A depressão arrastava-se há anos, desde a morte do filho, e nem mesmo a medicação lhe trazia alívio. Anabela Alves, de 60 anos, continuava a sentir “uma tristeza muito grande” e passava os dias fechada no quarto, incapaz de ver ou falar com alguém, a chorar e com “pensamentos que não devia ter”. Foi então que, há cerca de três anos, lhe propuseram um tratamento diferente: a eletroconvulsivoterapia, outrora conhecida como “eletrochoques” ou “choques elétricos”.

As melhoras foram rápidas e visíveis. “Costumo dizer que voltei a ser quem era antes. O que mudou na minha vida foi, essencialmente, isto: passei a gostar de viver. Hoje, posso dizer que tudo o que faço no meu dia a dia, faço com alegria”, conta Anabela Alves no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, no qual participou à distância.


Nuno Fox

Vários estudos comprovam a elevada eficácia da eletroconvulsivoterapia (ECT). No caso da depressão grave e resistente ao tratamento — uma das patologias em que é mais usada — a ECT apresenta “taxas de remissão de sintomas superiores a 75% e taxas de resposta acima dos 80%”, explica Pedro Frias, psiquiatra no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Beja, com vários anos de experiência nesta técnica. “Não há nada tão eficaz no tratamento da depressão grave como a ECT”, explica o psiquiatra. “É frequente ouvirmos os pacientes e as suas famílias descreverem o tratamento como ‘um milagre’”.

Quando surgiu, nos anos 1930, e durante várias décadas, a eletroconvulsivoterapia era administrada sem condições de segurança, o que alimentou uma imagem negativa do procedimento. Era feita sem anestesia nem relaxantes musculares, provocando convulsões físicas violentas, com risco de fraturas. Muitas vezes era usada de forma coerciva, como um instrumento de controlo ou punição, sem o consentimento dos pacientes, e aplicada indiscriminadamente, mesmo quando os benefícios eram duvidosos.

Hoje, sublinha Pedro Frias, “é um tratamento seguro”. Além de ser utilizada anestesia, “a forma como a eletricidade é administrada foi alterada, sendo menos agressiva para o tecido cerebral”. Os aparelhos usados também são diferentes.

Ainda assim, o estigma persiste. “Há muito preconceito em torno da ECT, tanto por parte dos doentes a quem propomos o tratamento como das famílias e da sociedade em geral”, admite o psiquiatra, que integra a direção da Secção de Neuromodulação da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. As pessoas têm medo do desconhecido. Percebem que vão ser anestesiadas, o que representa uma perda de controlo. E a própria palavra ‘choques’ gera receio.”

No episódio, falou-se também dos riscos e efeitos secundários da eletroconvulsivoterapia, bem como da sua utilização nos serviços públicos.

SIC Notícias

Nesta temporada do podcast "Que Voz É Esta?", as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento exploram emoções como culpa, vergonha ou raiva, com mais casos reais e com a participação de especialistas na área da saúde. Ouça aqui mais episódios: