
Já nem o chanceler alemão - que mal ganhou as eleições convidou Benjamin Netanyahu para visitar a Alemanha - esconde a indignação com a situação humanitária em Gaza. Pelo segundo dia consecutivo, Friedrich Merz, deixa criticas ao Governo de Israel.
"Parece-me que chegou o momento de dizer publicamente que o que se está a passar neste momento já não é compreensível", admitiu esta terça-feira durante uma visita à Finlândia. No dia anterior, numa entrevista a uma televisão alemã, tinha dito que "quando o direito humanitário internacional é realmente violado, o chanceler alemão também deve dizer alguma coisa sobre isso".
A Alemanha, pela responsabilidade histórica no Holocausto, tem sido um dos principais apoiantes europeus de Israel, continuando a exportar armas para Telavive, quando outros países - caso de França ou Espanha - optam pelo embargo.
O próprio Friedrich Merz considera que "a Alemanha deve ser mais moderada do que qualquer outro país do mundo no aconselhamento público a Israel", no entanto, mostra-se agora aberto a pressionar Netanyahu. Só não diz ainda como, nem até onde está disposto a ir. Para já, fala em "intensificar o diálogo com o Governo de Israel”.
Merz reconhece que a "população civil (de Gaza) está a ser excessivamente afetada". E que "o que aconteceu nos últimos dias" já não "parece urgentemente necessário para garantir a defesa do direito de Israel a existir e para combater o terrorismo do Hamas".
Von der Leyen fala em situação “abominável”
Com Berlim a subir o tom das críticas, também a Presidente da Comissão Europeia vem de novo apelar ao fim do bloqueio que impede a entrada de ajuda humanitária em Gaza. A deterioração da situação no enclave foi discutida no telefonema que Ursula von der Leyen teve esta terça de manhã com o rei da Jordânia.
No final da conversa, a alemã foi ao X escrever que falaram "da deterioração da situação humanitária em Gaza" e que reiterou "o forte apelo da UE a Israel para que levante o bloqueio". Considera ainda que “a expansão das operações militares de Israel em Gaza, (…) matando civis, incluindo crianças, é abominável”. Uma crítica mais dura que não colocou em destaque nas redes sociais, mas que está no comunicado de imprensa que resume a conversa com o Rei Abdullah II.
A presidente afirma que a Comissão "sempre apoiou - e continuará a apoiar - o direito de Israel à segurança e à auto-defesa", mas contrapõe que a "escalada e o uso desproporcionado da força contra civis não podem ser justificados ao abrigo do direito humanitário e internacional”.
A Comissão Europeia, juntamente com o Serviço Europeu de Ação Externa, está neste momento a fazer a revisão do acordo que gere a relações política e comercial com Israel, para avaliar se os direitos humanos estão a ser respeitados, algo que é exigido pelo Acordo de Associação.
Porém, o executivo comunitário escusa-se a pôr um limite para apresentar conclusões. "Vamos partilhar a informação no devido tempo", reafirmava esta terça-feira um porta-voz do executivo comunitário. "Não temos um horizonte, em termos de calendário ou de conclusão", garantiu Anouar El Anouni.
Uma revisão que acontece numa altura em que o Presidente francês, Emmanuel Macron, evoca um massacre e que vários outros líderes, incluindo Luís Montenegro, descrevem a situação humanitária em Gaza como "absolutamente intolerável". Esta terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros Belga, falando a título pessoal, falava num genocídio.
“Não sei que outros horrores terão de acontecer em Gaza para que se possa falar de genocídio”, afirmou Maxime Prévot, em entrevista à revista flamenga “Humo”.
Já a Comissão continua a analisar. O que está em cima da mesa não é a suspensão do Acordo de Associação entre a UE e Israel, mas um primeiro passo para que Bruxelas diga se há ou não violação dos direitos humanos. Só depois, e consoante a avaliação formal, poderão ser propostas medidas: seja em termos de relação política - o que exige unanimidade, seja nas relações comerciais, que deverá ser decidido por maioria qualificada.
O que há para já é uma larga maioria de 17 países, incluindo Países Baixos, França, Espanha, Portugal ou Áustria que apoiam a revisão. Foi, aliás, Haia a colocar o assunto da revisão na agenda de ministros dos Negócios Estrangeiros do passado dia 20, levando a Alta Representante da UE para a Política Externa, Kaja Kallas, a dar andamento ao processo formal.
A Suécia queria até ir mais longe, defendendo sanções contra ministros do governo de Netanyahu. Porém, a mesma reunião deixou clara a oposição de países como a Alemanha, Hungria ou Grécia. O conflito entre Israel e a Palestina continua a gerar divisões e não é ainda claro de que forma os 27 podem concordar para pressionar, em termos práticos, Israel, para além das críticas que têm feito publicamente.