
O presidente do Conselho Europeu, António Costa, afirma que investir em defesa sem preservar o Estado social da União Europeia (UE) seria um "suicídio coletivo", destacando o impulso norte-americano à unidade europeia em torno dos objetivos da NATO.
"Aqueles que colocam como opção escolher entre o Estado Social e a investir na defesa é um suicídio coletivo porque ninguém se mobiliza para se defender se não for para defender o seu próprio modo de vida. E o que caracteriza o nosso modo de vida europeu é precisamente a existência deste Estado Social forte", afirma António Costa em entrevista à agência Lusa em Bruxelas a propósito dos seus seis meses no cargo.
"Isso é absolutamente essencial porque a defesa não é só um gasto militar, a defesa é a mobilização do conjunto da sociedade para se defender a si própria. E o que é que é a sociedade defender-se a si própria? É defender seus valores e o seu modo de vida", acrescenta.
Para o líder da instituição que junta os chefes de Governo e de Estado da UE, "é fundamental manter esse Estado Social e ter a capacidade de organizar a economia para gerar os recursos necessários para sustentar este investimento em defesa".
Numa altura de contínua guerra da Ucrânia causada pela invasão russa e de tensões geopolíticas no Médio Oriente, António Costa vinca que "a Europa mudou radicalmente" pois "houve uma compreensão generalizada que a paz sem defesa é uma ilusão".
"Portanto, a Europa da defesa tornou-se uma realidade e foi isso que, logo em março de 2022 [...], o Conselho Europeu decidiu, que foi assumir maiores possibilidades na área da defesa", assinala.
Para tal, contribuíram, a seu ver, os apelos do Presidente norte-americano, Donald Trump, a mais gastos em defesa, desde que voltou à administração dos Estados Unidos no início deste ano.
"O Presidente [norte-americano, Donald] Trump, paradoxalmente, ajudou a resolver isto porque a dúvida que existia na Europa era [entre] aqueles que entendiam que a autonomia estratégica e o reforçar o pilar europeu da NATO era uma divisão relativamente aos americanos e uma bizarria francesa que criava um problema no relacionamento com os Estados Unidos, [mas] a verdade é que, com o Presidente Trump, [...] ambas as partes convergem na mesma posição", elenca.
Nesta entrevista à Lusa, António Costa conclui: "A melhor forma hoje em dia de preservar a relação transatlântica é com uma Europa da defesa, um pilar europeu da NATO e uma maior autonomia estratégica da Europa."
Na semana passada, reunidos em Bruxelas, os líderes da UE comprometeram-se a financiar adequadamente o aumento dos gastos com defesa, coordenando tal investimento para o fazer "melhor em conjunto", dada a nova meta da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) dias antes.
Os chefes de Governo e de Estado da UE pediram também à Comissão Europeia e à chefe da diplomacia comunitária, Kaja Kallas, que apresentem um roteiro para alcançar a prontidão da defesa comum da UE até 2030.
Na cimeira da NATO, os 32 aliados da Aliança Atlântica assumiram o compromisso de gastarem, até 2035, 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em despesas militares tradicionais (forças armadas, equipamento e treino) e 1,5% do PIB adicionais em infraestruturas de cibersegurança, prontidão e resiliência estratégica, um acréscimo face ao atual objetivo de 2%.
Entre 2021 e 2024, a despesa dos Estados-membros da UE com defesa aumentou mais de 30%, para 326 mil milhões de euros, o equivalente a cerca de 1,9% do PIB comunitário.
Portugal investiu cerca de 1,55% do PIB em defesa no ano passado e já disse que este ano chegará aos 2%.
Não está no horizonte da Rússia negociar a paz
O presidente do Conselho Europeu defende que o bloco comunitário deve continuar a pressionar o Kremlin com mais sanções pois "não há no horizonte" disponibilidade da Rússia para negociar um cessar-fogo com vista à paz na Ucrânia.
"A Rússia recusou o cessar-fogo, a Rússia recusou participar em alto nível nos esforços de negociação e a Rússia tem, aliás, intensificado os ataques à Ucrânia e, portanto, isso significa que não parece que esteja no horizonte da Rússia a predisposição para negociar a paz", diz António Costa.
O antigo primeiro-ministro português salienta: "O ideal era a guerra não ter começado, o segundo ideal era a guerra acabar no próximo segundo, [mas] a realidade é que, apesar do apoio que todos temos dado aos esforços do Presidente [norte-americano, Donald] Trump para procurar um acordo de paz, esses esforços não têm tido a menor correspondência do lado da Rússia."
Numa altura em que a UE está prestes a aprovar o seu 18.º pacote de sanções à Rússia pela guerra da Ucrânia, António Costa defende que o bloco comunitário deve "não só continuar a apoiar a Ucrânia, como [...] aumentar a pressão sobre a Rússia".
Este novo pacote de medidas restritivas - que vai incluir novas listagens de entidades e indivíduos abrangidos pelas sancoes, reforço do combate à frota fantasma do petróleo russo e alargamento das limitações ao sistema bancário russo -- está, de acordo com o presidente do Conselho Europeu, a ser ultimado e será coordenado "com os Estados Unidos, com o Canadá e com os outros parceiros internacionais".
"Esta tem de ser uma pressão global para poder ter eficácia", considera.
Apesar de a guerra persistir, António Costa vinca que as sanções europeias estão a funcionar dada a "situação de grande debilidade" da economia russa.
Esta entrevista à Lusa ocorre quando se tentam conversações de paz com mediação norte-americana e nas quais a UE entende que a Ucrânia deve estar na posição mais forte possível antes, durante e depois das negociações para pôr termo à guerra.
