
O professor John Howkins, considerado o ‘pai’ da Economia Criativa, esteve presente na 11.ª Cimeira Atlântica das Indústrias Criativas - Madeira 2025, que decorreu no Salão Nobre da Assembleia Legislativa da Madeira, conforme noticiou o DIÁRIO oportunamente. Durante a sua intervenção, o consultor internacional defendeu que a criatividade se tornou “uma regra e uma questão de sobrevivência para pessoas, empresas, cidades, regiões e países”.
Ora, passados alguns dias tornámos a falar com John Howkins e procurámos respostas a algumas questões que importava especificar. Sobre o conceito de Economia Criativa, o professor explicou que esta ideia “surgiu nas décadas de 1980 e 1990, e baseou-se na consciencialização da Europa, da América e de alguns países, sobre as artes, o design, a media, a moda e o início da web e das plataformas online, não serem apenas importantes social e culturalmente e interessante para todos, mas que também tinham uma importância económica e industrial”.
Duas grandes transformações
John Howkins identificou duas mudanças fundamentais desde o início do conceito. A primeira foi “o aumento de experiências ‘on-line’, que mudou as produções, mudou o preço das produções, mudou a distribuição das produções, mudou a nossa forma de analisar e comparar as produções”. A segunda transformação foi “a maneira como a criatividade e a economia criativa, se tornaram um movimento de massa”.
O especialista, que já visitou países dos diversos continentes, observa: “Existe uma espécie de rede global, seja de que área criativa for, seja produzindo uma longa-metragem, projectando um prédio, criando uma praça pública, ou no design de moda. Há uma consciência global de que o sector criativo, que usa o talento e a imaginação, não é apenas muito interessante para as pessoas envolvidas, mas também é importante artística e culturalmente, e constitui-se como um negócio real”.
Uma economia centrada nas pessoas
Para John Howkins, “a economia criativa é a primeira a se basear nas pessoas, só depende de ideias, opiniões, pontos de vista diferentes, que partem do cérebro”. Contrastando com as economias tradicionais, explicou: “Até agora, após milhares de anos, sendo terra, propriedade, trabalho, forças de trabalho em massa, pelos quais, basicamente se pagou o mínimo possível pelo trabalho obtido, ou capital... o que está a acontecer agora, é que o principal activo da economia, e a principal fonte de riqueza na economia, é a imaginação individual”.
Sobre o que é realmente a criação, John Howkins foi claro: “Eu considero que poucas coisas hoje em dia são inventadas do nada, quase tudo é inventado ou sonhado, ou criado a partir da ‘base de dados’ da nossa memória”. O processo criativo, segundo o especialista, é “a capacidade de observar o redor sem parar, quase ser um pesquisador, captar cores, formas, ideias interessantes, que vemos nalgum sítio”.
O método ‘RIDER’
John Howkins criou um acrónimo para descrever a economia criativa: RIDER, que significa “incubação, sonhos, entusiasmo e cair na realidade”. Sobre este processo, explicou que “não é imperioso que passemos pelas cinco fases, por vezes passamos apenas, por duas, outras por três, quatro…é um processo contínuo”.
O consultor não romantiza o trabalho criativo: “Economia Criativa é a arte de exceder expectativas. A economia criativa pode ser vista como a arte de exceder expectativas porque ela se baseia na inovação e na capacidade de criar valor através da criatividade e da cultura. Ao invés de simplesmente replicar o que já existe, a economia criativa procura soluções originais, produtos e serviços únicos, e experiências memoráveis que vão além do esperado. Essa abordagem envolve a intersecção entre diversas áreas, como arte, cultura, design, tecnologia e inovação, e manifesta-se em sectores como o audiovisual, a música, a moda, o turismo, o património histórico, entre outros. A economia criativa é um motor de transformação, impulsionando o desenvolvimento sustentável, a geração de empregos e o crescimento económico, além de promover a inclusão social e a valorização da cultura”.
Em essência, diz, “a economia criativa é a arte de transformar ideias em realidade, de gerar valor a partir da criatividade e de superar expectativas, tanto para os consumidores quanto para a sociedade em geral”.
Ser criativo profissionalmente é um trabalho solitário (muitas vezes), difícil". Howkins foi categórico ao afirmar: “Há mais falhas na economia criativa, do que em qualquer outra área... se alguém quiser ser criativo, enfrentará desastres e mais desastres e faz parte do negócio”.
