Times”.

Blinken disse ainda aos jornalistas que a troca de prisioneiros com a Rússia estava a ser preparada há “muitos, muitos meses”, e congratulou-se com o que considera ser uma vitória da diplomacia. Segundo a Euronews, cinco países estarão envolvidos nesta troca de prisioneiros: Eslovénia, Alemanha, Estados Unidos da América, Rússia e Bielorrússia. E não foram negociações fáceis. A CNN escreve que, durante vários meses, diplomatas norte-americanos percorrem o mundo à procura de prisioneiros que pudessem ser libertados numa putativa troca.

“Todos eles pareciam estar com uma voz forte, uma mente forte, um espírito forte. E a hospitalidade em casa será provavelmente muito melhor do que a hospitalidade que têm recebido”, disse Blinken aos jornalistas que o acompanharam no regresso aos Estados Unidos, após uma viagem de uma semana pela Ásia.

Sobre o processo de negociação em si ainda quase nada é conhecido, apenas o que Blinken disse e que se podia adivinhar pelo facto de haver tantas pessoas libertadas e tantos países envolvidos. Sabe-se, sim, que nem todas as decisões foram fáceis. O Governo da Alemanha, por exemplo, já admitiu publicamente que dar luz verde para a troca do assassino russo condenado Vadim Krasikov não foi uma decisão feita “de ânimo leve”. Pesou o facto de, do outro lado da balança estar “a liberdade, bem-estar físico e, em alguns casos, à vida de pessoas inocentes presas na Rússia e de presos políticos injustamente detidos”, disse o Governo em comunicado, publicado no seu site oficial.

Os principais nomes libertados pela Rússia

Evan Gershkovich foi detido em março de 2023 durante uma viagem de reportagem a Ekaterinburgo. Foi considerado culpado de espionagem e há cerca de 15 dias tinha ficado a saber que iria passar 16 anos numa prisão.

Paul Whelan - cidadão americano, irlandês, britânico e canadiano - foi detido num hotel de Moscovo em dezembro de 2018, sob suspeitas semelhantes: espionagem a favor dos Estados Unidos.

Vladimir Kara-Murza estava preso há dois anos, por espalhar informação falsa sobre o exército russo e pertencer a “organizações indesejáveis”. Tinha sido recentemente condenado a 25 anos de prisão. A sua mulher, Evgenia Kara-Murza contou a história da vida de ambos ao Expresso e o que tinha tentado fazer pelos presos políticos desde a prisão do seu marido.

Ilya Yashin, opositor político do regime do Kremlin, estava a cumprir uma pena de oito anos e meio por ter criticado a guerra na Ucrânia. O seu advogado disse à agência de notícias Associated Press, que Yashin tinha sido transferido esta manhã.

A mesma agência escreve que Oleg Orlov, presidente do grupo de defesa dos direitos humanos Memorial, galardoado com o Prémio Nobel da Paz e condenado a dois anos e meio em fevereiro; a artista Alexandra Skochilenko, que cumpria uma pena de sete anos por ter substituído as etiquetas dos preços num supermercado por mensagens que denunciam a morte de civis na Ucrânia; e as antigas coordenadoras regionais da Organização Anti-Corrupção Navalny, Lillia Chernysheva e Ksenia Fadeyeva, condenadas a nove anos e meio e nove anos respectivamente, também foram retirados das suas prisões e levados para outras localizações.

Vadim Ostanin, diretor da organização de Navalny na cidade de Barnaul, na Sibéria, foi condeando, em julho de 2023, a nove anos de prisão, acusado de estar envolvido num grupo extremista, que foi a designação que a associação de Navalny passou a ter depois de ter sido ilegalizada.

Ilya Yashin, opositor e ex-deputado municipal de Moscovo, aguarda audiência na jaula de vidro dos réus num tribunal de Moscovo, a 29 de novembro de 2022
Ilya Yashin, opositor e ex-deputado municipal de Moscovo, aguarda audiência na jaula de vidro dos réus num tribunal de Moscovo, a 29 de novembro de 2022 MAXIM SHIPENKOV

Também foi libertado Kevin Lick, nascido na Alemanha, um estudante do secundário, sentenciado a passar quatro anos numa colónia penal por traição. Segundo os procuradores russos, Lick enviou fotografias de tropas russas em trânsito para um representante político estrangeiro. Quando cometeu o crime de que foi acusado era ainda menor.

