A fuga de cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre, por mais súbita e elaborada que possa parecer, não foi a primeira nem a maior fuga prisional em Portugal (ou sequer na zona de Alcoentre).
Nas décadas que se seguiram ao 25 de Abril, o país assistiu a várias fugas prisionais, e algumas delas facilmente dariam um filme de estampa em Hollywood, com mortes, túneis e roubos de carrinhas à mistura. Lá fora, contudo, são casos como os de El Chapo ou da prisão de Alcatraz, muitas vezes romantizados pela imprensa estrangeira, que se eternizaram nos livros de história das fugas prisionais.
Dados avançados pela Direção-Geral das Políticas de Justiça ao “Público” indicam que escaparam do sistema prisional 160 reclusos nos mais recentes 15 anos - 98 encontravam-se dentro da prisão no momento da fuga, e 62 escaparam enquanto estavam no exterior por diferentes motivos.
Com a evasão de Vale de Judeus ainda sob investigação, recordamos algumas das fugas mais mediáticas de sempre, em Portugal e no mundo, e recordamos o que disse o Expresso nesses dias nervosos.
Alcoentre, 1978
Ao início de 17 de julho de 1978, a prisão de Alcoentre acolhia cerca de 200 reclusos. À noite, depois da contagem ao final do dia, menos de 80 continuavam nas suas celas. Forças de segurança e forças militares foram mobilizadas para capturar os 124 fugitivos, que protagonizaram o que na altura foi descrito como a fuga mais “espetacular” do sistema prisional português.
Ao longo de três meses, seis homens escavaram um túnel para fora da prisão, com ferramentas desviadas da oficina da da penitenciária, com cerca de 50 metros de comprimento e 80 centímetros de diâmetro, e que incluía luzes e uma ventoinha. Uma espécie de “Shawshank Redemption”, uns quantos anos antes da estreia. Os seis responsáveis fugiram primeiro, e mais de cem foram atrás, obrigando a um enorme esforço das forças de segurança para capturar os fugitivos. Muitos foram encontrados perto de Alcoentre, e devolvidos à cadeia, mas os seis primeiros conseguiram chegar a Lisboa.
Alguns fugitivos nunca mais regressaram. O Observador conta, por exemplo, o caso de Heitor Silva, militante do Partido Revolucionário do Proletariado, que acabou por viver 14 anos como fora-da-lei até 1992, quando o então Presidente da República Mário Soares lhe concedeu um indulto. A prisão ficou fechada durante três anos, reabrindo em 1981 como Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, o nome que, mais de 40 anos mais tarde, voltou a colocar o estabelecimento nas manchetes da imprensa.
Grândola, 1986
Menos de dez anos mais tarde, deu-se nova fuga prisional, desta vez ainda mais aparatosa e com mortes pelo caminho. A 28 de julho de 1986, seis homens, todos condenados a penas pesadas (incluindo homicídio e assalto a bancos), um grupo que incluía dois ex-paraquedistas, conseguiram escapar da Colónia Prisional de Pinheiro da Cruz, em Grândola - um estabelecimento prisional de alta segurança, cujos métodos agressivos eram temidos pelos reclusos.
Os contornos da fuga são dignos de ficcionalização no grande ecrã. Pelas 16h30 da tarde, o ‘cérebro’ da operação, Germano Raposinho, que trabalhava na lavandaria da prisão, disparou e atingiu o primeiro guarda. Os restantes cinco reclusos juntaram-se a Raposinho, destruíram o rádio, roubaram armas automáticas e pistolas do armeiro, e iniciaram a fuga. Pelo caminho, mataram três guardas, causando, assim, o maior número de mortes numa tentativa de evasão do sistema prisional. O grupo conseguiu entrar numa carrinha celular Ford Transit e fugiu pela estrada, em direção ao Algarve.
“Passadas 24 horas dos seis presos, as últimas notícias são de que os fugitivos se dirigem para sul, em duas viaturas roubadas, sendo uma delas de matrícula espanhola. Os seis evadidos, na sua maioria algarvios, alguns deles condenados por homicídio, são considerados muito perigosos e estão armados”, noticiava a RTP, a 29 de julho. Nas notícias só se falava da fuga de Pinheiro da Cruz e dos “manos Cavaco” - Vitor Clemente Cavaco e José Faustino Cavaco, dois dos protagonistas do grupo (que, curiosamente, não eram irmãos). Faustino Cavaco era, na altura, considerado o homem mais perigoso dos seis.
