O Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) considera que a nova lei de estrangeiros constitui um "endurecimento desnecessário" das regras migratórias, viola normas internacionais e a Constituição, e colocará problemas na atratividade de mão-de-obra.

"Consideramos desnecessário o endurecimento generalizado das regras relativas à imigração" e a "simples eliminação da figura da Manifestação de Interesse (MI) já seria uma medida suficiente para reforçar o controlo das entradas e assegurar a regularização das permanências em território nacional", indica o JRS no parecer entregue ao Conselho Nacional de Migrações e Asilo e ao Presidente da República, a que a Lusa teve esta quinta-feira acesso.

O diploma foi aprovado dia 16 de julho, com os votos favoráveis do PSD, Chega e CDS, abstenção da IL e oposição de toda a esquerda.

Num momento em que o Presidente da República está a apreciar o diploma, aprovado no parlamento, o JRS avisa para os riscos da promulgação, que irá contribuir para "um grande decréscimo do número de imigrantes a chegar a Portugal", que não é "um destino competitivo no contexto europeu da imigração", porque "os salários são pouco atrativos e os serviços públicos continuam a dar respostas lentas e complexas", colocando em causa a "sustentabilidade dos setores que dependem fortemente de mão-de-obra imigrante".

As MI eram um recurso jurídico, eliminado no ano passado, que permitia o acesso à autorização de residência de estrangeiros a trabalhar em Portugal com vistos de turistas, uma medida que se deveu à incapacidade do sistema consular português em dar respostas à procura de imigrantes.

"Queremos seguir o exemplo de Itália? Após um endurecimento das regras, por vezes com medidas juridicamente duvidosas, o próprio Governo italiano veio agora reconhecer a necessidade de emitir meio milhão de vistos de trabalho para colmatar a escassez de mão-de-obra ", salientou a ONG católica, que fez parte de uma comitiva da Igreja recebida em Belém.

Os jesuítas reforçam ainda que as MI foram, desde o início, "uma medida excecional, com efeitos complexos e, em certa medida, desafiantes para a gestão administrativa da imigração", devido à "facilidade com que era possível aceder a um pedido de autorização de residência sem controlo prévio de entrada".

Isso "contribuiu, efetivamente, para um aumento significativo do número de processos e para a sobrecarga do SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] e, mais recentemente, da AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo]", reconheceu o JRS, embora salientando que "esta figura jurídica nasceu como tentativa de resposta a uma falha estrutural": a "incapacidade da rede consular portuguesa para assegurar, com eficácia e humanidade, o acesso a vistos de entrada em Portugal".

Até porque "a maioria das pessoas não opta por migrar irregularmente", devido à "inacessibilidade ao sistema de vistos, agravada por embaixadas e consulados frequentemente inoperacionais, difíceis de contactar ou insuficientemente capacitados para lidar com situações de maior vulnerabilidade, deixa muitas pessoas migrantes sem qualquer alternativa viável", refere o documento.

Por isso, segundo o JRS, "na ausência de um sistema consular robusto, a imigração irregular não desaparecerá - apenas deixará de ser visível e mensurável", "escapando a qualquer controlo formal e dificultando a implementação de políticas públicas eficazes".

"É absolutamente urgente reforçar a capacidade da rede consular portuguesa ", avisa a ONG, que se mostra crítica das novas regras de reagrupamento de familiares que vivam fora de Portugal.

Novas regras colocam em causa "o princípio da união familiar" aprovado pela UE

Com a nova lei, o reagrupamento será autorizado apenas dois anos após autorização de residência em Portugal, o prazo-limite imposto pela diretiva europeia que regula o processo a que se somará o tempo de apreciação do requerimento.

Esta "maior exigência temporal para o período de decisão" significa, "na prática, que reagrupar um familiar poderá demorar quase três anos e meio, período demasiado exigente e em clara violação com o princípio da união familiar" aprovado pela União Europeia.

Além disso, o diploma "apresenta uma distinção entre imigrantes economicamente atrativos e imigrantes com profissões consideradas menos atrativas, permitindo que os primeiros tenham um acesso mais flexível ao reagrupamento familiar", o que "compromete largamente o princípio da não discriminação", previsto pela Constituição e normas europeias.

Um outro ponto crítico, para o JRS, é um ponto adicional à proposta inicial do Governo, durante o debate na especialidade, durante as negociações com o Chega, que retira direitos de recurso para os tribunais civis de decisões sobre reagrupamento familiar ou outras matérias da AIMA.

"Redigido em termos excessivamente técnicos e opacos", o diploma "limita severamente o uso da ação especial de 'intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias'" e constitui "uma clara violação da Constituição da República Portuguesa" e é "incompatível com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos", o que abre caminho a condenações de Portugal no tribunal internacional.

No parecer aponta-se ainda que o "artigo introduz uma tentativa inadmissível de subordinar os direitos, liberdades e garantias a constrangimentos operacionais da Administração Pública".