Também alemão, Rico Krieger, que enfrentava uma sentença de morte na Bielorrússia por suspeitas de terrorismo, foi perdoado pelo Presidente Lukashenko e já está de regresso a casa. Krieger era funcionário da Cruz Vermelha alemã e foi acusado de pôr explosivos numa parte da via férrea bielorrussa. Krieger disse aos meios de comunicação estatais em Minsk que agiu mandatado pelos serviços secretos ucranianos, mas há suspeitas de que ele tenha feito essa confissão sob coação.

Em março de 2023, o Tribunal da Cidade de Moscovo condenou Demuri Voronin, politólogo, a mais de 13 anos de prisão numa colónia penal de alta segurança, sob a acusação de traição. Voronin tem dupla nacionalidade, é russo e alemão, foi detido em fevereiro de 2021 e, escreve o “New York Times”, é acusado de estar implicado no caso de Ivan Safronov, um jornalista russo também acusado de traição por passar informações confidencial a cidadãos estrangeiros e condenado a 22 anos de prisão.

Outro cidadão alemão, Patrick Schöbel, detido em São Petersburgo por suspeitas de tráfico de droga. Não tinha ainda sido condenado. Um outro russo-alemão, German Moyzhes, é um advogado especializado em ajudar cidadãos russos a obter residência na Alemanha e em outros países da União Europeia. Foi preso por suspeita de traição, mas ainda não tinha sido julgado.

Um assassino, espiões e hackers

Vadim Krasikov, de 58 anos, é cidadão russo e foi condenado a prisão perpétua na Alemanha em 2021 pelo assassinato um separatista checheno, cometido à frente de várias pessoas, de dia, num parque de Berlim, em 2019. Os procuradores disseram, em julgamento, que Krasikov trabalhava para o Serviço Federal de Segurança russo e o juíz sugeriu mesmo que o assassinato havia sido ordenado pelo próprio presidente russo, Vladimir Putin da Rússia.

O Kremlin negou sempre qualquer envolvimento, mas Putin disse recentemente que Krasikov era apenas um patriota que decidiu “eliminou um bandido”. Também o casal Artem Dultsev e Anna Dultseva saíram em liberdade com esta troca. São culpados e foram condenados na Eslovénia de espionagem e falsificação de documentos. Os dois menores envolvidos na troca são filhos do casal.

O quarto nome é o Mikhail Mikushin, um espião russo que operava na Noruega, escondendo-se atrás de uma vida académica na Universidade de Tromso. Em 2022, foi detido pelas autoridades locais, e fingiu ser brasileiro. Mais tarde, admitiu em tribunal que era um cidadão russo. Em 2021 pediu para fazer parte de um programa de investigação na Universidade do Ártico, que se debruça sobre “guerra híbrida”. Na altura deu o nome de José Assis Giammaria.

A Polónia foi um dos países envolvidos nesta troca, aceitando libertar Pavel Rubtsov, também conhecido pelo nome de Pablo González, que foi preso por suspeitas de ser um espião em favor da Rússia, mas sempre manteve que apenas trabalhava como jornalista freelancer. Rubtsov nasceu em Moscovo em 1982, mas nove anos depois mudou-se para Espanha.

Roman Seleznev também foi libertado. É um pirata informático russo detido nos Estados Unidos e condenado a 14 anos de prisão depois de se ter declarado culpado de ter arquitetado um esquema de fraude online que lesou várias pessoas em cerca de 50 milhões de dólares. Vladislav Klyushin, outro russo acusado de fraude online, que obteve acesso a registros privados de várias empresas e tentou usar os bens dessas empresas como seus, num esquema que o Departamento de Justiça dos Estados diz que custou cerca de 93 mil milhões de euros aos lesados, também vai voltar a viver em liberdade. Foi preso na Suíça em 2021 e extraditado para os Estados Unidos no final desse ano. Negou sempre o envolvimento em qualquer esquema ilegal.

A lista fica completa com o nome de Vadim Konoshchenok, um dos cinco russos acusados em 2023 de conspirar para obter tecnologia de ponta da indústria militar norte-americana com intenção de a partilhar com a Rússia. É acusado de ser um agente do Serviço Federal de Segurança da Rússia, a agência sucessora do KGB. Foi detido na Estónia em dezembro de 2022.