
A entrevista política que a CNN fez a José Sócrates foi a melhor entrevista judicial que ele deu. Ao dedicar menos tempo a defender-se das acusações que a justiça lhe faz, defendeu-se melhor das acusações que a justiça lhe faz. Quando José Sócrates fala do processo Marquês, fica tão claro que não tem razão que ninguém tem coragem de se atravessar por ele. Quando José Sócrates só fala das suas ideias políticas, consegue ter alguns setores da esquerda a sonhar com uma absolvição e com um regresso salvador.
Haver pessoas de esquerda entusiasmadas com José Sócrates é uma vitória mais saborosa para a direita do que a goleada eleitoral de há três semanas. Uma coisa é perder eleições, outra é desistir de tentar ganhá-las para sempre. A esquerda, em 2025, querer resolver a falta de líderes com a reabilitação de José Sócrates é como o Benfica, em 2025, querer resolver a falta de laterais-direitos com a contratação de Maxi Pereira. Não só o tempo já passou, como sempre foi mais carisma do que qualidade - e, pior do que tudo, ninguém se esquece que saiu pela porta pequena.
O crédito que José Sócrates ainda tem é um atestado de inutilidade às figuras atuais e do passado recente Partido Socialista. José Sócrates, de facto, tem muito carisma e algumas ideias. António Costa tinha algum carisma e pouquíssimas ideias. Pedro Nuno Santos tinha ideias - partilha o desenvolvimentismo com Sócrates - mas o seu carisma foi altamente sobrevalorizado pela bolha, anulado pela inconsistência e, por fim, desmentido cabalmente nas urnas. José Luís Carneiro é um senhor simpático.
Porém, este deserto de liderança também é culpa de José Sócrates. Sócrates fez do PS um partido inabitável, do qual muita gente só quer distância, que teve de fugir à sua matriz para se dissociar dele. De certeza que há por aí outros cidadãos de centro-esquerda carismáticos e com um pendor reformista, mas é provável que tenham posto de lado a hipótese de servir o país precisamente por causa de José Sócrates, que conspurcou e desonrou incontornavelmente o posicionamento ideológico que defende ao mercadejar cargos que lhe foram confiados pelo povo. Não há um deserto em que José Sócrates é um oásis. O próprio é que secou tudo: o campo político que ocupou tornou-se, por sua ação, estéril.