
Numa altura em que a imigração e os desafios com ela relacionada ocupam o debate público, com evidentes indicadores de risco referenciados doméstica e internacionalmente, importa corrigir vários erros que foram cometidos no passado e que debilitam a capacidade de resposta do sistema de segurança interna e, em concreto, das Forças de Segurança que assumem o ónus de assegurar o controlo nas fronteiras internacionais, honrando as exigências do acordo Schengen, e bem assim a fiscalização interna de todo o tipo de irregularidade que, convém lembrar, têm sido constantes nos últimos tempos, bastando ter presente o número de acções policiais que culminaram na detecção de quadros degradantes de sobre ocupação de caves, garagens, armazéns e outros.
Este é o resultado [indesejado] de uma incapacidade natural de albergar e acomodar condignadamente mais de 1 milhão de imigrantes que, nos últimos anos, vieram para Portugal. É, pois, também expectável, que, para além da incapacidade dos serviços do Estado em promoverem a instrução célere dos procedimentos de legalização, antes SEF, agora AIMA, que se criem condições óptimas para aproveitamento e exploração de migrantes (nas suas mais diversas formas) que, perdidos e desamparados, são arrastados para redes de tráfico, entre outro tipo de acções ilícitas, como os falsos certificados de residência, com centenas de imigrantes a aparecerem artificialmente domiciliados em apartados/moradas onde nunca viveram. O crime floresce no caos, e é este caos que tem que ser erradicado.
O Governo tem vindo a anunciar reiteradas vezes a criação de uma Unidade de Fronteiras na PSP com poderes reforçados que congregue, para além das competências timidamente atribuídas com a extinção do SEF, as decisões administrativas de retorno e ainda a instrução de contra-ordenações em matéria de imigração, retirando-as da égide de uma entidade como a AIMA que tem uma natureza administrativa incompatível com o desempenho destas tarefas. É portanto inevitável que os dados de afastamento coercivo nunca tenham sido tão baixos, não que se pretenda institucionalizar uma política de retorno asséptica, mas assegurar que ela existe e funciona nos casos em o retorno/expulsão seja uma inevitabilidade. Este é, por conseguinte, um filho que neste momento está órfão de pai (o extinto SEF), e que não tem ninguém que o guie, i.e., são tarefas que não sendo desempenhadas pela AIMA, que não as conhece, não podem sê-lo pela PSP, que legalmente não pode. Isto não coloca em crise a promoção e esforço do Estado na primazia a dar aos retornos voluntários através do European Union Return Program, tudo a favor de um retorno feito com sucesso, mas o mais humanista possível.
É, portanto, imperioso que este estado de indeterminação seja rapidamente resolvido, promovendo-se à [quase] completa integração de competências na PSP para que esta se torne verdadeiramente multidisciplinar na resposta às exigências que derivam do Pacto Europeu de Migração e Asilo. Assegura-se, assim, uma separação clara e lógica entre o que seria uma Agência de migração, que se ocuparia de todo o processo administrativo de legalização, da obtenção de residência , do processo de concessão de asilo, do acolhimento e da integração dos migrantes e refugiados, uma instituição de verdadeiro apoio a quem procura, de forma legal, entrar e viver no espaço europeu ou que, de facto é vítima de perseguição política, religiosa ou outra que determine a necessidade da proteção internacional, concentrando, de forma lógica e funcional, as competências policiais. Aliás, têm-nos sido dirigidas várias e renovadas críticas pelas instâncias europeias exactamente por estarmos a gerir tacanhamente estas matérias, e tudo porque na resolução atabalhoada do SEF, se decidiu promover um espartilho de competências totalmente sem sentido, sem critério e sem arrimo funcional, boicotando a promoção de uma resposta eficaz que promove não só a segurança interna de Portugal, mas sobretudo a Segurança Comum dos 27 Estados da União, sendo esse um dos seus pilares fundamentais.
