O ex-assessor pessoal do ex-Presidente Jair Bolsonaro, descreveu na segunda-feira perante o Supremo Tribunal Federal os esforços do então chefe de Estado e de parte da cúpula militar para anular os resultados das eleições de 2022.

Mauro Cid, que colaborou com a Polícia Federal nas investigações, foi o primeiro dos acusados de tentativa de golpe de Estado a ser interrogado durante mais de quatro horas pelo juiz de instrução Alexandre de Moraes e esclareceu que as suas confissões foram feitas voluntariamente, respondendo também às perguntas dos advogados dos outros réus.

De acordo com o ex-assessor, militar de profissão, a ideia passava por, primeiro, encontrar falhas nas urnas eletrónicas que justificassem a anulação das eleições, vencidas pelo atual Presidente, Lula da Silva, em outubro de 2022.

Apesar de não terem sido encontrados quaisquer indícios de fraude no processo eleitoral, Cid disse que as conversas de cunho golpista em torno de Bolsonaro continuaram por semanas, discutindo minutas de diplomas para decretar estado de sítio e de defesa para anular o resultado das eleições.

Mauro Cid confirmou que, numa dessas reuniões, assessores do ex-chefe de Estado apresentaram um documento que previa a declaração do estado de defesa e de sítio e a detenção de magistrados do Supremo.

"O Presidente recebeu e leu. Ele, de certa forma, enxugou o documento, basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes] ficaria como preso. O resto, não", disse.

Esses decretos, segundo Cid, foram apresentados aos comandantes das Forças Armadas em reuniões presididas por Bolsonaro, mas os chefes do Exército e da Aeronáutica opuseram-se a essas ações.

Perante as divergências no seio das chefias militares, o antigo Presidente não assinou os decretos, frisou.

No entanto, segundo Cid, tanto ele quanto Bolsonaro tinham conhecimento da elaboração de uma carta por alguns oficiais, pedindo ao comandante do Exército que apoiasse as tentativas de golpe.

Na sala do Tribunal encontrava-se Jair Bolsonaro, à espera de ser ouvido pelo juiz (algo que não chegou a acontecer na segunda-feira).

"Não tem por que me condenar, eu estou com a consciência tranquila", disse, à imprensa local, durante o intervalo das audiências.

Depois de Cid, foi ouvido o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, que está a ser investigado por documentos da sua autoria que procuravam desacreditar as urnas eletrónicas.

Ramagem, que rejeitou as acusações de tentativa de golpe de Estado, disse que os documentos eram "privados" e foram produzidos muito antes das eleições de 2022.

Para além de Mauro Cid, Alexandre Ramagem e do ex-Presidente vão também ser ser interrogados, até quarta-feira, na Primeira Turma do STF, em Brasília, Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno, (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro).

No final desta fase, o juiz de instrução consultará o Ministério Público e as equipas de defesa dos arguidos para determinar se são necessários mais interrogatórios e diligências ou se se deve passar às alegações finais.

Os arguidos estão acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de património e, caso condenados, incorrem em penas de prisão de mais de 40 anos.