
A maternidade secundariza mediaticamente as atletas olímpicas no ativo no Brasil e em Espanha, segundo um estudo de universidades portuguesas, que reconhece o tema como alvo de um "foco mediático excessivo" na cobertura jornalística.
"Sabemos que o jornalismo parte do interesse por aquilo que foge do óbvio. Apesar de o número de mulheres enquanto mães atletas ter aumentado, ainda é uma relativa raridade. O que vemos como problema? É a repetição exaustiva da temática e da abordagem, e muitas vezes o olhar sob esse aspeto sendo superior à questão desportiva", explica à Lusa a investigadora Caroline Patatt.
Patatt, que trabalhou uma década como jornalista na área do desporto, assina um artigo enquanto investigadora da Universidade da Beira Interior, em conjunto com a colega de instituição Micaela Cabral e Carla Cerqueira, da Universidade Lusófona, em que analisam o enquadramento mediático de mães-atletas nos Jogos Olímpicos Rio2016 e Tóquio2020 no Brasil e em Espanha.
"É no mínimo curioso que algumas atletas, em alguns casos, tenham sido repetidamente retratadas da mesma forma. Foram medalhadas, tiveram as suas conquistas, anseios, dificuldades e glórias, mas a maternidade acaba sempre a ser reproduzida de maneira muito semelhante e quase no sentido de: 'apesar de ser atleta, é mãe'. 'Apesar de ser mãe, é atleta'", acrescenta.
A análise, que se estendeu também aos ciclos olímpicos associados, notou que as atletas eram reduzidas ao 'feito' de terem sido mães e se mantido ao mais alto nível no desporto, nem sempre com ênfase na situação em si, como "por rompimentos contratuais, salários por pagar" ou falta de apoios, portanto "uma forma construtiva".
Entre casos que chamaram a atenção, a investigadora nota o de Alexandra Nascimento, entrevistada para a investigação, que decidiu retirar-se da seleção brasileira de andebol após Tóquio2020 por querer ser mãe.
Depois de nascer a filha, continuou a jogar ao mais alto nível, em Espanha, e o Elche, o seu clube, tornou-se caso emblemático de apoio, ao "oferecer ama, a possibilidade de levar a filha para treinos, concentrações e jogos", "uma situação atípica que foi registada".
"Mas no Brasil, o assunto simplesmente morreu [depois de se retirar]. Acabou", lamenta.
A futebolista Tamires Dias, do Corinthians, já tinha sido mãe há 11 anos quando, em 2021, lhe continuavam a perguntar como era ser mãe no alto rendimento, levando a que a própria manifestasse incómodo com essa abordagem.
"Há a questão do recondicionamento, do processo de reabilitação, como se fosse um jogador com uma lesão. É um processo natural. No caso da Alexandra, teve de fazer cesariana e relatou um processo bastante complexo. Mas e quando a criança já tem 11 anos? O que é que faz com que a abordagem continue a ser nesse mesmo sentido?", questiona Patatt.
Em Espanha, a nadadora de artística Ona Carbonell, 23 vezes medalhada em Mundiais, foi "reduzida àquela condição", uma vez que todas as notícias estudadas pelas investigadoras no período definido, "mas absolutamente todas", abordavam o tema da maternidade.
"No material que analisámos, em Espanha, em 48,8% dos casos, essas palavras indicativas associadas [à maternidade], e sem contar com sinónimos, foram repetidas. Quando se abordava, abordava-se muito. E as outras questões acabam secundarizadas", lamenta.
Esse foco excessivo "tem de ser revisto", até para que a repetição não acabe a cansar os leitores, que poderiam antes beneficiar de "diferentes olhares" acerca de uma carreira de alto nível.
A falta de orientações nas redações quanto aos assuntos, por um lado, e este meio ser "ainda hoje mais um meio masculino", mesmo que essa assimetria de género seja atenuada na cobertura olímpica, contribuem para este efeito.
"Parte-se da visão universalizada de que maternidade e desporto são ainda situações que não combinam muito. O jornalismo tem o interesse pelo aspeto do diferente, do curioso, o que é natural. Crescemos numa sociedade que nos ensina a olhar para a mulher de forma diferente, para a mulher no desporto de forma diferente, e da mãe no desporto quase como uma aberração, como se fosse impossível de conciliar", analisa.
Além de uma segunda parte do estudo, têm como missão "mais do que apontar o que precisa de ser melhorado, contribuir para uma melhoria", razão pela qual vão criar um manual de boas práticas para distribuir pelos meios de comunicação social portugueses, brasileiros e espanhóis, identificado orientações para a cobertura mediática.
"Não é com um manual que vamos transformar uma situação que acontece há muitos e muitos anos, [mas] acredito que são pequenos passos, alterações pontuais, que vão poder tornar o olhar mais plural. Procurar mais nuances sobre a realidade destas atletas", remata.
O artigo "A maternidade no contexto olímpico: uma análise das notícias publicadas nos portais desportivos mais acessados de Brasil e Espanha", publicado na Communication & Sport, será agora apresentado em setembro num congresso na Universidade Sapienza, em Roma.