A primeira vez que Raul Manarte esteve na Faixa de Gaza foi em novembro e dezembro do ano passado, e a última foi há cerca de um mês, para uma missão humanitária de duas semanas no enclave palestiniano. O psicólogo da organização Médicos Sem Fronteiras diz que “nunca viu nada assim” ao longo de toda a sua carreira e experiência internacional em conflitos.

“Os palestinianos não podem sair. Nunca vi pessoas a não poderem ser refugiadas, que é um direito humanitário internacional, todos nós podemos fugir do horror”, conta. “Nunca vi um sítio onde a comunidade internacional sabe tão bem o que se passa e há tanta revolta, mas tal não se traduz em mudanças no terreno. Também nunca tinha visto a distribuição de comida ser usada como uma arma de guerra”, descreve o psicólogo.

Neste último ponto, Raul Manarte refere-se à polémica Fundação Humanitária de Gaza, que gere a entrega de ajuda e alimentos, apoiada por Israel e Estados Unidos, e considerada uma “armadilha mortal” por organizações de direitos humanos. Desde 27 de maio, dia em que a Fundação começou a operar, quase 2000 civis foram mortos pelas tropas israelitas enquanto tentavam obter comida e cerca de 14 mil ficaram feridos, segundo a Organização Mundial de Saúde.

Os profissionais de saúde e os trabalhadores humanitários têm de tentar fazer o seu trabalho num cenário de guerra, e em que não há comida, água ou medicamentos suficientes para ninguém. E não é possível falar de “saúde mental sem necessidades básicas e sem segurança”, diz o ativista. “Uma pessoa não pode estar bem se não sabe se vai estar cá amanhã, ou se o filho vai estar cá amanhã ou se viu a filha despedaçada ontem, ou se não tem acesso a comida ou água...”

Tendo estado no terreno já por duas ocasiões diferentes e visto com os seus próprios olhos o que está a acontecer, Raul Manarte não tem pudor em usar a palavra “genocídio” devido “à matança em massa de civis, aos deslocamentos forçados, à fome ou à impossibilidade de condições básicas de vida”. “Um colega meu palestiniano dizia: ‘chamem-lhe genocídio ou o que quiserem, discutam a terminologia, que nós estamos demasiado ocupados a morrer’”.

Este episódio foi conduzido pela jornalista Mara Tribuna e contou com a edição técnica de Gustavo Carvalho. O Mundo a Seus Pés é o podcast semanal da editoria Internacional do Expresso. A condução do debate é rotativa entre os jornalistas Ana França, Hélder Gomes, Mara Tribuna, Pedro Cordeiro e Catarina Maldonado Vasconcelos. Subscreva e ouça mais episódios.

Tiago Pereira Santos