No início de agosto, a Polícia Judiciária lamentava o esforço “inglório” ao Expresso. “Não só conhecem a zona melhor do que as palmas das mãos, como se aproveitam de muitas fraquezas nossas. Estão-me a dar um grande baile”. A 5 de agosto, os primeiros dois homens foram encontrados (um entregou-se, o outro recusou voltar à prisão e suicidou-se). No dia 11, na Reboleira, Amadora, foram apanhados mais dois (um dos fugitivos foi detido num quiosque, depois de comprar dois jornais). Finalmente, quatro meses depois da fuga, os “Cavacos” foram capturados inesperadamente em Loulé.
Guimarães, 2007
O último caso nacional que recordamos já ocorreu na era da internet e das televisões durante 24 horas, mas manteve-se a tendência de fugas de verão. A 11 de agosto de 2007, seis homens fugiram do Estabelecimento Prisional de Guimarães, após mais uma escapatória preparada ao longo de meses.
Pelas 19h30, segundo contou o Jornal de Notícias, um dos arguidos dirigiu-se à enfermaria para receber a medicação diária. Consigo, levou uma faca de 10 centímetros, feita manualmente no interior da prisão. O recluso usou o objeto para neutralizar um guarda prisional, responsável pelo acesso à zona de reclusão. Os restantes prisioneiros, armados com ferros afiados, chegaram à entrada e encontraram mais um guarda, a quem conseguiram roubar a arma. Parte dos homens retirou as chaves da entrada da prisão ao guarda; os restantes ameaçaram duas mulheres que trabalhavam para uma empresa de refeições, fornecedora do Estabelecimento Prisional, e ficaram-lhes com a carrinha.
Ao longo dos meses seguintes, os homens foram sendo capturados (um deles na Galiza, em Espanha), mas o caso mais interessante é o de Sérgio Ribeiro, conhecido como “China”, na altura com apenas 17 anos. O Diário de Notícias descreveu-o como “um dos mais temidos delinquentes da zona norte, com centenas de assaltos no currículo”, e o “mentor” da fuga.
Sérgio Ribeiro foi finalmente apanhado depois do Natal, na freguesia de Joane, em Vila Nova de Famalicão, por acaso. Militares da Guarda Nacional Republicana encontravam-se na via pública numa noite de sexta-feira, quando reconheceram o jovem, encontrando-o numa casa a 29 de dezembro. Os seis homens acabaram por ser acusados de motim pelo Ministério Público, mais de cinco anos depois da fuga.
Alcatraz, 1962
Uma das mais históricas fugas prisionais do mundo aconteceu, inevitavelmente, numa das prisões mais isoladas e inescapáveis do seu tempo. A ilha de Alcatraz, na baía de São Francisco, na Califórnia, começou por ser uma base militar. Nos anos 1930 foi convertida pelos Estados Unidos numa prisão de segurança máxima. Construída como um forte, cercada por correntes frias e localizada a dois quilómetros da costa, Alcatraz tornou-se um sinónimo da frieza das prisões americanas, rodeada de lendas macabras sobre a violência que lá dentro se praticava.
Muitos tentaram fugir, mas ninguém conseguiu, pelo menos oficialmente. As rotinas noturnas foram cumpridas com normalidade mas, na manhã de 12 de junho de 1962, segundo conta o New York Times, três reclusos desapareceram, deixando para trás almofadas cobertas de papel, com cabelo verdadeiro colado para simular uma cabeça (iludindo, assim, as rondas da noite). Usaram colheres para escavar um buraco na parede, que demorou meses. Todo o corpo operacional da polícia de São Francisco foi mobilizado, procurando os três homens pela prisão, pela costa e por todo o norte da Califórnia.
Frank Lee Morris e os irmãos Clarence e John Anglin, assaltantes de bancos, nunca foram encontrados. As autoridades ainda descobriram uma jangada num ilhéu perto de Alcatraz. E um quarto homem, Allen West, tinha planeado escapar com o grupo, mas não conseguiu abrir a ventilação na sua cela, acabando por ficar para trás e, assim, revelar vários dos detalhes às autoridades.
