
O Ministério Público (MP) quer que o Tribunal da Relação de Lisboa anule a pena de 25 anos de prisão a que um tribunal de primeira instância condenou um cidadão afegão por ter morto duas mulheres no Centro Ismaili, em Lisboa.
De acordo com o recurso que entreguou na Relação e a que a agência Lusa teve acesso, o MP considerou ter existido um erro na apreciação da prova e, ainda que tenha entendido que o julgamento não deve ser repetido, defendeu uma nova decisão, com a aplicação de uma medida de segurança superior a três anos em vez da pena de 25 anos de prisão.
Abdul Bashir foi condenado no início de junho à pena máxima de prisão, tendo o tribunal determinado que o afegão de 30 anos não é inimputável e, por isso, deve cumprir pena em estabelecimento prisional e não numa clínica destinada ao tratamento de doença mental.
Na decisão, o coletivo considerou que o homem atuou deliberadamente e, apesar das perícias feitas por psiquiatras forenses, o tribunal acabou por ter como base a avaliação de um psicólogo forense que considerou não existir um diagnóstico de esquizofrenia.
No recurso, o Ministério Público criticou esta decisão, referindo que o tribunal de primeira instância não deveria ter dado mais credibilidade a um relatório feito por um psicólogo forense e que os psicólogos não podem fazer diagnósticos de doenças mentais de base neurológica.
Para o Ministério Público, é clara a existência da doença de esquizofrenia e, por esse motivo, Abdul Bashir deve ser considerado inimputável.
Esta posição já tinha sido, aliás, defendida nas alegações finais deste julgamento, com o MP a defender a inimputabilidade e a medida de internamento.
Referência a um abaixo-assinado de 32 psiquiatras
O Ministério Público fez ainda referência ao manifesto de psiquiatras, feito a propósito desta decisão judicial e enviado à Ordem dos Médicos, em que 32 psiquiatras manifestaram "perplexidade e preocupação".
Os especialistas consideraram que o tribunal "ignorou um diagnóstico médico, apoiando-se num parecer de psicólogo forense que não pode fazer diagnósticos médicos, nem contestá-los e que, portanto, extravasou a sua competência".
Estes psiquiatras sublinham que o direito à saúde é constitucional e que "negar esse direito, num contexto em que a esquizofrenia foi diagnosticada e documentada, significa abdicar do princípio da dignidade da pessoa humana".
O recurso do Ministério Público acompanha o recurso apresentado pela defesa de Abdul Bashir, que defendeu que pretende manter este homem no hospital prisional de Caxias, para que continue a receber o devido tratamento.
O crime aconteceu a 28 de março de 2023 e morreram duas mulheres, de 24 e 49 anos, que trabalhavam no serviço de apoio aos refugiados do Centro Ismaili.
No total, o cidadão afegão foi considerado culpado de sete dos 11 crimes de que estava acusado: dois de homicídio agravado, três de homicídio na forma tentada, um de resistência e coação sobre funcionário e um de detenção de arma proibida.