É neste sentido que destacamos a necessidade imperiosa de reverter a decisão legislativa que veio arredar a PSP e GNR da componente investigatória dos crimes relacionados com a imigração, in fine o tráfico de seres humanos e o auxílio à imigração ilegal. Estes eram crimes que à luz da antiga lei de Organização da Investigação Criminal estão adstritos, em regime concorrencial, ao SEF (em razão da sua componente de elevada e exclusiva especialidade nesta matéria) e à PJ (pela sua natureza exclusiva de órgão de investigação criminal). Ora, o último Governo socialista achou (mal) que faria mais sentido concentrar num único órgão de investigação a exploração de cenários criminais relacionados com esta matéria. Não poderia ter sido pior a decisão, e basta termos a memória vívida quando em tempos idos se achou que no combate ao tráfico de droga faria sentido esta centralização, ideia que pouco tempo depois teve que ser revertida face às dificuldades da PJ em dar uma resposta mínima a um fenómeno tão alargado e enraizado, demandando a intervenção essencial dos órgãos de polícia criminal de proximidade, que têm uma enorme vantagem em relação aos primeiros por força do seu contacto e conhecimento permanente com as fronteiras e com o território, com as pessoas e [sobretudo] com os problemas.
Portugal é, neste momento, o único país da Europa em que as polícias que fazem o controlo de fronteiras não investigam também estes crimes, apesar de terem competência para investigação criminal, estrutura montada e provas dadas nesta área.Não se compreende, pois, o fundamento, ou falta dele, que esteve na génese da criação deste modelo, pouco funcional e contrastante com o referencial europeu.
Não se defende que a competência tenha de ser necessariamente exclusiva, ela pode muito bem ser partilhada. O que não pode é deixar de existir, sob pena de o combate a estes crimes ficar manco e aquém do necessário, porque as polícias que lidam com esta realidade, especializadas em migração, ficam privadas de um elemento essencial, designadamente as ferramentas processuais penais para apurar os factos.
Não faz sentido e prejudica a eficácia e contraria as boas práticas internacionais que a investigação esteja centralizada apenas num órgão nacional, distante e vocacionado para investigações mais complexas, que exigem técnicas e meios mais especializados. Este é o modelo que tem sido seguido amplamente em países que apresentam sistemas robustos de fronteira.
Quem está no controlo das fronteiras tem a competência de fiscalizar a imigração e, quem lida directamente no terreno com as realidades onde estes crimes são mais facilmente detectados, tem de estar habilitado a investigá-los. Seja nos postos de controlo fronteiriços – onde um passageiro pode estar a facilitar a passagem de um outro -, nos grandes aglomerados urbanos – veja-se os recentes casos públicos de armazéns ou lojas onde se alberga, de forma ilegal, dezenas de imigrantes –, seja nos meios rurais, junto dos campos agrícolas, onde mais se têm detectado vítimas de tráfico de seres humanos para exploração laboral. Se assim não for, estas polícias ficam limitadas nas averiguações imediatas e na recolha de prova essencial, como por exemplo a capacidade de ouvir um testemunho enquanto a vítima ou o migrante ainda está em território nacional e à disposição das autoridades. O que está em causa, no fundo, é a capacidade do Estado em dar uma resposta eficaz a este problema – tanto nos casos mais simples e de maior volume, como nos casos mais complexos, ligados a grandes redes internacionais.
As investigações não têm de ser todas de grande envergadura. E a PSP e a GNR estão particularmente vocacionadas para dar esta resposta rápida e para serem, como têm sido, elementos essenciais na resposta da justiça, e poderem dar, também neste domínio, uma resposta à altura, tendo dado, até à data, uma resposta bastante positiva, com a detenção de centenas de casos criminais nas fronteiras, em especial a aérea, relacionados não só com a imigração, mas também com outros crimes intimamente relacionados com estas plataformas de conexão, nomeadamente o tráfico internacional de estupefacientes, crimes de falsificação de documentos e crimes contra a família.
Não é viável que estes crimes sejam apenas investigados por brigadas ou unidades centralizadas. Não é possível. Não funciona. O nosso compromisso com os portugueses e com a União Europeia assim o exige. As Forças de Segurança têm feito um esforço hercúleo de adaptação e formação numa área que não conheciam, e, mais uma vez, têm-se mostrado à altura do elevado desafio que o Estado lhes atribui, confiando na sua singular capacidade e natureza integral. Saibamos aproveitá-la, saibamos respeitá-la, e para isso é preciso ter coragem. Esperemos que este Governo a tenha.