A polícia declarou Morris e os irmãos Anglin como mortos em 1979, assumindo que os três tenham sido arrastados pela corrente forte, afogando-se. Desde então, várias investigações, um filme de Clint Eastwood e o programa “MythBusters”, do Discovery Channel, tentaram provar que a fuga era possível. Em 2015, familiares dos irmãos Anglin começaram, finalmente, a apresentar provas de vida dos fugitivos, incluindo cartões de Natal enviados a partir do Brasil, décadas mais tarde.
El Chapo, 2015
A complexidade da fuga de Joaquín Guzmán deixou autoridades mexicanas, norte-americanas e internacionais perplexas. Por isso, identificamos a prisão, e não o fugitivo. Guzmán, conhecido mundialmente como “El Chapo”, era o narcotraficante mais famoso do México e do mundo e líder do cartel Sinaloa - escapar, pela segunda vez, parecia impossível.
A 11 de junho de 2015, às 20h52, os seguranças do centro prisional de segurança máxima de Santa Juana, Guzmán foi visto pelas câmaras a entrar na zona do chuveiro, a única parte da cela invisível para os seguranças. Após 25 minutos, os guardas foram à cela, mas em vez de Guzmán, encontraram antes um túnel, escavado a partir do chuveiro. Esse túnel, descobriu-se mais tarde, era apenas o início de uma complexa operação para retirar “El Chapo” da prisão: o túnel, bem iluminado e ventilado e de construção de qualidade, tinha 10 metros de profundidade, 1,70 metros de altura e uns impressionantes 1,5 quilómetros de comprimento, terminando num bairro nas imediações. No interior do túnel estava uma mota, usada para transportar os materiais de construção.
A fuga de “El Chapo” gerou uma das maiores caças ao homem do século XXI, com polícias locais, regionais e federais e exército mexicanos nas buscas, apoiados por autoridades norte-americanas e colombianas. A partir de Paris, o presidente mexicano, Lopez Obrador, condenou a “afronta” ao país.
Seis meses depois, em janeiro de 2016, após um longo tiroteio na costa ocidental mexicana do seu estado natal de Sinaloa, Joaquín Guzmán foi detido pela terceira vez na vida. “Missão cumprida”, exclamou Obrador. O México extraditou Guzmán para os Estados Unidos, onde foi condenado a prisão perpétua e onde permanece preso até hoje, num estabelecimento no Colorado.
HM Prison Maze, 1983
Durante os “Troubles”, o período de conflito e guerra na Irlanda do Norte que durou entre os anos 1960 e 90, muitos republicanos católicos e monárquicos protestantes acabaram presos no mesmo sítio: a prisão em County Antrim, um estabelecimento de segurança máxima no nordeste da ilha, considerado um dos mais impenetráveis da Europa, e com alas separadas para os dois lados do conflito irlandês. Ao longo dos anos, vários militantes e ativistas de ambos os lados protestaram contra as condições criadas pelos ingleses, com alguns, como Bobby Sands, a morrerem durante greves de fome.
Membros do Exército Republicano Irlandês (IRA, na sigla em inglês) planearam a fuga durante meses. Alguns tornaram-se amigos dos guardas britânicos e começaram a trabalhar na prisão, para afastar suspeitas; e, de fora, o IRA conseguiu contrabandear armas para ajudar o plano. A 25 de setembro de 1983, um grupo de prisioneiros usou as armas para sequestrar os guardas, tomando o controlo do bloco onde estavam presos sem fazerem soar alarmes.
Os prisioneiros aproveitaram a entrada de um camião, ameaçaram o condutor e, no veículo, conseguiram abrigar dezenas de compatriotas. Duas horas depois, e após vários confrontos com guardas (um segurança foi esfaqueado e morto), o grupo de 38 irlandeses republicanos conseguiu finalmente escapar pelos campos em redor da penitenciária, dando por terminada a maior fuga prisional da história do Reino Unido e da Irlanda após a Segunda Guerra Mundial.
A operação foi usada como propaganda pelo IRA, que catalogou o caso como “A Grande Fuga” (do inglês “The Great Escape”). Várias autoridades prisionais e líderes unionistas demitiram-se, e a primeira-ministra na época, Margaret Thatcher, condenou o incidente a partir do Canadá. Nos dias e meses seguintes, os prisioneiros foram sendo capturados ou mortos. Dos 38 que conseguiram escapar ao Prison Maze, apenas dois - Gerard Fryers e Séamus Campbell - desapareceram, sem deixar rasto, até hoje.