É a primeira grande manifestação contra o Governo ucraniano em mais de três anos de guerra. Centenas de pessoas saíram a rua para se manifestar contra a aprovação de uma lei que limita a independência de dois organismos anticorrupção que funcionavam desde 2015.

As autoridades justificam a tomada de decisão, argumentando que dentro destas estruturas há influência russa. Os manifestantes pedem a Zelensky que vete a medida. “Escolhemos a Europa, não a autocracia”, dizia um cartaz, “o meu pai não morreu por isto”, dizia outro.

A Comissão Europeia manifestou uma "séria preocupação" com a lei, referindo que estes organismos são "cruciais" para a adesão da Ucrânia ao bloco.

Que lei é esta?

O projeto de lei, já assinado por Volodymyr Zelensky, entrou em vigor esta quarta-feira. Visa conceder ao procurador-geral - que, por sua vez, está sob a tutela do Presidente -, o controlo do Gabinete Nacional Anticorrupção (Nabu) e do Ministério Público Especializado Anticorrupção.

A partir de agora, procurador-geral passa a ter acesso a todas as investigações do NABU e pode emitir novas instruções, encerrar casos e assinar pessoalmente acusações contra altos funcionários.

Com a aprovação da lei, também o chefe do SAP - gabinete especializado de anticorrupção - deixa de desempenhar funções. A lei foi assinada após um ex-deputado e vários funcionários de uma dessas organizações terem sido detidos.

Porque foi criada?

As duas organizações foram envolvidas numa alegada fuga de documentos secretos para os serviços russos. Fedor Khristenko, ex-deputado, foi acusado de tentar influenciar a NABU a partir do estrangeiro através das suas ligações a alguns dos funcionários do gabinete.

Nas últimas horas, foram também realizadas buscas nas casas de vários familiares de Khristenko, onde foram encontrados documentos relacionados com investigações secretas conduzidas pelo NABU.

O Ministério Público sustenta que Khristenko foi recrutado pelo Serviço Federal de Segurança durante o Governo do ex-presidente Viktor Yanukovych e, desde então, tem passado informações confidenciais à Rússia e ajudado suspeitos de corrupção a fugir da Ucrânia.

As explicações de Zelensky

Já depois das manifestações, a presidente da Ucrânia disse que as infraestruturas continuarão a funcionar, mas sem influência russa. Zelensky não mencionou especificamente a lei, mas apresentou um argumento para justificar a alteração legislativa.

"É claro que a NABU e o SAP vão funcionar e é importante que o procurador-geral tenha a determinação de garantir que, na Ucrânia, o castigo para aqueles que vão contra a lei seja inevitável."

"Durante anos, os funcionários que fugiram da Ucrânia têm vivido no estrangeiro por alguma razão, em países muito bons e sem consequências legais, e isto não é normal", acrescentou, referindo-se aos fugitivos ucranianos que encontraram refúgio noutros países, especialmente na Europa.

As preocupações da Comissão Europeia

Entretanto, a Comissão Europeia manifestou uma "séria preocupação" com a lei, referindo que estas são "cruciais" para a adesão da Ucrânia ao bloco.

A Comissária Europeia para o Alargamento, Marta Kos, disse em comunicado após a votação na Rada Ucraniana que "o desmantelamento de salvaguardas essenciais que protegem a independência do Gabinete Nacional Anticorrupção da Ucrânia é um sério retrocesso".

A comissária eslovena enfatizou que ter agências independentes é "essencial" no caminho da adesão à UE e que "o Estado de direito continua no centro das negociações de adesão".

Em conferência de imprensa também o porta-voz de Bruxelas para o Alargamento, Guillaume Mercier, alertou para a situação das instituições anticorrupção na Ucrânia, sublinhando que são "cruciais" para o programa de reformas que aproximará o país da UE e que por isso devem operar "de forma independente" para combater a corrupção e manter a confiança dos cidadãos.

"A UE presta assistência financeira significativa à Ucrânia, condicionada ao progresso, à transparência, à reforma judicial e à governação democrática", insistiu Mercier.

Por conseguinte, reiterou que a entrada de Kiev na UE dependerá na maioria da sua capacidade de combater a corrupção e de demonstrar força institucional, sublinhando que a UE irá monitorizar a situação e apoiar a Ucrânia nestes esforços.

- Com LUSA