Para aqueles que pensam que ser criativo é fácil, o especialista responde: “Na verdade, é mais difícil do que qualquer outra coisa”. No entanto, enfatiza a importância do prazer no processo: “O processo criativo deve fornecer um profundo prazer, não se pode instruir ninguém a ser criativo, é preciso que haja interesse em ser criativo... se aquilo não dá prazer, haverá perda de interesse e não haverá sucesso”.
Investimento público na criatividade
John Howkins defendeu que “os países que estão a investir a sério na economia criativa, estão a criar um ambiente favorável ao criativo poder falar, investem no seu capital criativo”. O especialista considera que “os criativos não devem ser penalizados por usarem recursos públicos de investimento à criação, criatividade, inovação e talento, devem ser sim motivados a criar”.
Acordo com a ALM
O que estamos a dizer, tanto eu por todo o mundo, como o Sérgio aqui nesta cimeira que já leva 11 anos, é 'olhem, nós conhecemos essas áreas, todos conhecemos a arte, a media, a cultura, lemos livros, ouvimos música, gostamos de morar em casas bonitas, de comprar roupas bonitas… Mas nós vivemos isso como uma experiência cultural, mas também são extremamente importantes economicamente. É por isso com muito agrado que assisti ao acordo celebrado entre a a ALM e a Associação atribuindo o Alto Patrocínio a este evento, é extremamente importante todos os anos obter relatórios e dados sobre o que vai acontecendo. Penso que as pessoas só vão perceber o impacto deste evento que realizam na Madeira há 11 anos, daqui por 10 anos, mas é um trabalho extraordinário. John Howkins
E diz que é preciso sentir entusiasmo: "Tal como senti do Sérgio quando este me contactou para vir à Madeira, quanto mais penso na criatividade, mais eu percebo que as pessoas criativas sentem um profundo prazer, elas sentem um profundo prazer em realizar os seus trabalhos, pode ser frustrante, difícil, terrível, solitário, elas podem falhar e muito na verdade, há mais falhas na economia criativa, do que no negócio outro qualquer negócio em que quase não há falhas. O que quero dizer é que as pessoas, em particular os jovens, deveriam ter mais liberdade para desenvolver as suas ideias. Eles deveriam ter mais prazer com suas ideais, os governos deveriam criar um ambiente favorável a isso, porque todos sabemos, a maioria dos criativos falha e erra muitas vezes, as suas vidas nem sempre são feitas de sucessos, mas muitas vezes aquilo que falhou agora, pode resultar daqui a 10 anos e dar milhões".
O que faz com que países como Finlândia e Japão estejam entre os primeiros em economia criativa é uma combinação de educação de alto nível, liberdade e pessoas que estão não só pensando, como colocando a criatividade em prática. É difícil ser criativo, por isso você precisa de pessoas que sejam estranhas e malucas. E você também precisa de uma plateia interessada nas suas ideias como tivemos aqui na Madeira, eu já tive a discursar em salas de 2.000 pessoas que não percebiam nada do que estava a falar, nem estavam lá para isso, foram porque foram pagas ou porque tinham interesses políticos. eu prefiro estar no meio meio, bastam 5 a 10 muito bons para a mensagem passar a 500. Se tivermos 200 que nem saibam o que se está a falar nem se identificam, a informação morre na sala. Não sei se os portugueses são malucos o suficiente, mas encontrei bons malucos geniais na Madeira. John Howkins
Primeiras impressões da Madeira
Na sua primeira visita à ilha, Howkins mostrou-se impressionado: “Ninguém me tentou vender algo que consigo encontrar replicado em outras capitais do Mundo, e isso é a essência da diferenciação, a autenticidade das pessoas, da sua gastronomia, o orgulho nos seus locais emblemáticos… é realmente uma maravilha sentir a vossa arte de bem receber”.
O professor concluiu com uma promessa: “Regressarei”.
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ESTUDO DE CASO (‘CASE STUDY)
A histórica passagem e a apresentação de John Howkins na Cimeira Atlântica da Economia Criativa Madeira’25
Na sua apresentação, que reproduzimos na íntegra e que pode descarregar aqui em ‘powerpoint’, John Howkins aborda várias temáticas.
