O entusiasmo é palpável quando Noah, Jéssica, Emily, Maria Inês, Laila e Benício entram na sala em que nos encontramos do Creche + Jardim de Infância da Falagueira, na Amadora. As crianças sabem que à sua espera está o “Snack” e sentam-se expectantes para a sessão inaugural do ano letivo, conduzida por Beatriz Baptista, que avisa que o cão “é muito beijoqueiro”. “Quem se lembra das regras?”, questiona, com as prontas respostas de braço no ar “eu, eu, eu!” e a explicação na ponta da língua: “Não gritar, não bater”...
“Fazemos sempre isto, o cão também tem de estar confortável”, lembra Margarida Fonseca, fundadora e diretora da Eu Cãosigo. As sessões caninas surgiram como forma de auxiliar a aprendizagem, com o projeto gizado para “esta escola em concreto”, a incidir nas “competências de leitura, escrita e fonológicas” de crianças no último ano do pré-escolar, o que ganha importância num “contexto social muito desfavorecido”. “Ficamos muito entusiasmadas”, recorda a educadora de infância Sofia Granja, quando no ano anterior surgiu a possibilidade de desenvolver o projeto, até porque nestes casos “a intervenção deve ser feita o mais precocemente possível” e também como forma de “combater algum absentismo que é recorrente”. “O cão é um estímulo para as crianças”, admite, porque “quem participava nas sessões levava a experiência aos mais novos” e contagiavam os restantes. “Queria fazer 5 anos para vir às sessões do cão”, suspirava Jéssica em tempos. Agora aprende enquanto o Noah, com a ajuda do “Snack”, escolhe um cartão. “Como dividimos esta palavra em três?”, pergunta Beatriz. “Bis-coi-to”, responde prontamente Noah, com direito a palmas de todos.
Respostas que também encontram eco no Instituto Jovens Músicos com o projeto Palco d’Emoções que consiste numa “metodologia de intervenção e ação de índole psicossocial, com recurso à música e às artes de representação, na gestão de emoções de crianças e jovens em situação vulnerável ao nível da desregulação emocional”, explica a dirigente Felisbela Marques. Já de acordo com a presidente da Passo Positivo, Isabel Ferreira, o Resiliência em Ação: Banco de Fraldas e Coaching Transformacional quer “contribuir para a melhoria da qualidade de vida das mães solteiras em situação de carência económica”.
Menor risco de pobreza não esconde dificuldades
Dados registam uma ligeira redução no perigo de carência nas crianças e jovens, mas os problemas estão sempre presentes, sobretudo para as mulheres
Os números do último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, apontam para uma redução de 2,9 pontos percentuais (p.p.) no risco de pobreza das crianças e jovens com menos de 18 anos, que passou assim de 20,7% em 2022 para 17,8% em 2023. Contudo, “a pobreza infantil em Portugal é um problema estrutural e persistente, caracterizado por elevada incidência, intensidade e privação material e social, particularmente entre meninas e famílias monoparentais ou numerosas”, destaca Isabel Soares, presidente da direção do ProChild CoLAB.
A privação material e social afetou 12% das crianças em 2023, mais que os adultos em idade ativa (10,8%) e mais na população feminina que na masculina
“A privação material e social afetou 12% das crianças em 2023”, sendo “superior à dos adultos em idade ativa (10,8%)”, num campo em que, reforça, “meninas continuam a enfrentar maior privação do que meninos”, ao passo que nos agregados constituídos por dois adultos com três ou mais crianças o risco de pobreza subiu 4,6 p.p. e passou para 28,2%. Por outro lado, se 23,5% da população que apenas tinha concluído o ensino básico está em risco de pobreza, o valor desce para 12,3% na população com ensino secundário ou pós-secundário e para 6,5% nas pessoas com ensino superior.
Dados que “reforçam a urgência de políticas públicas específicas, com atenção às necessidades das meninas e dos lares chefiados por mulheres”, aponta Isabel Soares.