A Ucrânia detém também, desde 2022, o estatuto de país candidato à UE e, para António Costa, "é impressionante" como, "no meio de uma guerra, tem medo de conseguir realizar o conjunto de reformas que são essenciais" para tal adesão.
No passado dia 01 de dezembro de 2024, António Costa começou o seu mandato de dois anos e meio à frente do Conselho Europeu, sendo o primeiro socialista e português neste cargo.
Passou esse primeiro dia em funções em Kiev para garantir apoio europeu à Ucrânia.
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a UE concedeu 138,2 mil milhões de euros à Ucrânia e, em termos de ajuda financeira, o bloco europeu contribuirá com 30,6 mil milhões de euros para Kiev em 2025.
A UE também tem avançado com pesadas sanções contra a Rússia, nomeadamente económicas ou diplomáticas visando milhares de pessoas e entidades, com a proibição de viajar para a UE, o congelamento de bens e a indisponibilidade de acesso a fundos que provenham do espaço comunitário.
Avançou também para o congelamento de bens, num total de 24,9 mil milhões de euros de bens privados congelados no espaço comunitário e de 210 mil milhões de euros de bens do Banco Central da Rússia bloqueados.
Ao nível comercial, as medidas restritivas europeias visam 48 mil milhões de euros em exportações proibidas para a Rússia e 91,2 mil milhões de euros em importações proibidas provenientes da Rússia.
A Ucrânia tem também contado com ajuda financeira e em armamento dos aliados ocidentais.
Os aliados de Kiev têm decretado sanções contra setores-chave da economia russa para tentar diminuir a capacidade de Moscovo de financiar o esforço de guerra na Ucrânia.
Acordo comercial entre UE e EUA é consequência lógica do acordo na NATO
O presidente do Conselho Europeu considera que o acordo na NATO deve ter um efeito positivo nas negociações comerciais entre a UE e os Estados Unidos e espera que estas se concluam "rapidamente e bem".
Na entrevista à Lusa a propósito do primeiro semestre como presidente do Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-membros da União Europeia, o político português defende que "a incerteza é o pior possível para a economia", razão pela qual é fundamental que "rapidamente haja certezas" quanto ao futuro da relação comercial entre os dois grandes parceiros económicos.
As tensões comerciais entre Bruxelas e Washington devem-se aos anúncios de Donald Trump de imposição de taxas de 25% para o aço, o alumínio e os automóveis europeus e de 20% em tarifas recíprocas ao bloco comunitário, estas últimas, entretanto, suspensas por 90 dias. Este prazo termina a 9 de julho, sendo que o comissário para o comércio, o eslovaco Maros Sefcovic, viajou esta semana para os Estados Unidos para conversações.
Para António Costa, "é evidente que o acordo que os europeus fizeram com os americanos no âmbito da NATO, resolvendo mesmo o principal problema que havia nas relações entre uns e outros (...) só pode ter uma influência positiva nas negociações comerciais".
E destaca: "Eu diria mesmo que a consequência lógica do acordo que foi feito na NATO é ter um efeito positivo na negociação comercial."
Na quinta-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, avisou os Estados Unidos de que a UE se está a preparar para a possibilidade de não haver um "entendimento satisfatório", prometendo defender os interesses europeus.
Horas depois, Donald Trump afirmou que a União Europeia "é muito desagradável" por aplicar "impostos muito injustos" às empresas do país, mas acrescentou que "em breve aprenderão a não ser tão desagradáveis".
António Costa recusa-se a comentar as declarações do presidente norte-americano, preferindo focar-se naquilo que considera essencial: o volume das relações comerciais entre os Estados Unidos e a Europa, que representam 30% do comércio internacional e que são 40% do PIB mundial.
"Portanto, tudo o que afete estas relações comerciais tem um efeito muito negativo na economia americana, muito negativo na economia europeia e muito negativo na economia global", disse.
Segundo Costa, a União Europeia defende e propôs aos Estados Unidos tarifas zero, considerando que estas significam impostos pagos pelos consumidores e, portanto, com impacto no aumento da inflação. Esta não é, porém, a posição da administração americana, que vê as tarifas como um bom instrumento de política económica.
"Toda a gente acha o contrário, mas esta é a visão da administração americana e temos que nos empenhar em procurar controlar os impactos que existem na economia global, na economia europeia e também na economia americana. Estamos a negociar para minimizar aquilo que são os efeitos desta visão", diz o presidente do Conselho Europeu.
O político europeu admite que, no limite, as negociações ainda poderiam ser adiadas, mas pensa que isso seria "prolongar a incerteza. Tudo o que seja resolver o mais rapidamente possível resolve a incerteza, mas seria desejável que aquilo que chegássemos fosse algo positivo para ambas as partes, pelo menos o menos negativo possível para ambas as partes".
Quanto à NATO, António Costa não quis comentar as polémicas afirmações do secretário-geral Mark Rute, que chamou "daddy" (paizinho) ao presidente Donald Trump e prometeu que "os europeus iam pagar à grande", mas observa que a cimeira da semana passada resolveu as dúvidas que havia sobre a sua existência.
"Depois de vários meses em que havia dúvidas se a aliança transatlântica subsistia ou não subsistia, todos os parceiros expressaram a vontade de continuar juntos, reforçar o nosso relacionamento e acordaram novos objetivos para reforçar a Aliança Atlântica que, até prova em contrário, é a mais eficaz força de defesa coletiva que temos à escala global", diz.
Quanto aos Estados Unidos, garante: "Foram muito claros, se quiser, renovaram os seus votos precisamente nesta reunião da Aliança Atlântica."
No dia 1 de dezembro de 2024, António Costa começou o seu mandato de dois anos e meio à frente do Conselho Europeu, sendo o primeiro socialista e português neste cargo.