Anexo (PPT): Apresentação de John Howkins
A Economia Criativa: Uma Escolha de Realidades
“Os dois dias mais importantes da vida são o dia em que você nasce e o dia em que você descobre o porquê” - Mark Twain
O artista "descobre" o que gosta no mundo e o que quer mudar.
A sua criatividade constrói a cultura do amanhã
A Economia Criativa: Hoje
Participação nas economias nacionais: 5-10%+.
Rápido crescimento mundial em empregos, mercados e comércio.
Todos os principais países e cidades apoiam activamente.
Trata-se de bem-estar individual e social, bem como de crescimento económico.
A Economia Criativa: O Futuro
1. Criatividade é uma mentalidade
2. Criatividade é uma nova maneira de trabalhar
3. O cérebro bidireccional
4. A velocidade da criatividade
5. IA: A IA pode ser criativa?
1. Criatividade é uma mentalidade
Os principais sectores de actuação da criatividade são arte, cultura, design, média, entretenimento e tecnologia.
A criatividade como mentalidade pode ser usada sempre que quisermos inventar algo que ainda não existe.
2. Criatividade é uma nova maneira de trabalhar
Antigo:
Riqueza ► Capital ► Empresa ► Empregados (ou Máquinas).
“Empresas usam Trabalhadores”.
Novo:
Pessoas ► Trabalho ► Empresas ► Riqueza.
“Trabalhadores usam Empresas”.
3. O Cérebro Bidireccional
Uma Era de Ouro de colaboração entre neurocientistas, psicólogos e desenvolvedores de software em redes neurais.
O resultado: um novo modelo de criatividade.
O Cérebro Bidireccional
Vemos (ouvimos, etc.) e criamos de maneira semelhante, mas os dois processos funcionam em direcções diferentes.
Isso vale para todas as formas de criatividade: arte, ciência.
O Cérebro Bidireccional
Perceber > Criar > Mudar >
4. A Velocidade da Criatividade: Está sempre a acelerar
>Desenvolvimento de machados de sílex: 1.500.000 anos
>Do Homo Sapiens às primeiras pinturas rupestres: 250.000 anos das primeiras pinturas rupestres às pinturas de
>Chauvet: 30.000 anos
Das pinturas de Chauvet ao telefone: 30.000 anos
>Do telefone ao iPhone: 140 anos
>Do iPhone ao ChatGPT: 15 anos
(da fundação dos EUA a Taylor Swift e ChatGPT: 250 anos)
(O GPT faz o TikTok parecer antigo)
A Velocidade da Criatividade: década de 1920
Einstein, Henri Poincaré, Henri Bergson, Kurt Gödel…
Pablo Picasso, Henri Matisse, Georges Braque, Marcel Duchamp, James Joyce, T. S. Eliot, Igor Stravinsky, Vaslav Nijinsky, Arnold Schoenberg…
De Stilj, Bauhaus, Julanxe…
A Velocidade da Criatividade:
2019: Jony Ive e Marc Newson lançam a LoveFrom.
2024: A LoveFrom anuncia um conceito chamado Io. Não possui produtos nem receita.
2025: A OpenAI de Sam Altman compra a Io por US$ 6,5 bilhões.
A velocidade da criatividade: mais rápida que a inovação
Inovação é:
Objectiva, Quantificável, Consensual.
Lenta e cara.
Criatividade é:
Pessoal e Subjectiva (Melhor, Mais Bonita).
Rápida e barata.
5. IA: Um Segundo Cérebro
A IA é boa (rápida e barata) para check de factos, pesquisa, explicação, personalização, testes e prototipagem.
Podemos usar a IA como um “segundo cérebro”.
Um conselheiro pessoal, amigo, crítico, colega de trabalho.
IA: O Panorama Geral: Duas Perguntas
A criatividade nos mostra uma nova e possível visão da realidade.
...uma visão humana de como é ser humano.
P: Podemos aceitar uma máquina nos dizendo como é ser humano?
P: Quem está no comando?
Complementando a sua apresentação através de imagens, o professor John Howkins defendeu:
“Pode parecer uma pergunta estranha, mas o que é trabalhar hoje? É o mesmo que ter um emprego? Num mundo em pleno movimento com acesso à internet e às novas tecnologias, a pergunta que se coloca é, quando estamos a trabalhar? Trabalhar, estar activo profissionalmente é fazer o que? É Mover algo de um lado para outro? Convencer alguém de algo? Inventar uma coisa nova? Talvez tudo isso…?”